UMA SEMANA DE CRÍTICA DA DISSOCIAÇÃO E DO VALOR E DE FÉRIAS
A Verein für kritische Gesellschaftswissenschaften e. V. e o Wert-Abspaltungskritische Lese- und Diskussionskreis Berlin organizam este ano, pela primeira vez, um workshop de verão de uma semana. Os interessados são cordialmente convidados. Informações sobre o programa, a localização, as datas, taxas e inscrição podem ser encontradas abaixo:
Data: de domingo, 22 Agosto de 2010, chegada a partir das 17H00
a domingo, 29 Agosto de 2010, partida após o pequeno-almoço
(Para partidas antecipadas: Programa conclui sábado, 28 de Agosto 2010, pelas 17H30)
Local: Europäische Jugenderholungs- und Bildungsstätte
em Werbellinsee (Altenhof em Berlim)
Taxas de participação e inscrições:
… … …
Participantes por um dia, que queiram participar em sessões individuais, são bem vindos.
…
Programa:
Domingo, 22 Agosto de 2010, a partir das 20H00:
Chegada, reencontros, apresentações
Segunda-feira 23 Agosto 2010
10H00
Passeio pela zona - para os interessados
15H00
Robert Kurz: Para a história da crítica do valor - O contexto condicional histórico da elaboração da teoria
Uma nova teoria crítica, como a crítica da dissociação e do valor, resulta sempre da solução de contradições das teorias críticas anteriores, em conexão com o real desenvolvimento sócio-histórico. Não se trata, portanto, de uma conclusão brilhante do puro intelecto pairando livremente. Por outro lado, e precisamente por isso, qualquer nova teoria crítica tem de reivindicar a verdade histórica (isto é, condicionada, limitada). Não porque os seus portadores e protagonistas sejam mais espertos do que os anteriores, mas porque ela está relacionada com condições modificadas, em que o capitalismo se desenvolveu numa reconhecibilidade mais avançada. Portanto, a nova teoria crítica não pode simplesmente limitar-se a fornecer uma interpretação diferente do capitalismo, entendido como inalterado, mas deve analisar simultaneamente o terreno da alteração das circunstâncias, reflectir o seu próprio lugar no processo histórico e poder explicar-se a si mesma. Este relacionamento do problema e da condição tem de ser explicado e ilustrado em cinco aspectos.
Em primeiro lugar, é preciso notar que o problema apenas existe na dialéctica sujeito-objecto das dinâmicas relações de fetiche modernas. Aqui, na constituição do capitalismo, as acções, criações e relações próprias objectivaram-se e autonomizaram-se cegamente face aos seus actores. Precisamente por isso, daqui surge a tarefa da crítica de explicar e suplantar esta relação, e só daí resulta a pretensão de uma "verdade objectiva" em relação à sociedade assim constituída. Com a abolição da objectividade negativa, também este tipo de teorização se tornará irrelevante, mas só então. Essa objectividade negativa não é, porém, estática, mas sim dinâmica. É por isso que as categorias fundamentais do capitalismo não podem ser consideradas como abstracções mentais estáticas, para as quais a história empírica só surge como uma relação acidental exterior (o capitalismo como eterno retorno do mesmo). Pelo contrário, essas categorias, sendo reais, também são realmente histórico-dinâmicas, exigindo no seu processo de desenvolvimento interno uma apresentação e uma análise progressivamente críticas.
Em segundo lugar, esta definição deve ser explicada nos seus traços fundamentais, pela diferença entre a teoria da dissociação e do valor e a chamada "nova leitura de Marx". Está em causa basicamente a diferença entre uma concepção histórica ou filológica da teoria de Marx. Este problema epistémico básico pode ser evidenciado na teorização de uma “reconstrução da Crítica da Economia Política” na Nova Esquerda desde os anos de 1960. O resultado foi um entendimento totalmente oposto do “duplo Marx" na crítica do valor e da dissociação e na “nova leitura de Marx" (em especial em Michael Heinrich).
