Leo Roepert / Moritz Kuhles

Streifzüge*: Moving Backward


"Depois de 35 anos de chumbo, a crítica social fundamental regressa reforçada e acelerada pela rede. E vai voltar provavelmente numa forma amadurecida, e não supondo equivocadamente que todos os problemas foram fundamentalmente resolvidos e falta apenas aqueles que sabem instruir os ignorantes."

Franz Nahrada sobre o "Movimento Zeitgeist"


"Dito de vez, cinicamente ‒ estamos voltando aos tempos em que uma pessoa pode ser internada como agitador num gulag moderno se cuspir numa nota de banco? Eu não sou anti-nada, sou agnóstico, e preocupo-me intensamente com a miséria do mundo, e isso está hoje intimamente ligado à questão do dinheiro; e se agora são principalmente semitas que se apoderaram do mundo, para mim a sua identidade religiosa/linguística/geográfica é no mínimo igual a merda [sic!]”

Um "Usuário" no fórum do "Movimento Zeitgeist" (1)


Em 20 de Janeiro 2011 ocorreu em Viena, no Votivkino, a apresentação de um filme intitulado Zeitgeist: Moving Forward, seguido de debate; um evento também anunciado pela revista Streifzüge no seu site. Nas semanas seguintes apareceram aí algumas contribuições (2) que se expressaram com simpatia e até euforia sobre o filme e sobre o movimento de Internet que lhe está associado The Zeitgeist Movement.

O filme Zeitgeist: Moving Forward já é o terceiro de uma série de filmes do realizador americano Peter Joseph, que surge com pretensões de documentário e de crítica social. O primeiro filme Zeitgeist, produzido de modo muito amador, foi lançado em 2007 e foi promovido em pouco tempo, pela rápida disseminação da Internet e pelo boca a boca, a uma dica pessoal nos círculos interessados. No primeiro terço do filme divulga-se uma espécie de crítica histórica da religião do cristianismo, cuja conclusão está em plena consonância com as teorias clássicas da mentira dos padres: os mitos religiosos são instrumentos de dominação lançados conscientemente ao mundo pelas elites do poder. Por analogia, no segundo terço do filme a apresentação oficial dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 é "desmascarada" como mito em que se acredita erroneamente; o filme reproduz aqui as habituais teorias da conspiração que acusam o governo dos EUA como (co-)autor dos atentados. Na terceira parte são alinhavadas mais histórias de conspiração, que tratam principalmente das maquinações feitas no escuro pelos "banqueiros internacionais". Com a ajuda do habitual raciocínio cui bono, estes são responsabilizados, entre outras coisas, pelas duas guerras mundiais. Na continuação surgida em 2008, intitulada Zeitgeist: Addendum já não se insiste tanto na ideologia da conspiração, alargando-se, em vez disso, a "crítica" ao sistema bancário americano e ao "sistema monetário". Além disso, o segundo filme Zeitgeist inclui uma parte utópica baseada nas ideias do futurista americano Jacque Fresco e preconiza uma "economia baseada nos recursos" como alternativa ao capitalismo. No final do filme, os espectadores e espectadoras são convidados a aderir ao movimento Zeitgeist na Internet e a implementar as ideias projectadas no filme. O "Movimento Zeitgeist" daí resultante, entretanto, segundo informações próprias, tem ramificações em 33 países com mais de 500.000 adeptos e opera principalmente na Internet. No início de 2011 Peter Joseph tornou público o terceiro filme da série que, em comparação com os anteriores, apresenta um estilo muito mais profissional.

Agora, coloca-se a questão de saber porque promove uma revista, que se vê como crítica do valor, a apresentação pública do filme e lhe dedica, bem como ao movimento que lhe está associado, um total de três textos no seu site. Franz Nahrada vê em Zeitgeist: Moving Forward uma “refrescante e monumental tomada de posição contra o espírito do tempo das últimas décadas". Também para Andreas Exner o filme é "crítica radical” e tem uma mensagem simples, que agrada a um público amplo: “Nem moeda, nem troca, nem capital, nem Estado. Numa palavra: comunismo". O “comunismo-Zeitgeist" também não seria um comunismo qualquer, mas "comunismo no melhor sentido e, surpreendentemente, mesmo sem mencionar Marx”. Exner, portanto, supõe que a crítica apresentada pelo filme Zeitgeist é secretamente baseada na crítica da economia política de Marx. Esta referência, segundo a presunção de Exner, apenas por razões tácticas ou por tacanhez não seria mencionada, mas a mensagem seria basicamente a mesma de Marx.

