CRÍTICA DO PROGRAMA DE GOTHA
GLOSAS MARGINAIS AO PROGRAMA DO PARTIDO OPERÁRIO ALEMÃO
I
1. «O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, e como o trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade, o seu produto pertence integralmente por direito igual, a todos os membros da sociedade».
Primeira parte do parágrafo: «O trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura».
O trabalho não é fonte de toda a riqueza. A natureza é fonte dos valores de uso (que, ao fim e ao cabo são a riqueza real!) tanto quanto o trabalho, ele próprio expressão de uma força natural, a força de trabalho do homem. Esta frase repisada encontra-se em todos os abecedários e só é verdadeira na condição de se subentender que o trabalho é anterior, com todos os objectos e processes que o acompanham. Mas um programa socialista não pode permitir que esta fraseologia burguesa passe em silêncio as condições que, só elas, Ihe podem dar sentido. E só na medida em que o homem age desde o início como proprietário em relação à natureza, a fonte primeira de todos os meios e materiais de trabalho, só enquanto a trata como um objecto que Ihe pertence, é que o seu trabalho se torna a fonte dos valores de uso e, portanto, da riqueza. Os burgueses têm excelentes razões para atribuir ao trabalho esse sobrenatural poder de criação: pois que precisamente do facto de o trabalho estar na dependência da natureza se deduz que o homem que nada possuir além da força de trabalho será forçosamente, em qualquer estado social e de civilização, escravo de outros homens que se terão erigido em detentores das condições objectivas do trabalho. Ele não pode trabalhar nem, por conseguinte, viver, a não ser com a autorização destes últimos.
Mas deixemos a proposição tal como está, ou melhor, tão manca como está. Que conclusão se deveria esperar? Evidentemente, esta:
«Como o trabalho é a fonte de toda a riqueza, ninguém na sociedade se pode apropriar de riquezas que não sejam um produto do trabalho. Portanto, quem quer que não trabalhe vive do trabalho de outrém»,
Em vez disso, à primeira proposição junta-se uma segunda por meio da locução copulativa «e como,» para tirar da segunda, e não da outra, a consequência final.
Segunda parte da proposição: «O trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade».
Segundo a primeira proposição, o trabalho era a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, logo, sem trabalho a sociedade é impossível. E eis que agora, pelo contrário, aprendemos que o trabalho «produtivo», não é possível sem sociedade.
Do mesmo modo se poderia ter dito que só na sociedade é que o trabalho inútil, é até socialmente prejudicial, pode chegar a ser um ramo de indústria que só na sociedade é que se pode viver do ócio, etc., etc. - em suma, copiar de novo todo o Rousseau.
E que é um trabalho «produtivo»? Só pode ser o trabalho que produz o efeito útil procurado. Um selvagem e o homem é um selvagem desde o momento em que deixa de ser macaco - que abate um animal com uma pedrada, que apanha fruta, etc., realiza um trabalho «produtivo».
Terceira Conclusão: «E como o trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade, o seu produto pertence integralmente, por direito igual, a todos os membros da sociedade».
Bela conclusão! Se o trabalho produtivo só é possível na sociedade e pela sociedade, o seu produto pertence a sociedade - e ao trabalhador individual caberá apenas o que não for indispensável à manutenção da sociedade, que é a própria «condição» do trabalho.
Na realidade, esta proposição foi sempre defendida pelos campeões da ordem social existente, em todas as épocas. Em primeiro lugar, vêm as pretensões do governo, com tudo o que se segue, pois o governo é o órgão da sociedade encarregado da manutenção da ordem social; depois vêm as pretensões das diversas espécies de propriedade privada, que são, todas elas, o fundamento da sociedade, etc. Como se vê, estas frases ocas podem ser viradas e reviradas no sentido que se quiser.
Só haverá uma relação lógica entre a primeira e a segunda parte do parágrafo se se adoptar a seguinte redacção :
«O trabalho só é a fonte da riqueza e da cultura se for um trabalho social», ou, o que vem a dar no mesmo: «se se realizar na sociedade e por ela».
Tese incontestavelmente exacta, porque, se o trabalho isolado (supondo realizadas as suas condições materiais) pode criar valores de uso, não pode criar nem riqueza nem cultura.
Outra tese não menos incontestável:
«Na medida em que o trabalho se transforma em trabalho social e se converte assim em fonte de riqueza e de cultura, desenvolvem-se, no trabalhador, a pobreza e o desamparo, no não-trabalhador, a riqueza e a cultura».
Esta é a lei de toda a história até hoje. Por conseguinte, em vez de frases gerais sobre o «trabalho» e a «sociedade», era preciso indicar aqui com precisão como é que, na actual sociedade capitalista, estão finalmente criadas as condições materiais e outras que permitem e obrigam o trabalhador a quebrar essa maldição social.
Mas, na realidade, todo este parágrafo, tão falhado na forma como no conteúdo, só existe para que, bem no cimo da bandeira do Partido, se possa inscrever como palavra de ordem a fórmula lassalliana do «produto integral do trabalho». Mais adiante voltarei ao «produto do trabalho», ao «direito igual», etc., porque a mesma coisa reaparece sob uma forma algo diferente.