Em terceiro lugar, trata-se da história da própria teoria da dissociação e do valor nos últimos 25 anos. Esta nova teoria crítica inicialmente não conseguia de certo modo “conhecer-se” a si mesma. Tratava-se, partindo do estado da esquerda na década de 1980 e das condições sociais de então, de uma laboriosa libertação do marxismo tradicional, que deve ser seguida em suas estações mais importantes (a independência da teoria relativamente ao imperativo prático, a crítica do positivismo, a crítica da economia soviética, a crítica da forma do valor e da ontologia do trabalho e, finalmente, o decisivo – e geralmente não percebido como tal – desenvolvimento da crítica da relação de dissociação sexual e da razão iluminista androcentricamente universalista). Só a partir de um certo nível de elaboração teórica este se revelou como um novo paradigma independente e abrangente de "crítica categorial", que pôde fazer uma ordenação histórica da história da teoria e da história do movimento, mesmo que esta correlação até agora não tenha sido ainda completamente formulada.
Em quarto lugar, a ordenação analítico-conceptual deve ser apresentada nos seus traços fundamentais. Trata-se, por um lado, da definição social do "marxismo do movimento operário", na condicionalidade histórica de seu ponto de vista do capitalismo e do socialismo/comunismo, incluindo o “duplo Marx". Esta época chegou ao fim com a derrota frente ao nacional-socialismo e prosseguiu em ramificações após o fim da Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, trata-se da definição social do "pós-modernismo" e da esquerda pós-moderna (pós-estruturalismo, pós-operaismo), também na condicionalidade histórica de seu ponto de vista da crítica social. Aqui se inclui a era neo-liberal da virtualização do capital (economia das bolhas financeiras), com os correspondentes padrões ideológicos, bem como a transição do "ser de esquerda" para uma orientação social de classe média. A teoria da dissociação e do valor, como "crítica categorial”, não só se distancia do marxismo e do pós-modernismo, na compreensão do capitalismo e da sua dinâmica de crise no nível de desenvolvimento alcançado, mas também ergue a pretensão de co-reflectir e conceptualizar o campo do debate teórico em sua constituição histórico-social.
Em quinto lugar, finalmente, surge aqui um problema para a recepção da teoria da dissociação e do valor, que também é influenciada pelas condições sociais. O novo paradigma, na verdade, penetrou de alguma forma nos círculos de esquerda e nos contextos do movimento, mas apenas fragmentariamente, no isolamento de momentos particulares (como a crítica ao trabalho) e "praxeologicamente" discriminados. Com uma recepção desta maneira a “crítica categorial" não é percebida como uma nova teoria abrangente, com pretensão de verdade histórica, mas amalgamada ecleticamente com teoremas marxistas tradicionais e pós-modernos. Do ecletismo, porém, não resulta qualquer síntese superior, mas apenas uma diluição e enfraquecimento de toda a abordagem, até à irreconhecibilidade. Os momentos de verdade das teorias mais antigas, ainda dominantes no mainstream da esquerda, não são integrados criticamente, mas é a própria teoria da dissociação e do valor, ou "crítica categorial", que se desintegra. Isto tem algo a ver com uma consciência socializada pós-modernamente, que se imagina num “mercado de opiniões", ou num balcão de supermercado teórico, a partir do qual possa compor um “menu" individual. Não há qualquer critério para a verdade objectiva historicamente condicionada e, portanto, não há qualquer determinação na discussão. A teoria da dissociação e do valor não é sacrossanta nem imune à crítica, mas quem quer lidar com ela de forma independente tem de se envolver também na reflexão nela incluída da evolução e do condicionalismo histórico, pois só assim a discussão não fica a pairar num espaço ahistórico, em que todos os gatos da teoria são pardos.
20H00
"O que é realmente o valor?"
Ronda de entrevistas sobre a dissociação e o valor e sobre o actual desenvolvimento da teoria.