Será Zeitgeist, portanto, a versão actualizada em filme de O Capital para a geração Facebook? De modo nenhum, pois nos três filmes não há qualquer vestígio da proximidade com Marx presumida por Exner. Pelo contrário, o tema marcante, que percorre os filmes, é uma crítica extremamente grosseira do "sistema monetário", mais ou menos nestes termos: o dinheiro é criado a partir das dívidas (3), isto é, em primeiro lugar, pelo endividamento de um Estado junto de um banco central, que aparentemente faz surgir o dinheiro com o respectivo valor a partir do nada. Este é o primeiro escândalo. Depois, todos os créditos obtidos terão de ser reembolsados com juros, mas para isso não há dinheiro. Este é o segundo escândalo. Segue-se então, em primeiro lugar a inflação, porque a oferta de moeda tem de ser aumentada constantemente para pagar os juros e, de seguida, a falência de indivíduos, empresas ou países que já não conseguem pagar os juros. Conclusão: As pessoas são obrigadas a trabalhar e as empresas a produzir para pagar os juros! Todo o "crescimento" surge como consequência do endividamento originário junto dos bancos. Esta fixação na esfera financeira e nos juros, como as verdadeiras causas do mal capitalista, lembra não por acaso a crítica dinheiro e dos juros na tradição de Proudhon, Gesell e Cª, cujo objectivo era "libertar" as mercadorias e o trabalho aparentemente concreto do domínio do dinheiro e dos juros. É certo que os filmes Zeitgeist não chegam a propagar em suas passagens utópicas nem um "juro negativo" nem um "dinheiro em desvalorização progressiva", mas sim a abolição do dinheiro; no entanto, em suas críticas, o capital que rende juros aparece como a causa da "obrigação de crescimento" e, portanto, da produção. No terceiro elemento da série Zeitgeist a crítica ao "sistema monetário" é completada com uma crítica ao "sistema de mercado", na qual são discutidos diversos fenómenos da produção de mercadorias, tais como o desgaste já incorporado nos produtos ou o desperdício dos recursos ambientais. A crítica, no entanto, permanece aditiva e fenomenologicamente reduzida. A conexão interna do que em Zeitgeist é apresentado como "sistema de mercado" e "sistema monetário", ou seja, da produção de mercadorias e da circulação, fica totalmente por esclarecer, o que é mesmo admitido por Nahrada, mas não parece incomodá-lo (na medida em que ambas as "metades" do sistema, como se diz em Zeitgeist, são de alguma forma criticadas, seria em princípio indiferente a relação entre ambas). Exner, porém, animado pelo desejo de deslocar Zeitgeist para as imediações das categorias de Marx, ou de uma "crítica do valor" em todo o caso assim entendida, não só esconde que, em virtude da relação não percebida entre mercadoria e dinheiro, a produção de mercadorias aparece como resultado do "sistema monetário", mas insiste mesmo, pelo contrário, que em Zeitgeist o "sistema monetário" surge como "o que é: não como o culpado da miséria do nosso tempo, mas simplesmente como o prolongamento do absurdo mortal da troca". Como já foi dito, acontece exactamente o contrário. O filme, portanto, não se demarca, como Exner afirma, "claramente de qualquer tipo de teoria da conspiração e do anti-semitismo quase inevitavelmente a ela associado", pelo contrário, reproduz continuamente imagens estruturalmente anti-semitas, como quando se vê uma mira telescópica flutuando sobre o continente africano e o comentário explica que o Banco Mundial e o FMI, como representantes dos interesses das grandes empresas transnacionais, concedem aos países pobres créditos com altas taxas de juros, para que as ditas empresas os possam "invadir" em caso de incumprimento. Nos dois primeiros filmes Zeitgeist, em que os elementos da ideologia da conspiração são mais centrais, as conotações anti-semitas também são mais claras: é flagrante o discurso sobre os "homens corruptos e gananciosos do Banco Central" (4), ou a "conspiração internacional dos banqueiros", que em reuniões secretas prescrevem alterações legislativas, manipulam os políticos e desencadeiam crises económicas (5). Nada disto merece qualquer palavra de Exner nem de Nahrada (6).

Poder-se-ia argumentar, como escreve Tomasz Konicz no seu artigo na homepage da Streifzüge (7), que no mais recente filme Zeitgeist já não aparecem explicitamente elementos da ideologia da conspiração e que o capitalismo já não é entendido como uma organização de alguns "homens atrás do pano", mas é considerado como um sistema. No entanto, na perspectiva da crítica social radical com pretensões teóricas, explodir de entusiasmo por uma série de filmes da Internet ter progredido de uma exposição da ideologia da conspiração personalizadora e conotada com o anti-semitismo para a exposição duma crítica errónea do sistema, parece mais que questionável (8).