2. «Na sociedade actual. os meios de trabalho são monopólio da classe capitalista. O estado de depend8ncia que dai resulta para a classe operária é a causa da miséria e da servidão em todas as suas formas.»
Nesta forma «melhorada», a tese, tomada dos estatutos da Internacional, é falsa.
Na sociedade actual, os meios de trabalho são monopólio dos proprietários fundiários (o monopólio da propriedade fundiária é mesmo a base do monopólio capitalista) e dos capitalistas. Os estatutos da Internacional, na passagem em questão, não mencionam nem uma nem outra classe monopolista. Falam do «monopólio dos meios de trabalho, quer dizer, das fontes da vida». A adição das palavras «fontes da vida» mostra suficientemente que a terra está compreendida entre os meios de trabalho.
Esta rectificação foi introduzida por Lassalle, por razões hoje conhecidas, atacante somente a classe capitalista e não os proprietários fundiários. Na Inglaterra, a maior parte das vezes, o capitalista não é sequer o proprietário do solo em que está construída a sua fábrica.
3. «A libertação do trabalho exige que os instrumentos de trabalho se elevem a património comum da sociedade e que o trabalho colectivo seja regulamentado pela comunidade. com repartição equitativa do produto».
«Os instrumentos de trabalho elevados ao estado de património comum» deve querer dizer, sem dúvida: «transformados em património comum». Mas isto só de passagem.
Que é o «produto do trabalho»? O objecto criado pelo trabalho ou o seu valor? E, neste último caso, o valor total do produto ou apenas a fracção de valor que o trabalho veio acrescentar ao valor dos meios de produção consumidos?
O «produto do trabalho» é uma noção vaga que em Lassalle fazia as vezes de concepções económicas positivas.
Que é a «repartição equitativa»?
Não afirmam os burgueses que a repartição actual’ é «equitativa»? E, realmente, na base do actual modo de produção, não é a única repartição «equitativa»? As relações económicas são reguladas por ideias jurídicas ou não serão, pelo contrário, as relações jurídicas que nascem das relações económicas? Os socialistas das seitas () não têm, também eles, as mais diversas concepções acerca desta repartição «equitativa»?
Para sabermos o que se deve entender, na ocorrência. pela expressão oca de «repartição equitativa», temos que confrontar o primeiro parágrafo com este. Este supõe uma sociedade na qual «os instrumentos de trabalho são património comum e em que o trabalho colectivo é regulamentado pela comunidade», ao passo que o primeiro parágrafo nos mostra que «produto pertence integralmente, por direito igual, a todos os membros da sociedade».
«A todos os membros da sociedade»? Mesmo aos que não trabalham? Que acontece então ao produto integral do trabalho» ? - Só aos membros da sociedade que trabalham? Que acontece, nesse caso, ao «direito igual» de todos os membros da sociedade?
Mas «todos os membros da sociedade, e o «direito igual» não passam, manifestamente, de maneiras de falar. O essencial está em que, nesta sociedade comunista, cada trabalhador deve receber um «produto integral do trabalho», à maneira lassalliana.
Se tomarmos em primeiro lugar a expressão «produto do trabalho» no sentido do objecto criado pelo trabalho, então o produto do trabalho da comunidade é a totalidade produto social.
Daqui tem que se deduzir:
Primeiro: um fundo destinado à substituição dos meios de produção usados;
Segundo: uma fracção suplementar para aumentar a produção;
Terceiro: um fundo de reserva ou de seguro contra os acidentes, as perturbações devidas a fenómenos naturais, etc.
Estas deduções do «produto integral do trabalhou» são uma necessidade económica, cuja importância será, em parte, determinada com a ajuda do cálculo das probabilidades, tendo em conta o estado dos meios e das forças em jogo; em todo o caso, não podem de maneira nenhuma ser calculadas com base na equidade.
Resta a outra parte do produto total, destinada ao consumo.
Mas antes de proceder à repartição individual, é preciso ainda retirar:
# Primeiro: os encargos gerais da administração não respeitantes à produção.
Em comparação com o que se passa na sociedade actual, esta fracção imediatamente se reduz imenso e decresce à medida que se desenvolve a sociedade nova.
# Segundo: o que se destina a satisfazer as necessidades da comunidade: escolas, instalações sanitárias, etc.
Esta fracção aumenta imediatamente de importância, em comparação com o que se passa na sociedade actual, e esta importância cresce à medida que se desenvolve a sociedade nova.
# Terceiro: o fundo necessário ao sustento dos que estão incapacitados para o trabalho, etc., numa palavra que compete ao que hoje se chama assistência púbica oficial.
É só então que chagamos à única «repartição» que, sob a influência de Lassalle e dum modo limitado, o programa tem em vista, ou seja, a essa fracção dos objectos de consume que é repartida individualmente entre os produtores da colectividade.