Moderação: Holger Hiller
Respondem: Roswitha Scholz, Robert Kurz, Claus Peter Ortlieb e Frank Rentschler
Terça-feira, 24 Agosto 2010
10H00
Frank Rentschler: Pontos de partida e pontos de rejeição para a dissociação e o valor na teoria feminista
A apresentação move-se ao longo do problema já formulado por Roswitha Scholz no "texto primordial" da crítica da dissociação e do valor (Der Wert ist der Mann [O valor é o homem], 1992). Lá foi feita uma dupla demarcação. Por um lado, relativamente à ontologia do trabalho feminista, como é demonstrado em especial no debate sobre o trabalho doméstico, baseado num entendimento obviamente truncado e acrítico do "valor". Por outro lado, relativamente à crítica do valor clássica, que parte da neutralidade sexual do sujeito moderno, ignora consequentemente as acusações feministas a este respeito, em particular da vertente da crítica da razão, e procura esconder o patriarcalismo da socialização do valor, ao operar com um conceito de patriarcado há muito ultrapassado pela discussão feminista. Ambos os problemas serão ilustrados e aprofundados com textos clássicos. Depois de mostrada a esterilidade do debate feminista sobre o trabalho doméstico (tanto quanto o valor pode ser determinado pelo trabalho doméstico), de evidenciada a insuficiência da crítica do valor clássica e de o posicionamento da questão do género no plano mais restrito do valor ter sido explicado através duma nova interpretação do valor de uso (feita no ensaio Geschlechterfetischismus [Fetichismo de género] de Robert Kurz, 1992) passarei à crítica feminista da razão. Será mostrado como a ordem simbólica de género se apresenta na modernidade, como se reproduz e também se modifica, e o que significa neste contexto o "inconsciente social". Por último, entraremos num texto do debate feminista (Hildegard Heise: Flucht vor der Widersprüchlichkeit. Kapitalistische Produktionsweise und Geschlechterbeziehung [Fuga da contradição. O modo de produção capitalista e as relações de género]. Frankfurt, 1986), que – no que diz respeito à estrita determinação do valor – está mais próximo da crítica da dissociação e do valor do que outros textos feministas, no entanto induzindo bastante em erro, por suprimir a vertente de crítica da razão acima esboçada. Nessa medida, a apresentação deve ser entendida como alegações no sentido de entender o carácter patriarcal da socialização do valor em múltiplos planos (o plano mais estrito do valor, a ordem simbólica, o inconsciente social), como fez Roswitha Scholz em seu livro Das Geschlecht des Kapitalismus [O sexo do capitalismo].
15H00
Roswitha Scholz: Dissociação e valor – o asselvajamento do Patriarcado na pós-modernidade
A crítica do valor foi durante muito tempo elaborada androcentricamente e, em parte, ainda hoje o é. E trabalhos da "nova leitura de Marx", por exemplo, pouca importância dão às relações de género hierárquicas. A crítica da dissociação e do valor está contra isso. Após a apresentação de alguns aspectos fundamentais da teoria da dissociação e do valor, nomeadamente em relação às categorias de base do capital, serão examinadas na apresentação as relações de género na era da globalização, que continuam assimétricas como antes.
Na modernidade constituíram-se novas ideias de género. Ao "homem" foram atribuídas qualidades tais como a racionalidade, a força de carácter, a perseverança, etc.; a “mulher", pelo contrário, foi associada a emoção, sensualidade, fraqueza de carácter, etc.: Os homens teriam sido criados para a vida pública e de trabalho, as mulheres seriam por “natureza" para as actividades na esfera privada (amor, preservação, cuidado, "trabalho doméstico"). Tais ideias, inicialmente confinadas à burguesia, espalharam-se com o desenvolvimento progressivo a todas as classes e estratos. Certos momentos da reprodução, que não ficam absorvidos no "trabalho abstracto", foram dissociados da sociabilidade oficial e delegados nas mulheres. Com a integração das mulheres no trabalho remunerado e na esfera pública a relação de dissociação manteve-se e continuou também nestas áreas. A dissociação não é um “domínio secundário”, dedutível da relação de valor, mas impregna a totalidade social e é categorialmente "co-original", devendo ser compreendida no mesmo nível de abstracção. Daqui decorre um conceito de “totalidade concreta" fragmentário, diferente do da anterior compreensão androcentricamente universalista.
