Revista EXIT! nº 8, Julho 2011
SUMÁRIO E EDITORIAL
Sumário
Editorial
Roswitha Scholz
O TABU DA ABSTRACÇÃO NO FEMINISMO
Como se esquece o universal do patriarcado produtor de mercadoriasBreve esboço da elaboração teórica feminista desde "68" * O problema da mania de auto-relativização no feminismo e a dissociação-valor como princípio fundamental do patriarcado produtor de mercadorias * O problema fundamental do relativismo e a inevitabilidade da abstracção dialecticamente mediada no contexto da crítica da dissociação-valor * Auto-afirmação em vez de auto-negação como pressuposto da auto-relativização * O esquecido patriarcado produtor de mercadorias
Daniel Späth
A MISÉRIA DO ILUMINISMO
Anti-semitismo, racismo e sexismo em Immanuel Kant
Parte I: Transcendentalidade e subjectividade da circulação
1 O enigma do "sujeito transcendental" * 2 A antinomia da razão ou a relação dicotómica entre teoria e práxis * 3 A estrutura fetichista da mercadoria * 4 Liberdade, igualdade, repressão, * 5 A dialéctica negativa da subjectividade burguesa
Tomasz Konicz
O PÁTIO DAS TRASEIRAS DA EUROPA NA CRISE
Colapso e desindustrialização depois de 1989 * A integração das economias periféricas da Europa Oriental nas cadeias de valorização internacional das grandes empresas ocidentais * A automobilização atrasada e precária da Europa Oriental * Os fluxos de capitais para a Europa Oriental * Bancos – sector financeiro * O circuito de deficit da Europa Oriental 99 * Ondas de migração como válvula da crise * Efeitos da crise na Europa Central e Oriental
Robert Kurz
NÃO HÁ LEVIATÃ QUE VOS SALVE
Teses para uma teoria crítica do Estado. Segunda Parte
23 Por que não constitui o anarquismo qualquer alternativa. A crítica não-conceptual do Estado de Bakunin & Cª. * 24 A discussão conceptualmente confusa com os bakuninistas * 25 A luta pelas necessidades vitais no capitalismo e a constituição automática da política * 26 A "ditadura do proletariado" e o deficit da teoria do Estado * 27 O trauma da Comuna de Paris e a sua lenda * 28 O problema da síntese social como "caixa negra" da ideologia cooperativista * 29 Subjectivação e individualização metodológicas da forma da vontade transcendental * 30 A ditadura de crise do Leviatã ou o estado de excepção como pressuposto e consequência da "vontade geral" * 31 A política como definição do inimigo existencial * 32 Estado de excepção e capacidade da política * 33 Executores e executados do estado de excepção * 34 Catástrofe humana, pragmatismo consciente de emergência e ideologia de salvação da esquerda democrática * 35 A miséria do positivismo jurídico * 36 A crença positiva da social-democracia no Estado e as suas metamorfoses
Elmar Flatschart
TEORIA MESO DO ESTADO SEM CRÍTICA CATEGORIAL?
The Future of the Capitalist State [O Futuro do Estado Capitalista] de Bob Jessop
Estado, capitalismo e Estado capitalista – bases teóricas * O Estado Nacional de Bem-Estar Keynesiano e a sua crise * O Estado de concorrência Schumpeteriano * O Estado de bem-estar sob o signo do regime de "workfare" * A transformação espacial do Estado * Metagovernance * Argumentos a favor da passagem ao Regime Pós-Nacional de Bem-Estar Schumpeteriano * Crítica
Elmar Flatschart
PEQUENA REFLEXÃO SOBRE O CONGRESSO RE-THINKING MARX
Sobre o desvio dos temas, a importância da distinção entre fetiche e ideologia e a "dialéctica da política"
Entre conferência académica e evento * Introdução e desvios dos temas * (Sem) surpresas com e sem género * O problema central da conferência: A determinação da relação entre crítica do fetiche e crítica da ideologia * Para concluir: sobre a (crítica da) política
Anselm Jappe
OS SITUACIONISTAS E A SUPERAÇÃO DA ARTE: O que resta 50 anos depois?