O «produto integral do trabalho» já se metamorfoseou, imperceptivelmente, em «produto parcial», se bem que o produtor, na sua qualidade de membro da sociedade, reencontre directa ou indirectamente o que Ihe é retirado enquanto indivíduo.
Do mesmo modo como se dissipou o tempo de «produto integral do trabalho», vamos ver dissipar-se o de «produto do trabalho» em geral.
No seio de uma ordem social comunitária, assente na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam os seus produtos; do mesmo modo, o trabalho incorporado em produtos já não aparece aqui como valor desses produtos, como uma qualidade real possuída por eles, pois que, ao invés do que se passa na sociedade capitalista, já não é por um desvio mas sim directamente que os trabalhos do indivíduo se tornam parte integrante do trabalho da comunidade. A expressão «produto do trabalho», já hoje condenável pela sua ambiguidade, perde assim qualquer significado.
Do que aqui se trata é de uma sociedade comunista não como se desenvolveu sobre as bases que Ihe são próprias mas, pelo contrário tal como acaba de sair da sociedade capitalista; uma sociedade que, por consequência, em todos os aspectos, económico, moral, intelectual, apresenta ainda os estigmas da antiga sociedade que a engendrou. O produtor recebe pois individualmente - uma vez feitas as deduções - o equivalente exacto do que deu à sociedade. O que ele Ihe deu foi a sua quota-parte individual de trabalho. Por exemplo, o dia social de trabalho representa a soma das horas de trabalho individual; o tempo de trabalho individual de cada produtor é a porção do dia social de trabalho que forneceu, a parte que nele tomou. Ele recebe da sociedade um vale certificando que forneceu tanto trabalho (dedução feita do trabalho efectuado para os fundos colectivos) e, com esse vale, retira dos armazéns sociais uma quantidade de objectos de consumo, equivalente ao custo de uma quantidade igual do seu trabalho. A mesma quota-parte de trabalho que deu à sociedade sob uma forma, recebe-a de volta sob outra forma.
Trata-se aqui manifestamente do mesmo princípio que regula a troca das mercadorias, na medida em que é troca de valores iguais. O fundo e a forma diferem porque, sendo diferentes as condições, ninguém pode fornecer senão o seu trabalho e, por outro lado, só objectos de consumo individual podem passar a ser propriedade do indivíduo. Mas no que respeita à repartição destes objectos entre produtores considerados individualmente, o princípio director é o mesmo que para a troca de mercadorias equivalentes: uma mesma quantidade de trabalho, sob uma forma, troca-se por uma mesma quantidade de trabalho, sob outra forma.
O direito igual continua aqui portanto, no seu princípio, a ser o direito burguês, se bem que princípio e prática já não entrem em conflito, ao passo que hoje, para as mercadorias, a troca de equivalentes só existe em média e não nos casos individuais.
Apesar deste progresso, o direito igual ainda continua onerado por uma limitação burguesa. O direito do produtor é proporcional ao trabalho que forneceu; a igualdade consiste aqui no emprego do trabalho como unidade de medida comum.
Mas uns indivíduos são física ou moralmente superiores a outros e, portanto, fornecem mais trabalho no mesmo tempo ou podem trabalhar mais tempo, e para que o trabalho possa servir de medida, é precise determinar a sua duração ou a sua intensidade, senão deixaria de ser unidade. Esse direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual. Não reconhece nenhuma distinção de classe, porque cada homem é um trabalhador como os outros; mas reconhece tacitamente como privilégio natural a desigualdade dos dons individuais e, por conseguinte, da capacidade de rendimento. Portanto, no seu teor, é um direito baseado na desigualdade, como todo o direito. Pela sua natureza, o direito não pode deixar de consistir no emprego de uma mesma unidade de medida; mas os indivíduos desiguais (e não seriam indivíduos distintos se não fossem desiguais) só são mensuráveis por uma unidade comum enquanto forem considerados de um mesmo ponto de vista, apreendidos por um só aspecto determinando; por exemplo, no caso presente, enquanto forem considerados como trabalhadores e nada mais, fazendo-se abstracção de tudo o resto. Por outro lado: um operário é casado, outro não; um tem mais filhos que o outro, etc., etc. Com igualdade de trabalho e, por conseguinte, igualdade de participação no fundo social de consumo, há portanto uns que efectivamente recebem mais que os outros, uns que são mais ricos que os outros, etc. Para evitar todos estes inconvenientes, o direito deveria ser não igual, mas desigual.
Mas estes defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como acaba de sair da sociedade capitalista, após um longo e doloroso parto. O direito nunca pode ser mais elevado que o estado económico da sociedade e o grau de civilização que Ihe corresponde.
Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver desaparecido a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for apenas um meio de viver, mas se tornar ele próprio na primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento múltiplo dos indivíduos, as forças produtivas tiverem também aumentado e todas as fontes da riqueza colectiva brotarem com abundância, só então o limitado horizonte do direito burguês poderá ser definitivamente ultrapassado e a sociedade poderá escrever nas suas bandeiras: «De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!»
