EMBALAGENS ENGANADORAS NA ECONOMIA
O saudável entendimento positivista da ciência gosta de invocar sobretudo factos, factos, factos – e nada mais. Mas a mera contagem de feijões já é questionável porque, precisamente na economia, não há sequer a certeza de existirem todos os feijões contados. A forma mais primitiva, é claro, são as falsificações directas da contabilidade, perante as quais não recuaram, especialmente em tempos de crise, nem os bancos nem as empresas nem os Estados, como se viu nos últimos tempos. E, no que diz respeito às estatísticas oficiais, já Churchill dizia, como é sabido, não confiar em nenhuma que ele próprio não tivesse forjado. Mas, regra geral, a distorção da realidade empírica acontece de forma plenamente legal. Basta modificar os critérios de recolha dos números.
Nos E.U.A. e não, só as normas de contabilidade foram adaptadas, na crise financeira, para os bancos poderem facilmente parquear os seus activos tóxicos em sociedades constituídas para o efeito. O "sistema bancário sombra", que o economista americano Roubini descreveu e pretendeu em parte responsabilizar pela crise, não foi desmantelado, pelo contrário, foi até reforçado. O mesmo vale para as finanças públicas. Uma massa considerável da dívida encontra-se latente em "orçamentos sombra", que não são mostrados. Um truque semelhante tem sido usado nas estatísticas do desemprego. Todos os anos os métodos de recolha são reformulados. Uma parte do milagre no mercado de trabalho da RFA deve-se ao facto de recentemente os desempregados atendidos pelas agências privadas de emprego simplesmente terem deixado de ser contabilizados.
Mas, mesmo sendo os números certos, eles podem ser belamente coloridos pela interpretação. Relativamente ao produto interno bruto, nem números absolutos nem percentagens relativas de crescimento dizem nada, se os valores de referência forem escondidos. No caso do crescimento, ele depende do nível inicial. Na Europa de Leste festejaram-se altas taxas de crescimento de 7 por cento e mais. Que grande coisa, depois de a queda do bloco soviético ter levado a uma desindustrialização devastadora. Além disso, o crescimento após a queda foi largamente impulsionado através de endividamento em moeda estrangeira (euro, dólar, franco suíço), revelando-se hoje extremamente frágil.
Também a imaginação da China como nova potência económica mundial assenta em interpretações enviesadas. As taxas de crescimento impressionantes são devidas não apenas a estruturas baseadas no deficit (vias de sentido único viradas para a exportação e agora programas públicos financiados a crédito), mas também a um nível de partida baixo. Na passagem de uma industrialização extensiva a intensiva, segundo a experiência, o crescimento sofre uma forte queda. Apesar do aumento, o PIB da China, com 4,6 biliões de dólares, para uma parte da população mundial muitas vezes superior, está ainda muito aquém do PIB dos E.U.A. ou da União Europeia, com cerca de 14 biliões de dólares cada. É duvidoso que a China possa funcionar como locomotiva do crescimento global, por exemplo para a Alemanha. Mesmo neste país, o crescimento previsto de 1,4 por cento para este ano refere-se ao baixo nível de partida após a quebra de 5 por cento no ano passado. Em todo o lado e em todos os sentidos os duvidosos números mágicos assentam em pés de barro. Os factos aparentes devem ser tratados com cautela, pois a lógica da valorização objectiva do capital acaba por não se deixar enganar. Isto já se aplicou ao crash financeiro de 2008, que não era previsível a partir da situação factual oficial.
Original ÖKONOMISCHE MOGELPACKUNGEN in www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland, 23.07.2010