Desde os anos de 1950, a relação de dissociação e valor modificou-se e agudizou-se com a crescente actividade profissional das mulheres. Daí resulta um enfraquecimento dos arranjos tradicionais de género na pós-modernidade: as mulheres foram equiparadas aos homens no plano escolar e estão "duplamente socializadas" (Regina Becker-Schmidt), ou seja, elas são igualmente responsáveis pela família e pela profissão. Inversamente, os homens enfrentam agora uma “transformação em donas de casa", na sequência da precarização das relações de emprego. As instituições da família e do trabalho estão em erosão, sem que novas formas sociais e de reprodução sustentáveis tomem o seu lugar. À deterioração fundamental da economia corresponde um asselvajamento do patriarcado na era da globalização, essa a minha tese.
Na situação de colapso, as mulheres correm hoje o risco sobretudo de lhes ser atribuída a função de administradoras da crise. Elas chegam ao "poder" de múltiplas maneiras, quando o capitalismo bate na parede; mantendo simultaneamente a responsabilidade pelo domínio da reprodução e pelos momentos dissociados em geral. A concluir deve ser fundamentalmente enfatizado de novo que a crítica da dissociação e do valor não se refere apenas às questões de género em sentido estrito. Pelo contrário, a dissociação e valor, como princípio fundamental, determina essencialmente toda a sociedade, o que também tem de ter expressão na análise da crise.
20H00
Robert Kurz: Teoria da crise e do colapso. No limite interno absoluto da valorização
O termo “teoria do colapso” é uma palavra apelativa na esquerda, carregada com um entendimento ideológico pejorativo. Trata-se aqui, em primeiro lugar, da acusação de "objectivismo". Portanto, o problema tem de ser em desde logo explicado com base na dialéctica sujeito-objecto da constituição de fetiche capitalista, ou seja, como relação de "crise e crítica", que sempre atormentou a esquerda. Se crise e a crítica são postas como idênticas, daí resulta uma compreensão objectivista ou subjectivista. Portanto, os conceitos de crise e de crítica devem ser estritamente separados.
No segundo passo, a história da teoria da crise marxista tem de ser brevemente esboçada. Marx não deixou uma teoria da crise coerente, mas apenas uma teoria da crise fragmentária, que tem provocado uma longa história de confrontação. O estatuto de uma “teoria do colapso" é hoje em geral incorrectamente determinado do ponto de vista histórico (como é o caso de Michael Heinrich). O conceito de um “limite interno” histórico encontra-se em Marx, mas foi gradualmente perdido. Não é apenas um problema interno à teoria da crise, mas tem algo a ver com o facto de tanto o marxismo do movimento operário como a esquerda pós-moderna terem escondido a questão da "crítica categorial" e de se terem movimentado apenas imanentemente no terreno do contexto da forma capitalista. A questão do "limite interno", no entanto, é uma questão de "crise categorial", que está associada a uma “crítica categorial" e conduz ao postulado de uma "ruptura categorial".
O passo seguinte deverá tornar clara a diferença entre um conceito sistémico total de crise com base na teoria da circulação e um conceito sistémico total de crise com base na teoria da produção. Ambos os momentos se encontram em Marx. A ideia de uma simples “crise de limpeza", que faz parte do funcionamento do capitalismo, está reduzida à teoria da circulação. Um quadro bem diferente emerge se se usarem as abordagens de Marx nos Grundrisse e no terceiro volume de O Capital. Decisivo aqui é o conceito de substância do trabalho. Não é por acaso que aqui se mostra a diferença crucial relativamente ao pós-modernismo e à “nova leitura de Marx" (o conceito de substância do trabalho abstracto como a dispêndio de “nervo, músculo, cérebro”, o carácter de mercadoria do dinheiro, a queda tendencial da taxa de lucro). Na dinâmica histórica do capitalismo, condicionada pelo desenvolvimento das forças produtivas forçado pela concorrência, cria-se uma desproporção entre capital físico morto e força de trabalho, que inicialmente é compensada através da mais-valia relativa e da expansão dos mercados, mas que acaba por culminar num derretimento absoluto da substância do trabalho válida. Neste processo se inclui a expansão histórica do sistema de crédito.