Alonguei-me particularmente sobre o «produto integral do trabalho», sobre o «direito igual» e a «repartição equitativa», a fim de mostrar como é criminoso o intento dos que, por um lado, querem impor doravante ao nosso Partido, como dogmas, concepções que tiveram algum significado numa determinada época mas não passam hoje de uma fraseologia obsoleta e que, por outro lado, falseiam a concepção realista com tanto esforço inculcada no Partido, mas hoje com profundas raízes nele; e tudo isto com a ajuda das patranhas de uma ideologia jurídica ou outra, tão familiares aos democratas e socialistas franceses.
Mesmo abstraindo de tudo o que acaba de ser dito, era de qualquer modo um erro dar tanta importância ao que se chama a repartição e nela colocar a tónica.
Em todas as épocas, a repartição dos objectos de consumo é consequência do modo como estão distribuídas as próprias condições da produção. Mas esta distribuição é uma característica do próprio modo de produção. O modo de produção capitalista, por exemplo, consiste em que as condições materiais de produção são atribuídas aos não-trabalhadores sob a forma de propriedade capitalista e de propriedade fundiária, ao passo que a massa apenas possui as condições pessoais de produção: a forca de trabalho. Distribuídos desta maneira os elementos da produção, a actual repartição dos objectos de consumo resulta naturalmente por si mesma. Sejam as condições materiais da produção propriedade colectiva dos próprios trabalhadores, e do mesmo modo resultará uma repartição dos objectos de consumo diferente da actual. O socialismo vulgar (e com ele, por sua vez, uma fracção da democracia) herdou dos economistas burgueses o hábito de considerar e tratar a repartição como uma coisa independente do modo de produção e de, por essa razão, representar o socialismo a girar essencialmente em torno da repartição. Uma vez que as relações reais foram há muito esclarecidas, para quê voltar atrás?
4. «A libertação do trabalho deve ser obra da classe operária, em face da qual todas as outras classes não formam mais do que uma massa reaccionária».
A primeira estrofe é tirada do preâmbulo dos estatutos da Internacional, mas sob uma forma «melhorada». O preâmbulo diz: «A emancipação da classe dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores; ao passo que aqui é a «classe dos trabalhadores» que deve emancipar - o quê? O «trabalho». Compreenda quem puder.
Em compensação, a antístrofe é uma citação lassalliana da mais pura água: «em face da qual (classe operária) todas as outras classes não formam mais do que uma massa reaccionária».
No Manifesto Comunista diz-se: «De todas as classes que na hora actual se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes enfraquecem e desaparecem com a grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais autêntico».
A burguesia é considerada aqui como uma classe revolucionária - enquanto agente da grande indústria - em relação aos feudais e às classes médias decididos a manter todas as suas posições sociais, que são produto de modos de produção caducos. Feudais e classes médias não formam portanto com a burguesia uma mesma massa reaccionária.
Por outro lado, o proletariado é revolucionário frente à burguesia porque, resultante ele próprio da grande indústria, tende a despojar a produção do seu carácter capitalista, que a burguesia procura perpetuar. Mas o Manifesto acrescenta que «as classes médias... se tornam revolucionárias... na perspectiva da sua passagem iminente ao proletariado».
Deste ponto de vista, portanto, é mais um absurdo fazer das classes médias, juntamente com a burguesia e, ainda por cima, com os senhores feudais, «uma mesma massa reaccionária» face à classe operária.
Será que nas últimas eleições se gritou aos artesãos, aos pequenos industriais, etc., e aos camponeses: «Perante nós, vocês, com os burgueses e os senhores feudais, não formam mais do que uma única massa reaccionária»?
Lassalle sabia de cor o Manifesto Comunista, do mesmo modo que os seus fiéis sabem as sagradas escrituras de que ele é autor. Se o falsificava tão grosseiramente, era apenas para dissimular a sua aliança com os adversários absolutistas e feudais contra a burguesia.
No parágrafo citado, aliás, a sua máxima é agarrada pelos cabelos, sem qualquer relação com a citação desfigurada dos estatutos da Internacional. Trata-se aqui muito simplesmente de uma impertinência e, na verdade, de uma impertinência que de modo algum pode ser desagradável aos olhos do Sr. Bismark; uma dessas garotices baratas em que é especialista o Marat berlinense.()
5. «A classe operária trabalha para a sua libertação, em primeiro lugar, no quadro do actual Estado nacional. sabendo bem que o resultado necessário dos seus esforços comuns aos operários de todos os países civilizados, será a fraternidade internacional dos povos».
Contrariamente ao Manifesto Comunista e a todo o socialismo anterior, Lassalle tinha concebido o movimento operário do ponto de vista mais estreitamente nacional. E depois da actividade da Internacional, ainda o seguem neste terreno!
É absolutamente evidente que, para poder lutar, a classe operária tem de se organizar enquanto classe no seu próprio país, e que os respectivos países são o teatro imediato da sua luta. É nisso que a luta de classe é nacional, não no seu conteúdo, mas como diz o Manifesto Comunista, «na sua forma». Mas o próprio «quadro do actual Estado nacional», por exemplo, o do Império alemão, entra por sua vez, economicamente, «no quadro» do mercado universal e, politicamente, «no quadro» do sistema dos Estados. Qualquer comerciante sabe que o comércio alemão é também comércio externo e a grandeza do Sr. Bismark reside precisamente no carácter da sua política internacional.