JustIn Monday
IMAGEM DA MULHER E FIGURAS FEMININAS
Sobre a relação entre estudos culturais e feminismo, com base na crítica de Antje Flemming aos filmes de Lars von Trier
I O cinema e a crítica feminista * II A dissociação sexual em melodrama * III Teoria da cultura feminista ou análise subcrítica da forma * IV O papel da feminilidade no regresso da tradição na história * V A diferença entre realidade e ficção na crítica feminista
Udo Winkel
AS DIVERGÊNCIAS DE HELMUT DAHMER
Udo Winkel
O DINHEIRO NA IDADE MÉDIA
Udo Winkel
ENTRE FEUERBACH E A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
Udo Winkel
DE HEGEL A LUDWIG ERHARD
EDITORIAL
Apesar de toda a ostensiva retórica de fim de alarme sobre o "fim da crise" e a "nova retoma" está à vista de toda a gente – 25 anos após a publicação de A crise do valor de troca de Robert Kurz – que o nosso modo produção e a nossa forma económica já não poderão ser mantidos por muito tempo. Prefere-se falar pouco sobre isso principalmente porque há uma grande confusão sobre o que será afinal este modo de produção.
Por um lado, os/as representantes do "crescimento sustentável" de uma "economia de mercado ecológica", embora notem com razão – como o primeiro-ministro verde [do Baden-Württemberg] Winfried Kretschmann no Der Spiegel de 16.05.2011 – que não há um processo de aquecimento das habitações sustentável a longo prazo que consista em queimar as suas tábuas, no entanto, quanto à questão de saber porque está então a maioria da economia de mercado procedendo tão eficazmente dessa precisa forma para nosso desgosto, procuram a culpa no facto de o produto interno bruto (PIB) ser um indicador de crescimento erróneo e acreditam que o mundo ficaria novamente em ordem se encontrássemos a unidade de medida correcta para o crescimento. Pelo que, em todo o mundo e em diferentes níveis, foram e estão a ser nomeadas comissões com a tarefa de procurar essa unidade de medida.
Isso parece um pouco simplista demais. Por que haveria o descontrolado sistema mundial capitalista de deter-se em seu curso auto-destrutivo, só porque mudamos o método da sua medição? Obviamente que a busca de nova unidade de medida configura um procedimento de substituição: Se continuamos a considerar impensável uma transformação da ordem social vigente, porque vemos como dados naturais as suas categorias (tais como o trabalho, a forma de mercadoria, o valor, a dissociação sexual) conforme nos entram na consciência, então por maioria de razão limpamos os óculos, o que de qualquer maneira não fará mal.
No entanto, também não serve de nada. Porque, seja qual for a alternativa ao PIB, no final ela nada poderá modificar no facto de que o objectivo de toda a economia capitalista é alcançar o maior lucro possível por empresa individual, pelo que uma economia bem sucedida pressupõe o crescimento, e de facto o crescimento da massa social total de valor e de mais-valia que, no entanto – com o aumento da produtividade – requer num grau ainda maior o crescimento da produção material e o consumo de recursos materiais. Ou vice-versa: a sustentabilidade no plano material só é possível aceitando uma carga de trabalho em declínio, e assim também uma massa de valor e de mais-valia em declínio, pois afinal o trabalho é a substância do capital. Mas alguém que conte isso aos Verdes. Eles preferem fanfarronices sobre a nova liderança alemã no mercado mundial das linhas de produtos verdes e – também fixados em trabalho, trabalho, trabalho como todos os outros – nos múltiplos novos empregos que a partir daí surgem "entre nós".
Por outro lado, a ideia generalizada, não só desde o crash de 2008, de que a economia mundial, mantida viva somente através de dívidas cada vez maiores, pode falhar a qualquer momento gerou uma crítica que se vê como "crítica fundamental do capitalismo", ou pelo menos como tal é considerada nas recensões, mas que não reconhece as categorias capitalistas centrais (ver acima) e muito menos as toma como objecto da crítica. Paradigmático nesse sentido será o livro saído no início de 2011 Das Ende des Geldes [O fim do dinheiro] dos economistas vienenses Franz Hörmann e Otmar Pregetter, que se refere positivamente ao "Movimento Zeitgeist" e ao "Projecto Vénus" com ele relacionado, movimentos de Internet com centenas de milhares de simpatizantes segundo os seus próprios dados.