Finalmente, será esboçada a concretização histórico-empírica da “teoria radical da crise", ao longo da história da terceira revolução industrial. O “limite interno absoluto" para a produção de mais-valia real no novo nível de produtividade implica, na ausência de novos potenciais de valorização, uma desvalorização de todos os componentes do capital (capital-dinheiro, capital físico, força de trabalho, capital em mercadorias, a mercadoria dinheiro como tal). Esse processo de desvalorização histórico foi interrompido e modificado por uma economia de bolhas financeiras sem precedentes e pelas conjunturas de deficit ou circuitos globais de deficit por elas alimentados. Após o seu colapso, o problema foi transferido novamente dos mercados financeiros para o crédito público ou para os bancos emissores. Finalmente tem de ser discutida a relação entre Estado e dinheiro. A administração de crise capitalista não resolve a crise, mas constitui apenas a última forma contínua em que se manifesta o “limite interno".
Quarta-feira 25 Agosto 2010
15H00
Georg Gangl, Elmar Flatschart: Workshop sobre Dialéctica
"Isto é uma certa dialéctica e dinâmica, em que temos de pensar". (Angela Merkel)
Nos debates marxistas, é difícil encontrar um conjunto de temas mais controverso do que os temas em torno da dialéctica (de Marx). Muitas vezes aplica-se uma regra simples: se as coisas são demasiado complicadas ou contraditórias, então devem ser vistas dialecticamente. Isso não quer dizer muito e não é por acaso que os espíritos mais críticos encaram muito cepticamente a dialéctica como chave de explicação universal. A esse uso retórico do termo, que era especialmente frequente nos países do socialismo real, como argumento demolidor, já não há verdadeiramente qualquer regresso, pois com isso não se esclarece nada. Um retorno unicamente ad fontes, a Marx, tão-pouco pode igualmente ocorrer. Pelo que se sabe, Marx nunca elaborou o seu previsto escrito de 30 páginas sobre os elementos racionais da dialéctica hegeliana e as esparsas explicações do seu próprio “método dialéctico" não vão além de algumas notas e esboços do problema. Mesmo em Angela Merkel, que uma vez pôs na boca a dialéctica no sentido meramente legitimatório acima mencionado e que com o seu uso até mordeu a língua, ou, por exemplo, em Friedrich Engels, que pelo menos escreveu um fragmento chamado Dialéctica da Natureza, dificilmente se encontram observações mais ricas sobre o que se deva entender agora por dialéctica.
As questões em torno do “método de Marx" e da dialéctica em geral são decididamente centrais para a compreensão da obra de Marx. Não é por acaso que gerações de filósofos/filósofas marxistas se preocuparam assim com a dialéctica – Louis Althusser, por exemplo, pretendeu saber que a dialéctica de Marx era nitidamente separada da de Hegel e uma Shooting Star marxista como Antonio Negri gostaria de vê-la mesmo completamente erradicada da obra de Marx. Estes conflitos mostram uma certa orientação na ocupação com a dialéctica: se se gosta de colocar a questão da dialéctica na obra de Marx, trata-se, nolens volens, de iluminar a relação de Marx com Hegel com maior precisão. Pois se a dialéctica de Marx deve designar um determinado método, como o próprio Marx enfatiza em vários lugares, então imediatamente surge a questão de saber qual é a realidade a ser compreendida com esse método, tratando-se na verdade, evidentemente, de decifrar essa própria realidade, que exige uma apresentação dialéctica – o método não pode ser simplesmente separado daquilo que com ele deve ser compreendido.