E a que é que o Partido Operário Alemão reduz o seu internacionalismo? À consciência de que o resultado dos seus esforços «será a fraternidade internacional dos povos» - expressão tirada da Liga burguesa para a paz e a liberdade,() que se queria fazer passar por um equivalente da fraternidade internacional das classes operárias na sua luta comum contra as classes dominantes e os seus governos. Das funções internacionais da classe operária alemã, por conseguinte, nem uma palavra! E é assim que ela quer dobrar a parada face à sua própria burguesia, que já fraterniza contra ela com os burgueses de todos os outros países, bem como à política de conspiração internacional do Sr. Bismark!
Na realidade, a profissão de internacionalismo do programa está ainda infinitamente abaixo da do partido livre-cambista. Também este pretende que o resultado final da sua acção é a «fraternidade internacional dos povos». Mas esse ainda faz alguma coisa para internacionalizar o comércio e de maneira nenhuma se contenta em saber que cada povo faz comércio no seu país.
A acção internacional das classes operárias não depende de modo algum da existência da Associação Internacional dos Trabalhadores.() Esta foi somente a primeira tentativa para dotar essa acção de um órgão central; tentativa que, pelo impulso dado, teve consequências duradouras, mas que, na sua primeira forma histórica, não podia sobreviver muito tempo à queda da Comuna de Paris.
A Norddeutsche() de Bismark estava no seu pleno direito ao anunciar, para satisfação do seu dono, que o Partido Operário Alemão, no seu novo programa renunciou ao internacionalismo.
II
«Partindo destes princípios. o Partido Operário Alemão esforça-se. por todos os meios legais, por fundar o Estado livre-e-a sociedade socialista; por abolir o sistema assalariado com a lei de bronze dos salários... bem como... a exploração em todas as suas formas; por eliminar toda a desigualdade social e política».
Quanto ao Estado «livre», mais adiante voltarei a ele. Com que então, de futuro, o Partido Operário Alemão terá de acreditar na «lei de bronze» de Lassalle! Para não arruinar esta lei, comete-se a insensatez de falar em «abolir o sistema assalariado» (era preciso dizer: sistema do salariato) «com a lei de bronze dos salários». Se eu suprimo o salariato, suprimo naturalmente ao mesmo tempo as suas leis, sejam elas «de bronze» ou de esponja. Mas a luta de Lassalle contra o salariato gravita quase exclusivamente em torno desta pretensa lei. Em consequência, para ficar bem claro que a seita de Lassalle venceu, é preciso que o «sistema assalariado» seja abolido «com a lei de bronze dos salários», e não com ela.
Da «lei de bronze dos salários», como se sabe, nada pertence a Lassalle, a não ser a expressão «de bronze», que ele foi buscar às «leis eternas, às grandes leis de bronze» de Goethe. A expressão de bronze é a senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. Mas se eu admitir a lei com o selo de Lassalle e, por conseguinte, na acepção em que ele a toma, é preciso que admita igualmente o seu fundamento. E que fundamento! Como o mostrava Lange, pouco após a morte de Lassalle, é a teoria malthusiana() da população (pregada pelo próprio Lange). Mas se esta teoria é correcta, eu não posse abolir a lei, mesmo que suprima cem vezes o salariato, porque nesse caso a lei não rege só o sistema do salariato, mas todo e qualquer sistema social. É precisamente com base nisto que os economistas, desde há cinquenta anos e mais, têm demonstrado que o socialismo não pode suprimir a miséria, determinada pela natureza das coisas, mas apenas generalizá-la, espalhá-la simultaneamente por toda a superfície da sociedade!
Mas o principal não é isso. Abstraindo completamente da falsa versão lassalliana desta lei, o recuo verdadeiramente revoltante consiste no seguinte:
Desde a morte de Lassalle que o nosso Partido se abriu à perspectiva científica segundo a qual o salário do trabalho não é o que parece ser, a saber, o valor (ou o preço) do trabalho, mas tão-somente uma forma disfarçada do valor (ou do preço) da força do trabalho. Assim, duma vez por todas, estava posta de parte a velha concepção burguesa do salário, bem como todas as críticas até então dirigidas contra ela, e estava claramente estabelecido que o operário assalariado só é autorizado a trabalhar para assegurar a sua própria existência, por outras palavras, a existir, conquanto trabalhe gratuitamente em certo tempo para os capitalistas (e, por conseguinte, para os que, com estes últimos, vivem de mais-valia); que todo o sistema de produção capitalista visa prolongar este trabalho gratuito pela extensão do dia de trabalho ou pelo desenvolvimento da produtividade, quer dizer, por uma maior tensão da força de trabalho, etc.; que o sistema de trabalho assalariado é, por consequência, um sistema de escravidão e, a falar verdade, uma escravidão tanto mais dura quanto mais se desenvolvem as forças sociais produtivas do trabalho, seja qual for o salário, bom ou mau, que o operário recebe. E agora que esta perspectiva penetra cada vez mais no nosso Partido, volta-se aos dogmas de Lassalle, quando se deveria saber que Lassalle ignorava o que é o salário e que, na peugada dos economistas burgueses, tomava a aparência pela própria coisa.