Além disso, o mais recente filme da série não está sozinho, mas deve ser visto no contexto do Zeitgeist Movement, o qual parece ser a razão real para toda a euforia na Streifzüge. Exner está "estupefacto": "No meio da crise final do sistema capitalista mundial, enquanto as elites começam à procura de novas formas de dominação, sem um movimento que pretenda ultrapassar o capitalismo, as pessoas de repente começam a discutir como pôr fim a ‘esta merda’ (Jacques Fresco) [...]". E Nahrada acrescenta, feliz: "[...] Ao contrário de anteriores movimentos culturais, que elaboraram os seus melhores pontos de vista auto-referencialmente na comodidade do estilo de seita, o movimento Zeitgeist procura o diálogo. Ao mesmo tempo, "parece prevalecer um nível de consciência mais elevado, que permitirá que este movimento se distinga do marxismo tradicional". Como ele consegue isso "sem sequer mencionar Marx", coloca-se a questão de saber onde se pode agarrar o "alto nível de consciência" do "movimento". Os interessados descobrem, por exemplo, weltvereinigung.de, uma "página de apoio ao movimento Zeitgeist global" (9). Aqui se diz sobre este: "Trata-se de um contramovimento de globalização, a qual agora domina, oprime e explora interesseiramente o mundo inteiro, na base do poder político, da influência dos média, do controle financeiro e da dependência". Para saber que interesses foram despertados perante esta demarcação, para não dizer superação do marxismo tradicional, e quem gostaria realmente de impressionar a consciência ou o estado mental do ambiente em que cresce e prospera o movimento Zeitgeist, deveria dar-se uma olhada nos links. Pois o movimento busca o "diálogo", obviamente, não apenas com Nahrada e a Streifzüge, mas também com os "iluministas" de direita radical da infokrieg.tv (10), com o "Deutschen Amt" (a partir do meio dos "Kommissarischen Reichsregierungen") (11), com a "Anti-Zensur-Koalitio" (12) e muitos outros. Parece que o programa é a convivência pacífica – há muito uma preocupação também da Streifzüge. Esta simpática reunião de "9/11 Truthers", negadores do Holocausto e "críticos dos juros" foi ultimamente também a razão pela qual a "rede social" StudiVz excluiu todos os chamados grupos Zeitgeist (13). Como razão os moderadores mencionaram o "anti-semitismo latente", que ocorre repetidamente nesses grupos sem ser publicamente contestado. Para os "entendidos" da Streifzüge, no entanto, que já há muito não sucumbem à "crença errónea" "de que só [...] tenham de [...] instruir os ignorantes", é apenas lógico não falar de tais coisas e muito menos criticá-las.

Não é possível esclarecer aqui se esta deriva crescente da "crítica do valor barata" (Robert Kurz) para a direita se deve agora principalmente à fome de apoio e de reconhecimento (lembre-se o imperativo categórico de Schandl: "Em todos os aspectos (!) nós queremo-nos expandir e divulgar") (15), ou ao esconder de elementos essenciais do patriarcado produtor de mercadorias, com a ignorância daí resultante da crítica da ideologia (16). Em todo o caso – deve ficar bem claro – com a crítica radical é que tudo isto não tem nada a ver.

Notas:

* Streifzüge quer dizer literalmente derivas ou incursões (Nt. Trad.)

1 http://www2.thezeitgeistmovement.com/joomla/index.php?option=com_kunena&func=view&catid=26&id=137434&Itemid=100114

2 Referimo-nos aqui, entre outros, aos textos Teses sobre o Movimento Zeitgeist, de Franz Nahrada (http://www.streifzuege.org/2011/thesen-zum-zeitgeist-movement) e O comunismo Zeitgeist: Ciência ou Ficção?, de Andreas Exner ( http://www.streifzuege.org/2011/der-zeitgeist-kommunismus-wissenschaft-oder-science-fiction).

3 http://www.youtube.com/watch?v=5cqXdejME14&feature=related (minuto 00:06:50)

4 http://www.dailymotion.com/video/x9aa6a_zeitgeist-der-film-deutsch_tech (minuto 01:12:26)

5 http://www.dailymotion.com/video/x9aa6a_zeitgeist-der-film-deutsch_tech (minuto 01:16:24)

6 Exner e Nahrada apenas criticam o fetichismo da técnica e da ciência de Zeitgeist.

7 O texto "Zeitgeist: Moving Forward ‒ é o sistema, estúpido", de Tomasz Konicz, (http://www.streifzuege.org/2011/zeitgeist-movin-forward-its-the-system-stupid) apareceu pela primeira vez em hintergrund.de.