A impressão geral que a obra provoca num leitor imparcial e mesmo simpatizando com o título do livro, como é o meu caso, é de uma grande confusão dos seus autores, que eles tentam encobrir com a pose de quebradores de tabus exibida com determinação. Obviamente que os autores são pessoas desiludidas com a sua própria ciência, o que já abona a seu favor. Só que lhes faltou olhar seriamente para alternativas, por exemplo, indo um pouco atrás da história dogmática da ciência económica, a leitura de Marx, ou até mesmo de Ricardo teria sido certamente uma grande ajuda. Em vez disso, eles substituem os esclarecimentos da doutrina dominante, com razão considerados imprestáveis, por um "senso comum" tal que parece inclinar-se a explicar por acção da fraude todos os fenómenos actuais difíceis de perceber. Um capítulo inteiro tem mesmo o título de "Os modelos de fraude do capitalismo".
Para Hörmann/Pregetter a fraude funciona sem trabalho e sem produção, a questão é apenas – tal como também na teoria neoclássica – o mercado não funcionar tão perfeitamente como deve sugerir o discurso da "mão invisível". Pelo contrário, a troca seria bastante perturbada com a intervenção do dinheiro, o qual é gerado "do ar" pelos bancos, que por ele cobram juros, daí a necessidade de assalariados e empresários terem de trabalhar para além do seu propósito próprio, para pagarem os juros, o que por sua vez justifica a "necessidade de crescimento" e o esbanjamento de recursos que lhe está associado. A economia real sob as garras de fraudulentas maquinações do sector financeiro, este padrão estruturalmente anti-semita é simplesmente por demais familiar. Em todo o caso deve ter-se em consideração que os autores repetidamente referem que para eles o que está em causa são os "fundamentos espirituais do sistema social" e não as falhas pessoais dos indivíduos. E, ainda assim, eles não exigem a abolição do juro, mas prevêem o colapso do sistema monetário.
No entanto, a pergunta que não é colocada nem respondida é por que se terá mantido por tanto tempo e apenas hoje deve chegar ao fim um esquema de fraude baseado em "formas medievais de pensamento" (o direito romano e a contabilidade em partidas dobradas são aqui mencionados). É bem claro que os autores projectaram no passado o actual modo de socialização capitalista, com a dominância do capital financeiro que lhe é própria, prolongando-o até ao final da Idade Média e fazendo duma característica definidora do capitalismo uma coisa universal. Daí resulta a falácia de que o capitalismo seria abolido se o dinheiro fosse mantido no seu lugar.
Não é por acaso que o livro termina numa má utopia. O dinheiro, para cujo fim realmente se caminha, não é de facto abolido, mas sim – sob o famoso lema da "inteligência de formigueiro" – democratizado, e "de acordo com a proposta do Movimento EURO-WEG (WEG = Wert-Erhaltungs-Geld) [ = dinheiro que conserva o valor. Weg é também a palavra alemã para via – Nt. Trad.]." Aparentemente trata-se, sim, da abolição dos juros. O "plano prevê que a cada pessoa seja oferecido ‘dinheiro do ar’ numa conta pessoal, através duma abertura de crédito logo após o nascimento", dinheiro que o próprio deve usar por sua conta e risco. No quadro do lema, deturpado por Hörmann/Pregetter, "a cada um segundo suas necessidades – de cada um segundo as suas capacidades", lema cuja origem os autores provavelmente desconhecem, essa conta pessoal desempenha um papel importante (p. 224 sg.): "Neste plano já não existem sociedades de capital, em que os proprietários façam aumentar o dinheiro em dívida sem trabalharem, mas apenas pessoas singulares, que se ligam em rede de acordo com as suas verdadeiras actividades – cada pessoa é um empresário. O prestador de serviços emite a factura e é imediatamente creditado pelo valor dela – como recompensa de toda a sociedade. Em contrapartida o consumidor vê a mesma quantia debitada na sua conta." Não se diz qual o montante de dinheiro a pagar por quais serviços, será a decisão final do mercado? Quem aqui deslizar para uma posição contabilística negativa é obrigado a reequilibrá-la novamente através do próprio