Robert Kurz

O CONSUMO DO FUTURO


A crise, esteja ela por agora contida ou já em novo agravamento, é essencialmente uma crise dita da dívida. Mas o que significa isso? O capital produtivo é obtido do dinheiro do sistema bancário. Portanto, tem de repartir o seu lucro com o capital financeiro, que cobra juros, como preço do dinheiro emprestado. Porém, se o capital produtivo não obtém lucro suficiente, ocorre uma crise, tanto para o devedor como para o credor. O "preconceito popular" (Marx) gosta de culpar o capital financeiro "ganancioso", por querer enriquecer improdutivamente. Mas então a pergunta é porque precisa a produção de capital de pedir dinheiro emprestado para poder pagar os meios de produção. Aí é que está o busílis e não na "maldade" do capital financeiro.

A concorrência obriga ao aumento incessante da produtividade e isso só é possível através da utilização de um agregado científico e técnico cada vez maior. Marx mostrou que assim se eleva cada vez mais a parte do capital real morto, que não cria novo valor, relativamente à parte da força de trabalho, a única que produz valor adicional. As estatísticas burguesas dizem a mesma coisa, quando verificam que os custos de um posto de trabalho aumentam sem cessar com o aumento da intensidade de capital. Por outras palavras, os custos prévios mortos, necessários à produção de capital, já não podem ser financiados pelos lucros correntes. Daí o recurso ao crédito, para poder pagar o capital real crescente. No século XX o problema da dívida estendeu-se do capital produtivo ao Estado e aos orçamentos privados. Também os gastos governamentais em infra-estruturas e o consumo privado deixaram de ser financiáveis através das receitas correntes reais e apenas podem ser financiados a crédito.

No entanto, o mega-endividamento a todos os níveis mais não é do que a antecipação de futuros lucros, salários e impostos sobre processos de produção real. Este "consumo do futuro" torna-se crise geral ao ser levado longe demais, rompendo-se as cadeias de crédito. Isso aplica-se a todos os intervenientes, incluindo o Estado. Há agora a conversa sobre "pecadores do déficit" e comportamentos financeiros duvidosos. Diz-se que não devíamos viver à custa das gerações futuras. Seria necessária uma nova "moral de pai de família", com vontade férrea de poupar. Na realidade, porém, não estão a ser consumidos alimentos, vestuário, habitação e equipamentos futuros, mas apenas rendimentos futuros cada vez mais ilusórios, para poder continuar a utilizar na actualidade recursos materiais abundantemente disponíveis.

Este absurdo põe em evidência que o capitalismo é um fim em si mesmo para aumentar abstractamente o dinheiro e nada tem a ver com a satisfação eficiente das necessidades, como pretendem os seus apologistas. O dinheiro não é um recurso real, mas a forma fetichista dos recursos reais. E a crise da dívida global é o resultado da tentativa desesperada de, através do "consumo do futuro" insuflado por receitas em dinheiro que nunca mais virão, manter dentro dos limites do fim em si capitalista as vastas forças produtivas, apesar de estas já terem crescido para além desses limites há muito tempo. Pretende-se que agora devemos viver pior e desactivar recursos intactos, incluindo cuidados médicos, porque o capitalismo já consumiu o seu próprio futuro. O limiar da dor já foi alcançado e não apenas na Grécia. Mas a consciência social ainda não aprendeu a utilizar com uma lógica diferente os recursos “inutilizados”.

Original ZUKUNFTSVERBRAUCH in www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland, 10.01.2011