8 Antes de se falar de um passo na direcção certa, como faz Konicz, também deveria observar-se que não foi feita pelos autores de Zeitgeist nenhuma demarcação oficial dos filmes anteriores. No site do Zeitgeist continuam como antes os três filmes disponíveis para download.

9 O site http://www.weltvereinigung.de/ é uma das três páginas em alemão de Zeitgeist que está ligada à página principal do movimento Zeitgeist. Ver: http://www.thezeitgeistmovement.com/joomla/index.php?option=com_content&view=article&id=492&Itemid=1908&lang=de

10 O site www.infokrieg.tv é dirigido por Alexander Benesch e é considerado um desdobramento do site de língua inglesa infowars.com do "teórico da conspiração” Alex Jones; ver também http://www.esowatch.com/ge/index.php?title=Infokrieg.tv

11 Os seguidores dos vários "governo[s] do Reich em comissariado” alegam que o Reich alemão continuará a existir, por falta de base constitucional para a RFA. Um exemplo proeminente é Horst Mahler, que assinou a carta deles ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, por ocasião da "Conferência do Holocausto", em 2006, "em gestão de negócios sem mandato do Reich alemão temporariamente incapacitado pelos vassalos dos judeus”; ver também http://www.esowatch.com/ge/index.php?title=Kommissarische_Reichsregierung.

12 A "coaligação anti-censura" do fundador da seita Ivo Sasek organiza a chamada conferência anti-censura na qual obscurantistas de todas as cores podem trazer as suas teorias abstrusas "perante o povo". Assim se apresentou aí, por exemplo, Bernhard Schaub, em 2009, com grandes aplausos dos negadores do Holocausto suíços; ver também http://www.esowatch.com/ge/index.php?title=Anti_Zensur_Koalition

13 As razões para o encerramento de cada grupo foram dadas aos respectivos fundadores na forma de um e-mail padrão. Diz este: "Os chamados grupos Zeitgeist deixam de ser aceites na VZ. Gostaríamos, ainda assim, de explicar por que decidimos dar este passo. Não é nossa intenção dificultar ou impedir opiniões alternativas e novidades, mas temos vindo a observar há algum tempo, com grande preocupação, o desenvolvimento das teorias promovidas, por exemplo, pelos filmes Zeitgeist. A ideia de que eminências pardas, elites ou sociedades secretas estão atrás a puxar os cordelinhos não é nova. Os filmes Zeitgeist estendem essa ideia também ao sistema económico. E aqui se fecha um círculo na história das teorias da conspiração: o anti-semitismo latente, que sempre transparece através de muitas das teorias formuladas. Por exemplo, na ideia dum capital mau, rapinante, que seria, em última análise, responsável pela crise económica e que exerce influência sobre a política mundial através do mecenato e meios similares, para orientá-la no sentido dos seus interesses. Assim estamos a desistir de esclarecer ou discutir o anti-semitismo, esperando que os nossos fundadores lidem com as áreas problemáticas dos temas do seu grupo”. Ver, por exemplo:
http://www2.thezeitgeistmovement.com/joomla/index.php?option=com_kunena&func=view&catid=26&id=137434&Itemid=100114

14 Tem sido uma constante na EXIT! chamar a atenção para essas tendências. Assim, por exemplo, Günter Roth (2005): Pensar à esquerda – escrever à direita (http://www.exit-online.org/textanz1.php?tabelle=aktuelles&index=9&posnr=77&backtext1=text1.php), Claus Peter Ortlieb (2007): O atentado suicida como acto emancipatório (http://www.exit-online.org/textanz1.php?tabelle=aktuelles&index=9&posnr=240&backtext1=text1.php), Claus Peter Ortlieb (2009): A sensualidade do MBO (http://www.exit-online.org/textanz1.php?tabelanews=&index=9&posnr=461&backtext1text1.php)

15 Franz Schandl (2009): Habitação permanente (http://www.streifzuege.org/2009/einlauf-2)

16 Ver: Roswitha Scholz (2005): Maio chegou In: EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft. Heft 2. Bad Honnef, S. 106-137, bem como Robert Kurz (2010): Vendedores de almas (http://www.exit-online.org/textanz1.php?tabelle=aktuelles&index=9&posnr=469&backtext1=text1.php)

Original Streifzüge: Moving Backward em www.exit-online.org, 10.05.2011