trabalho, para o que também é preciso que haja comprador. "Se uma pessoa não conseguir voltar a reequilibrar a sua conta, também não haverá qualquer expropriação subsequente, como penhora, hasta pública etc., pois afinal a sua conta devedora foi a condição para a conta credora de outra pessoa. A única consequência de um saldo negativo de longa duração será o aconselhamento mais intensivo pelos companheiros do EURO-WEG, os bancários do futuro. Estes vão tentar mostrar-lhe maneiras de poder proporcionar serviços úteis à sociedade no futuro, por meio de actividades de que ele realmente goste e que ele próprio considere bonitas e significativas, para conseguir reequilibrar a sua conta de novo. Aqui se oferecem pois “bonitas e significativas” novas actividades para os ex-banqueiros e ex-funcionários dos serviços de desemprego, com as quais estes podem voltar a colocar em saldo positivo o seu balanço pessoal de serviço. A coisa ainda é realmente um pouco mais assustadora: A divisão da população em "prestadores de serviços" e "falhados" é registada com precisão e as novas autoridades, na forma de "companheiros do EURO-WEG", sabem sempre exactamente quem deve ser contado em cada espécie. É preciso uma boa dose de ignorância para se ver nisto uma utopia positiva.
O livro é um exemplo notável de que, sem uma crítica que vá às raízes e que capte as camadas mais profundas da sociedade burguesa, não apenas a má realidade, mas também os ideais e projectos bem-intencionados (utópicos) só conseguem reproduzir as formas de dominação burguesa, numa espécie de repetição compulsiva.
Como esta crítica num sentido amplo de modo nenhum já está feita, nem é de esperar que seja feita neste sentido pelos impostores e convencidos dos domínios políticos e académicos orientados para múltiplas carreiras e consequentemente pedinchando programas reduzidos ao mínimo, o grande quadro da crítica teórica radical continuará a ser tarefa nossa. Ideias para uma sociedade pós-capitalista livre podem resultar da sociedade existente, mas não são anteriores à sua crítica. Tais ideias não se podem antecipar à crítica sem se deixarem cair nas armadilhas da velha sociedade.
Esta edição começa com o texto O TABU DA ABSTRAÇÃO NO FEMINISMO – Como se esquece o universal do patriarcado produtor de mercadorias de Roswitha Scholz, em que se critica o actual debate feminista. Após o culturalismo da década de 1990, também no feminismo volta a circular cada vez mais o lema "Mulheres, pensai economicamente" (Nancy Fraser); fala-se de um "social return" (Knapp/Klinger), estão em alta os debates sobre a interseccionalidade, sobre a relação entre “raça”, género e classe, nos círculos feministas voltam a avolumar-se as referências à relação entre produção e reprodução e a razoabilidade dos estudos de género é no mínimo posta à discussão. No entanto continua a falar-se muito de diferenças, contradições, ambiguidades, particularidades etc. O feminismo actual está longe de identificar a relação assimétrica de género como princípio social fundamental central, essencial para o patriarcado produtor de mercadorias. Deste modo se mantém com total impunidade, por falar nisso, o carácter evidentemente androcêntrico da "nova leitura de Marx”. É como se o feminismo estivesse absolutamente apaixonado pelas diferenças, pelos detalhes, pelas particularidades. Mesmo as recentes análises sobre a interseccionalidade movem-se de modo reducionista num plano meso de determinação da estrutura social, sociologicamente descritivo, desprovido de qualquer reflexão sobre um princípio social fundamental. Tendo como pano de fundo a teoria da dissociação e do valor, apresenta-se a tese de que, perante a dominância desconstrutivista ainda dada, existe não só uma "proibição de articular" (Tove Soiland) o (mau) relacionamento de género, mas também uma proibição de abstrair, que torna impossível tratar a relação hierárquica de género como uma dimensão filosófica fundamental, para então, perante esse pano de fundo, denunciar o escândalo das disparidades socioeconómicas, do racismo, do anti-semitismo, do anticiganismo etc. e aceder às diferenças, ao particular etc.