Formulado de tal maneira, o objectivo do nosso workshop já se pode esboçar melhor. Com a ajuda da literatura mais recente sobre a teoria da ciência, pretendemos questionar o problema da dialéctica na obra de Marx e, portanto, traçar as particularidades ontológicas, epistemológicas e metodológicas da abordagem dialéctica de Marx. Para esse efeito, insistir-se-á na centralidade do conceito de contradição, no sentido de uma “antinomia estrita”. Marx teve precisamente o mérito de ter colocado minuciosa e abertamente esta situação de contradição como situação de contradição real da socialização capitalista, podendo as abordagens da teoria da ciência, por sua vez, lançar luz sobre a estrutura de base teórica desta constelação. Neste workshop pretendemos tornar claros ambos esses momentos interligados. Vamos ver então com mais precisão a análise historicamente específica de Marx, a partir da qual se pode preparar uma "estrutura dialéctica básica” heuristicamente útil. Só quando essa estrutura básica, incluindo vários pressupostos básicos da ontologia social, for mais ou menos percebida, podem ser colocadas sensatamente as muitas questões em torno da dialéctica, como aquela, segundo uma citação famosa de Marx, sobre os limites da exposição dialéctica, ou a de uma eventual dialéctica da natureza, como a representada precisamente por Engels nos seus rudimentos.
Quinta-feira 26 Agosto 2010
10H00
Daniel Späth: Diferenças e pontos comuns no desenvolvimento da teoria crítica para a crítica da dissociação e do valor
Reflexões teóricas, sejam elas de grupos sociais ou de um único autor, não se podem pôr de conserva. A limitação de uma teoria pelo contexto histórico finito em que se desenvolve não lhe permanece exterior, pelo contrário, sedimenta-se na própria elaboração teórica. Mas com isso, por um lado, com a preocupação de ir além do ponto de vista historicamente limitado usando o processo teórico e, por outro lado, com a necessidade de fazer deste processo o ponto de partida da reflexão, cria-se um campo de tensão. Este campo de tensão imprime-se na teoria crítica como o entrosamento de positividade reflexiva, que permanece na estreiteza da forma de manifestação histórica do capitalismo, e negatividade reflexiva, tendendo esta a visar a destruição das categorias de base da socialização moderna.
Nesta medida a obra de Adorno, à semelhança da diferenciação entre o "Marx esotérico" e o "Marx exotérico", pode ser compreendida em dois planos, seja como crítico radical da sociedade capitalista, seja por vezes como filósofo afim do iluminismo. Esta separação abstracta permanece, sem dúvida, em si contrafactual – pois o pensamento de Adorno caracteriza-se, a meu ver, pelo facto de que ele, como quase nenhum dos outros teóricos ou teóricas que conheço, ter conseguido pensar também contra si mesmo nas análises concretas, ou seja, também contra a sua própria contraditoriedade – no entanto tal separação demarca duas linhas de sua obra que, embora constantemente se entrelaçando, ainda podem ser identificadas como tal.
Vou tentar nesta apresentação conceituar, delinear e demarcar esses dois planos um do outro, revelando assim as diferenças e os pontos comuns entre a crítica da dissociação e do valor e a teoria crítica de Adorno, com base em alguns grupos de temas. A primeira tentativa será a de evidenciar os traços fundamentais da teoria da história de Adorno, cujas bases se podem encontrar sobretudo na Dialektik der Aufklärung [Dialéctica do Esclarecimento] e nas palestras passadas a escrito Zur Lehre von der Geschichte und von der Freiheit [Sobre as lições da história e da liberdade]. Segundo Adorno, a teoria crítica da história é inevitavelmente confrontada com uma situação paradoxal: a construção da história, traçando um processo contínuo de séculos ou milénios, também deve sempre pensar simultaneamente ao longo de sua execução, de acordo com Adorno, as mudanças e rupturas históricas descontínuas, que marcam um processo de transformação social qualitativa. A questão levantada por ele do nível de abstracção teórica de uma teoria que possa compreender adequadamente essa dialéctica de continuidade e descontinuidade histórica deve ser agarrada e perseguida a partir da actual situação de crise: do ponto de vista da crítica da dissociação e do valor, deve ser incorporada de forma modificada na teoria de uma "história de relações de fetiche".