É como se, numa revolta, de escravos que teriam finalmente penetrado no segredo da escravatura, um escravo preso a concepções antiquadas inscrevesse no programa da revolta: a escravatura deve ser abolida porque, no sistema de escravatura, o sustento dos escravos não pode ultrapassar um determinado máximo, pouco elevado!
O simples facto de os representantes do nosso Partido terem podido cometer um atentado tão monstruoso contra a concepção divulgada na massa do Partido mostra a ligeireza criminosa, a má fé com que eles trabalharam na redacção do programa de compromisso!
Em vez da vaga fórmula redundante com que termina o parágrafo: «eliminar toda a desigualdade social e política», era preciso dizer: com a supressão das diferenças de classe desaparece por si mesma toda a desigualdade social e política resultantes dessas diferenças.
III
«O Partido Operário Alemão reclama, para preparar as vias para a solução da questão social, o estabelecimento de sociedades de produção com a ajuda do Estado sob o controlo democrático do povo dos trabalhadores. As sociedades de produção devem ser criadas na indústria e na agricultura com uma amplitude tal que delas resulte a organização socialista do conjunto do trabalho».
Depois da «lei de bronze do salário» de Lassalle, a panaceia do profeta. «Preparam-se as vias» de uma maneira digna. Substitui-se a luta de classes existente por uma fórmula oca de jornalista: a «questão social», para cuja «solução» Se «preparam as vias». Em vez de resultar do processo de transformação revolucionária da sociedade, «a organização socialista do conjunto do trabalho» «resulta» da «ajuda do Estado», ajuda que o Estado fornece às cooperativas de produção que ele próprio (e não o trabalhador) «criou». Acreditar que se pode construir uma sociedade nova por intermédio de subvenções do Estado tão facilmente como se constrói um novo caminho de ferro, eis uma coisa bem digna da Imaginação de Lassalle!
Por um resto de pudor, coloca-se «a ajuda do Estado»... sob o controlo democrático do «povo dos trabalhadores».
Em primeiro lugar, O «povo dos trabalhadores» na Alemanha, compõe-se de uma maioria de camponeses e não de proletários.
Em seguida, «democrático» diz-se em alemão volksherrschaftlich. Mas então que significa o «controlo popular e soberano do povo dos trabalhadores?» E isso, mais precisamente, para um povo de trabalhadores que a solicitar o Estado desta maneira, manifesta a sua plena consciência de que não está nem no poder, nem maduro para o poder!
Quanto à receita prescrita por Buchez, sob Luís Filipe, em oposição aos socialistas franceses e que foi retomada pelos operários reaccionários do Atelier,() não vale a pena determo-nos a fazer a sua crítica. Tanto mais que o pior escândalo não é o facto de esta cura milagrosamente específica figurar no programa mas, ao fim e ao cabo, que se abandone o ponto de vista da acção de classe para voltar ao da acção de seita.
Dizer que aos trabalhadores querem instaurar as condições da produção colectiva à escala da sociedade e, para começar, no seu país, à escala nacional, significa somente que eles trabalham para derrubar as condições de produção actuais; e isso não tem nada que ver com a criação de sociedades cooperativas subvencionadas pelo Estado. E quanto às sociedades cooperativas actuais, elas só têm valor enquanto são criadas independentes nas mãos dos trabalhadores e não são protegidas nem pelos governos nem pelos burgueses.
IV
E agora chego à parte democrática.
A.) «Livre fundamento do Estado.»,
Antes de mais, de acordo com o capítulo II, o Partido Operário Alemão procura realizar o «Estado livre».
Que quer dizer: Estado livre?
O objectivo dos trabalhadores que se libertaram da estreita mentalidade de humildes súbditos não é, de modo algum, tornar livre o Estado. No Império alemão, o «Estado» é quase tão «livre» como na Rússia. A liberdade consiste em transformar o Estado, organismo que é colocado acima da sociedade, num organismo inteiramente subordinado a ela; e mesmo nos nossos dias as formas do Estado são mais ou menos livres ou não livres na medida em que limitem a «liberdade do Estado».
O Partido Operário Alemão - pelo menos, se fizer seu este programa - mostra que as ideias socialistas não o tocam nem ao de leve; em vez de se tratar a sociedade presente (e isto é válido para qualquer sociedade futura) como o fundamento do Estado presente (ou futuro, para a sociedade futura), trata-se pelo contrário o Estado como uma realidade independente, que possui os seus próprios «fundamentos intelectuais, morais e livres».
E, para cúmulo, que monstruoso abuso faz o programa das expressões «Estado actual», «sociedade actual» e que confusão, ainda mais monstruosa, cria a propósito do Estado, ao qual se dirigem as suas reivindicações!