Na primeira parte do seu texto A MISÉRIA DO ILUMINISMO – Anti-semitismo, racismo e sexismo em Immanuel Kant Daniel Späth põe os conceitos categoriais da filosofia de Kant em contacto com o seu ponto de referência social, para desse modo conseguir um contexto de justificação para a génese das ideologias do iluminista. Com base numa passagem pela filosofia teórica e prática de Kant, mostra-se que os conceitos básicos da sua filosofia constituem um contexto de "transcendentalidade e subjectividade da circulação”. A fim de revelar o núcleo de significado social da filosofia transcendental de Kant, no primeiro capítulo do texto critica-se imanentemente o sujeito transcendental na sua estrutura epistemológica, recorrendo esta análise também à teoria crítica e à sua recepção de Kant para, em ligação com isso, avançar na clarificação de uma crítica de Kant. Esta clarificação reflecte, no segundo capítulo, sobre a relação entre teoria e prática, já tematizada na Crítica da Razão Pura, sendo que o carácter dicotómico dessa relação, por sua vez, aponta para uma contraditoriedade real da subjectividade burguesa. À exposição crítica desta no plano da filosofia de Kant, no terceiro capítulo, segue-se, por isso, no quarto capítulo, a tentativa de antecipar a sua origem social in abstracto. No contexto da penetração assim conseguida da filosofia de Kant na sua dimensão teórica e prática, e da restituição crítica das suas constelações de conceitos como expressão das relações sociais, pode analisar-se a dialéctica negativa da subjectividade burguesa. Em Kant a sua fundamentação levanta inevitavelmente a questão do estatuto histórico do sujeito transcendental, pelo que o quinto capítulo se dedica à teoria kantiana da história e termina com uma reflexão abstracta sobre a negatividade da subjectividade burguesa do ponto de vista da crítica do valor. Este horizonte de reflexão, em si ainda limitado, será alargado na segunda parte, prevista para a próxima edição, cujo enfoque de análise recairá sobre o anti-semitismo, o racismo e o sexismo de Kant.
Tomasz Konicz, com o texto O PÁTIO DAS TRASEIRAS DA EUROPA NA CRISE, empreende a tentativa de traçar os momentos mais importantes do desenvolvimento económico do Centro-Leste da Europa desde o colapso do socialismo real, recorrendo a uma ampla base empírica. O ponto central da investigação são os países admitidos na última década na União Europeia e que agora formam a sua periferia oriental. Ao colapso seguiu-se um profundo processo de desindustrialização, que roubou às economias do Centro-Leste da Europa a sua independência e, na melhor das hipóteses, lhes atribuiu o papel de "bancada de trabalho alargada" das grandes empresas industriais da Europa Ocidental e sobretudo alemãs. Para efeitos da "teoria do sistema mundial" de Wallerstein, o Centro-Leste da Europa deve ser incluído na "semi-periferia", em todo o caso até ao novo surto de crise de 2008/2009, com o qual algumas economias correm o risco de vir a perder mesmo esse estatuto de semi-periferia.