A lembrança da origem e desenvolvimento da própria historicidade da sociedade leva Adorno à génese crítica da forma de sujeito burguês; ao seu processo da sua formação e internalização. Para fazer jus à sua crítica da forma de sujeito, é preciso compará-la com a apresentação desta forma pela tropa de elite apologética: a filosofia do iluminismo (vou me limitar aqui a Hegel e Kant). No estrato do pensamento de Adorno exotérico, que permanece agarrado ao iluminismo, como já foi repetidamente dito aqui, a categoria da razão desempenha um papel essencial. É, poder-se-ia dizer, a charneira através da qual a positividade entra no seu pensamento e deve assim formar o centro deste grupo de temas. Bases textuais para isso serão especialmente as palestras de Adorno sobre Kant (Kants Kritik der reinen Vernunft [Crítica da Razão Pura de Kant], Probleme der Moralphilosophie [Problemas de Filosofia Moral] e os seus Drei Studien zu Hegel [Três Estudos sobre Hegel].
Na linha destas observações, na terceira parte emergirá o estatuto ambivalente da "Crítica da Economia Política” de Adorno. Para apontar as diferenças no tratamento dos conceitos básicos da "Crítica da Economia Política" entre Adorno e Marx, nos diferentes contextos em que ambos viveram e trabalharam, fará todo o sentido, por isso, em primeiro lugar historicizar o seu pensamento.
Na última secção, vou tentar tornar essa diferença frutuosa de um outro ponto de vista, analisando as suas implicações, para uma extensão do conceito de totalidade social. Aqui não deverá, pois, ser considerada suficiente a dialéctica da sociedade, apenas como Marx e Adorno a viram, entrevista na diferença entre essência e aparência, mas será também considerada na mediação da totalidade como tal, a qual se apresenta como "totalidade fragmentária" (Roswitha Scholz).
Para aqueles que queiram preparar cuidadosamente esta temática, até ao fim da primeira semana de Agosto será ainda colocada uma folha com citações Adorno na homepage, que servirá de guia.
15H00
Claus Peter Ortlieb: A harmonia do mercado e a renegação da crise: Para a crítica da economia política dominante
O paradigma neoclássico ainda continua a dominar o mercado académico de livros e de empregos nas ciências económicas. Ele não conhece qualquer conceito de crise, mas apenas um dogma do equilíbrio, mantido de pé contra toda a lógica e contra toda a empiria, dogma segundo o qual as "perturbações" resultam apenas de “comportamentos errados” extra-economicamente condicionados. A matemática aí empregue tem apenas a função de iludir um público afeiçoado (estudantes, jornalistas de economia, opinião pública) e, possivelmente, também de permitir a uma cientificidade inexistente iludir-se a si mesma. Isto será demonstrado com exemplos escolhidos.
Sexta-feira 27 Agosto 2010
10H00
Hanns-Friedrich von Bosse: Introdução ao pensamento de Adorno. Breve apresentação e Workshop (texto de trabalho)
O texto base do workshop é o ensaio Meinung Wahn Gesellschaft [Opinião, ilusão, sociedade] de Theodor W. Adorno in „Kulturkritik und Gesellschaft“ (Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft Band 1710 ab Seite 573 - o texto em formato PDF está também disponível para download na página do blog do Wert-Abspaltungskritische Lese- und Diskussionskreis Berlin [Círculo de Leitura e de Discussão da Crítica da Dissociação e do Valor de Berlim].
14H00 – Fim livre
Excursão a Berlim um pouco diferente
Sábado, 28 Agosto 2010
15H00
Círculo de discussão aberto: Crítica da dissociação e do valor - apropriação e mediação social como desafio.
No fim de uma semana de apropriação da teoria deverá haver uma pequena “ronda de balanço”: questões teóricas deixadas em aberto, temas abertos, crítica ao programa desta semana, possibilidades e dificuldades de mediação social da crítica da dissociação e do valor.
20H00 - Novamente fim livre
Despedida
Original Eine Woche Wert-Abspaltungskritik und Urlaub 22-29.08.2010 in www.exit-online.org 05.08.2010