A «sociedade actual» é a sociedade capitalista que existe em todos os países civilizados, mais ou menos expurgada de elementos medievais, mais ou menos modificada pela evolução histórica particular de cada pais, mais ou menos desenvolvida. O «Estado actual», pelo contrário, muda com a fronteira. É diferente no Império prussiano-alemão e na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O «Estado actual» é pois uma ficção.
No entanto, os diversos Estados dos diversos países civilizados, não obstante a múltipla diversidade das suas formas, têm todos em comum o facto de que assentam no terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista. É o que faz com que certos caracteres essenciais Ihes sejam comuns. Neste sentido, pode falar-se do «Estado actual» tomado como expressão genérica, por contraste com o futuro em que a sociedade burguesa, que no presente Ihe serve de raiz, terá deixado de existir.
Então surge a pergunta: que transformação sofrerá o Estado numa sociedade comunista? Por outras palavras: que funções sociais análogas às actuais funções do Estado subsistirão? Só a ciência pode responder a esta pergunta; e não é juntando de mil maneiras a palavra Povo com a palavra Estado que se fará avançar o problema um passo que seja.
Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionária de uma na outra, a que corresponde um período de transição política em que o Estado não poderá ser outra coisa que não a ditadura revolucionária do proletariado.
Mas o programa, por agora, não se ocupa nem desta última nem do Estado futuro na sociedade comunista.
As suas reivindicações não contêm nada mais que a velha ladainha democrática conhecida de toda a gente: sufrágio universal, legislação directa, direito do povo, milícia popular, etc. São simplesmente o eco do Partido Popular burguês, da Liga da Paz e da Liberdade. Nada mais que reivindicações já realizadas, quando não são noções marcadas por um exagero fantástico. Só que o Estado que as realizou não existe de modo algum no interior das fronteiras do Império alemão, mas na Suíça, nos Estados Unidos, etc. Esta espécie de «Estado do futuro» é um Estado bem actual, ainda que exista fora do «quadro» do Império alemão.
Mas uma coisa foi esquecida. Já que o Partido Operário Alemão declara expressamente que se move no seio do «Estado nacional actual», portanto, do seu próprio Estado, o Império prussiano-alemão - senão as suas reivindicações seriam na maior parte absurdas, porque só se reclama o que se não tem -, o Partido não devia ter esquecido o ponto capital, a saber: todas estas belas pequenas coisas implicam o reconhecimento do que se chama a soberania do povo e, portanto, só têm cabimento numa república democrática.
Já que não se ousa - e a abstenção é correcta, porque a situação exige prudência - reclamar a república democrática, como o faziam nos seus programas os operários franceses, sob Luís Filipe e Luís Napoleão, também era preciso recolher a esta intrujice tão pouco «honesta»() como respeitável que consiste em reclamar coisas que só têm sentido numa república democrática a um Estado que não passa de um despotismo militar, com uma armadura burocrática e blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas de elementos feudais e de influências burguesas, e, para além disso tudo, em assegurar alto e bom som a esse Estado que se acredita ser possível impor-lhe tais coisas «por meios legais»!
A própria democracia vulgar, que vê na república democrática o advento do reino milenário, e que não tem a menor suspeita de que é precisamente sob esta última forma de Estado da sociedade burguesa que se travará a suprema batalha entre as classes, a própria democracia está ainda cem côvados acima de um democratismo deste género, confinado aos limites do que é autorizado pela polícia e proibido pela lógica.
Que por «Estado» se entende, efectivamente, a máquina governamental, ou então o Estado enquanto constitui, em consequência da divisão do trabalho, um organismo próprio, separado da sociedade, indicam-no já estas palavras: «O Partido Operário Alemão reclama como base económica do .Estado: um imposto único e progressivo sobre o rendimento, etc.» Os impostos são a base económica da máquina governamental e nada mais. No Estado do futuro, tal como existe na Suíça, esta reivindicação está razoavelmente satisfeita. O imposto Sobre o rendimento pressupõe fontes de rendimento diferentes de classes sociais diferentes, pressupõe portanto a sociedade capitalista. Por, conseguinte, não é nada de surpreendente que o Financial Reformers de Liverpool - que são burgueses, com o irmão de Gladstone à cabeça - formulem a mesma reivindicação que o programa.
B) «O Partido Operário Alemão reclama como base intelectual e moral do Estado:
1. Educação geral do povo, igual para todos. a cargo do Estado. Obrigação escolar para todos. Instrução gratuita.»
Educação do povo, igual para todos? Que se quer dizer com estas palavras? Acreditar-se-á que, na sociedade actual (e é dela que se trata), a educação possa ser a mesma para todas as classes? Ou querer-se-á então obrigar pela força as classes superiores a receberem apenas o ensino restrito na escola primária, o único compatível com a situação económica não só dos operários assalariados mas também dos camponeses?