Na segunda parte do texto NÃO HÁ LEVIATÃ QUE VOS SALVE – Teses para uma teoria crítica do Estado Robert Kurz continua a expor a história das teorias de esquerda do Estado no contexto do desenvolvimento capitalista. O ponto de partida é a crítica anarquista do Estado, despachada relativamente depressa, a qual tem sido perfeitamente sobrestimada e resolve o problema em tosca ideologia. Em seguida volta a analisar-se criticamente, em retrospectiva, a reflexão fragmentária e conceptualmente inconsistente da teoria do Estado de Marx e Engels entre o Manifesto e o Anti-Dühring, como ela se apresenta na discussão com os bakuninistas e em torno do carácter da Comuna de Paris. Daí resulta uma fraqueza da crítica ao modo capitalista de socialização: falha-se notoriamente o problema da síntese social; as ideias para uma alternativa à relação de capital detêm-se fundamentalmente no plano da empresa individual (percebido de modo sociologicamente redutor), enquanto a questão do planeamento social consciente desemboca, como que por si mesma, nas vias do estatismo. A ideologia de esquerda segue desde então metodologicamente a metamorfose da ciência burguesa que, ao contrário dos seus próprios clássicos, desenvolve uma tendência para individualizar e subjectivar de certa maneira as categorias sociais; as abordagens teóricas ditas da teoria da estrutura de modo nenhum contradizem esta tendência, porque entendem a "objectividade" apenas como "efeito recíproco" e resultante das acções imanentes, enquanto o carácter apriorístico e transcendental das determinações da forma social total e da "vontade geral" daí derivada já nem sequer aparece. Pela parte do marxismo, desde cedo deixou de ser possível qualquer crítica adequada a esta regressão burguesa da teoria social e da teoria do Estado que desemboca no conceito do "estado de excepção" injustificado, reflectindo assim a praxis de crise do capitalismo tardio. É precisamente o "estado de excepção" que constitui desde então o programa secreto de uma "prova de maturidade política" da esquerda que, na sua ideologia democrática, cai simultaneamente em grande parte na miséria do positivismo jurídico. A crença positiva no Estado da social-democracia torna-se a herança não reconhecida também da chamada esquerda radical. O texto continuará com a terceira parte na próxima edição.
Elmar Flatschart, no ensaio-recensão TEORIA MESO DO ESTADO SEM CRÍTICA CATEGORIAL? do influente livro de Bob Jessop The Future of the Capitalist State [O Futuro do Estado Capitalista], analisa o "Estado da Arte" da teoria materialista do Estado no espaço de língua inglesa. A passagem em revista do livro mostra que Jessop é um analista atento da mudança meso-estrutural do Estado fordista, conseguindo esboçar uma adequada grelha definitória e assim agarrar muito bem a fenomenologia complexa de uma mudança de estatalidades. Ainda que a sua tese sobre o modelo sucessor do Estado fordista, o "Estado de concorrência schumpeteriana”, deva ser parcialmente questionada, mesmo assim pode obter-se algum conhecimento a partir das conjecturas sobre as tendências contemporâneas. Problemática, no entanto, é a ausência do momento de uma crítica das formas existentes de modo geral, o que já os fundamentos teóricos do livro sugerem. Nesta perspectiva puramente analítica, mas não crítico-dialéctica – nem, portanto, processualmente orientada – a capacidade de ligação teórica fica pelo caminho. A isto associa-se também uma inconsistência na teoria da ciência, para que se chama a atenção no âmbito da crítica à tendência do “ethos da organização” de Jessop para a teoria da contingência.
Sob o título PEQUENA REFLEXÃO SOBRE O CONGRESSO RE-THINKING MARX Elmar Flatschart dá uma visão (selectiva) do andamento desse evento que teve lugar em Berlim de 20 a 22.05.2011 e apresenta alguns tópicos de conteúdos. O campo temático "crítica da ideologia", que teve uma forte presença, com representantes da "Nova Escola de Frankfurt" ligada a Jürgen Habermas, recebe um tratamento mais abrangente. Numa curta discussão teórica dos temas, chama-se a atenção para as armadilhas de uma posição que, apesar de assumir alguns momentos avançados do "Marx esotérico", acaba por se manter afirmativa quanto à sua solução da teoria da negociação. Demonstra-se que um elemento essencial desta solução consiste na identificação do fetichismo com a ideologia e insiste-se coerentemente na importância de uma clara separação entre a crítica da ideologia e a crítica do fetiche: a ambas devem ser atribuídas funções diferentes na teoria do conhecimento e na teoria social.
Em seu texto OS SITUACIONISTAS E A SUPERAÇÃO DA ARTE Anselm Jappe ocupa-se da Internacional Situacionista que é muito mais conhecida hoje em dia do que durante sua existência (1957-1972). Ela é frequentemente considerada como a última tentativa histórica de juntar arte vanguardista com política vanguardista. Na realidade, no entanto, para os situacionistas tratava-se da "abolição da arte" na revolução. Poderá alguma forma actual de arte ou de política invocar isso com razão? Não foram as ideias situacionistas há muito incorporadas no "espectáculo", especialmente no mundo da arte? E não estaria esse programa de superação amarrado a uma ideia de progresso que, ela própria, hoje se afigura ultrapassada, porque estava ligada a uma visão excessivamente positiva – herdada do marxismo tradicional – do desenvolvimento das forças produtivas? Assim sendo, talvez hoje seja possível uma defesa da arte que junte argumentos de Adorno com argumentos "situacionistas". Mas de que arte?
Lars von Trier, um dos mais bem sucedidos realizadores do cinema de autor europeu dos últimos 20 anos, tem sido repetida e duramente criticado pelos papéis femininos patriarcais nos seus filmes. No centro da acção está na maioria dos casos um sacrifício feito por uma mulher dotada de uma extraordinária capacidade de sofrimento. Neste âmbito, a crítica tem de ter em conta que, apesar de todo o empolamento estético da vítima, também se mostra a violência que lhe está associada. Isso pôs a correr o boato de que os filmes também poderiam ser considerados representações críticas. Com base numa crítica feminista em grande parte bem sucedida desses filmes – Antje Flemming, Lars von Trier. Goldene Herzen, geschundene Körper [Lars von Trier. Corações dourados, corpos maltratados] – JustIn Monday demonstra no seu texto IMAGEM DA MULHER E FIGURAS FEMININAS - Sobre a relação entre estudos culturais e feminismo, com base na crítica de Antje Flemming aos filmes de Lars von Trier
quais são os limites impostos à crítica se se mantiver a orientação actual pelos métodos correntes da investigação social actual, marcados pelos estudos culturais. Embora a análise de conteúdo da linguagem visual e de outros meios cinematográficos seja esclarecedora, a resposta à questão sobre quais as reais condições em que estes meios podem funcionar fica aquém do necessário. Repetidamente se tem de insistir no argumento de que as imagens femininas de von Trier estariam antiquadas. Esta impressão ocorre porque não se percebe que a renovação da tradição patriarcal não é um problema de conteúdo, mas sim um problema de dissociação do feminino da forma social. Com este objectivo tenta-se prosseguir no texto a crítica da dissociação a nível metapsicológico, e discutem-se as implicações a-históricas do conceito pós-moderno de história, com as quais não se consegue abarcar as mudanças. No cerne do problema está a impossibilidade de lidar com a diferença de forma entre o mundo real e o mundo fictício no filme. Esta crítica atinge hipóteses e implicações centrais das actuais teorias do poder e do discurso, de modo que o texto também pode ser entendido como uma contribuição para a sua crítica.
Este número da revista termina com quatro textos curtos de Udo Winkel: Uma recensão da colectânea de ensaios AS DIVERGÊNCIAS DE HELMUT DAHMER, que serve de homenagem à obra da vida do seu autor, mais uma recensão do livro O DINHEIRO NA IDADE MÉDIA de Jacques Le Goff, onde se mostra claramente que não se pode falar de "capitalismo medieval", uma homenagem a Alfred Schmidt no seu 80º Aniversário sob o título ENTRE FEUERBACH E A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA e finalmente uma glosa, DE HEGEL A LUDWIG ERHARD, sobre as metamorfoses programáticas de Sahra Wagenknecht.
Agradecemos a Angela Aey o seu grande empenho pessoal na elaboração do layout do presente número da EXIT!.
No início de 2011 a redacção da EXIT! aumentou os seus membros, ao mesmo tempo se rejuvenescendo significativamente. Entraram como novos elementos Johannes Bareuther, Elisabeth Böttcher, Elmar Flatschart, Georg Gangl e Daniel Späth.
SCHWARZBUCH KAPITALISMUS [O LIVRO NEGRO DO CAPITALISMO] de Robert Kurz está presentemente a ser traduzido para inglês e, se as editoras colaborarem, será publicado em inglês no próximo ano.
Claus Peter Ortlieb pela redacção da EXIT!
Junho de 2011
Original EXIT! Heft 8 (Juli 2011) Inhalt und Editorial in www.exit-online.org