«Obrigação escolar para todos. Instrução gratuita.» A primeira até já existe na Alemanha, a segunda na Suíça e nos Estados Unidos para as escolas primárias. Se, em certos Estados deste último país, há estabelecimentos de ensino superior igualmente «gratuitos» isso apenas significa que, de facto, nesses Estados as despesas escolares das classes superiores são pagas com as receitas gerais dos impostos. Diga-se de passagem que o mesmo acontece com a «administração gratuita de justiça» reclamada no artigo A, 5. A justiça penal é gratuita em toda a parte; a justiça civil gira quase unicamente em torno dos litígios de propriedade e afecta portanto, quase unicamente, as classes possuidoras. Irão elas sustentar os seus processes à custa do tesouro público ?
O parágrafo relativo às escolas deveria, pelo menos exigir escolas técnicas (teóricas e práticas) adjuntas à escola primária.
Uma «educação do povo a cargo do Estado» é absolutamente inadmissível. Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias, as aptidões exigidas ao pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., e, como acontece nos Estados Unidos, fiscalizar por meio de inspectores do Estado a execução destas prescrições legais é completamente diferente de fazer do Estado o educador do povo! Pelo contrário, é preciso, pelas mesmas razoes, banir da escola qualquer influência do governo e da Igreja. Sobretudo no Império prussiano-alemão (e não se recorra à evasiva falaciosa de falar num certo «Estado do futuro»; nós já vimos o que ele é) é, pelo contrário, o Estado que precisa de ser rudemente educado pelo povo.
Aliás, todo o programa, apesar do seu badalar democrático, está infectado duma ponta à outra pela servil crença da seita lassalliana no Estado, ou, o que não é melhor, pela crença no milagre democrático; ou antes, é um compromisso entre estas duas espécies de fé no milagre, igualmente afastadas do socialismo. «Liberalidade da ciência», diz um parágrafo da Constituição prussiana. Porquê então pô-la aqui?
«Liberdade de consciência!» Se, nestes tempos de Kulturkcampf,() se queria recordar ao liberalismo as suas velhas palavras de ordem, só se podia fazê-la desta forma: «Toda a gente deve poder satisfazer as suas necessidades religiosas e corporais, sem que a polícia meta o nariz.» Mas o Partido Operário devia aproveitar a ocasião para exprimir a sua convicção de que a «liberdade de consciência burguesa não é mais que a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de consciência religiosa, ao passo que ele se esforça por libertar as consciências da fantasmagoria religiosa, Mas prefere-se não ultrapassar o nível «burguês».
E com isto chego ao fim, pois o apêndice que acompanha o programa não constitui uma parte característica do mesmo. Por isso serei muito breve.
2. «Dia normal de trabalho».
Em nenhum outro país se limita o partido operário a uma reivindicação tão imprecisa, mas estabelece sempre a duração do dia de trabalho que, de acordo com as circunstâncias, considera normal.
3. «Limitação do trabalho das mulheres e proibição do trabalho das crianças.»
A regulamentação do dia de trabalho deve implicar já a limitação do trabalho das mulheres no que diz respeito à duração, às pausas, etc., do dia de trabalho; a não ser assim, só pode significar a exclusão das mulheres dos ramos de indústria que são particularmente prejudiciais à sua saúde física ou contrárias à moral, do ponto de vista do sexo. Se era isto que se tinha em vista, era precise dizê-lo.
«Proibição do trabalho das crianças»! Era absolutamente indispensável indicar o limite de idade.
Uma proibição geral! do trabalho das crianças é incompatível com a própria existência da grande indústria; não passa, portanto, de um voto ingénuo e estéril. A aplicação desta medida, se ela fosse possível, seria reaccionária, porque, desde que esteja assegurada uma estrita regulamentação do tempo de trabalho segundo as idades bem como outras medidas de protecção das crianças, o facto de se combinar desde cedo o trabalho produtivo com a instrução é um dos meios mais poderosos de transformação da sociedade actual.
4. «Fiscalização pelo Estado do trabalho nas fábricas, nas oficinas e no domicílio.»
Tratando-se do Estado prussiano-alemão, era absolutamente necessário exigir que os inspectores sejam revogáveis apenas pelos tribunais; que qualquer operário possa entregá-los à justiça por falta aos seus deveres; que sejam médicos de profissão.
5. «Regulamentação do trabalho nas prisões.»
Reivindicação mesquinha num programa geral operário. De qualquer modo, era preciso dizer claramente que não se pretende que os criminosos de direito comum, por medo da sua concorrência, sejam tratados como gado e que não se tem a intenção de Ihes retirar precisamente o que é o seu único meio de correcção, o trabalho produtivo. Era o mínimo que se podia esperar de socialistas.
6. «Uma lei eficaz sobre a responsabilidade.»()
Era preciso dizer o que se entende por uma lei «eficaz» sobre a responsabilidade.
Notemos de passagem que, a propósito do dia normal de trabalho, foi esquecida a parte da legislação das fábricas que diz respeito aos regulamentos sobre a higiene e às medidas a tomar contra os acidentes, etc. A lei sobre a responsabilidade entra em aplicação quando estas prescrições são infringidas.
Em resumo, este apêndice também se distingue pela sua redacção desleixada.
# Dixi et saivavi animam mean.()
KARL MARX