Robert Kurz - Entrevistas

Entrevistas com


Entrevista à revista brasileira “IHU online”

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, S. Leopoldo, Porto Alegre

O fim da modernização significa, portanto, que não só a forma capitalista da reprodução tem de ser suplantada, mas também que, durante muito tempo, uma sociedade mundial pós-capitalista terá de sofrer e lidar com as consequências da destruição capitalista da natureza. Para a análise e crítica da teoria da crise, é essencial ver a interconexão interna das duas barreiras históricas do capitalismo. Existe, porém, o perigo de jogar um contra o outro esses dois aspectos da crise histórica; isto tanto da parte das elites capitalistas como dos representantes de um “reducionismo ecológico”, que só querem admitir a barreira natural externa. A administração capitalista da crise e o reducionismo ecológico podem entrar numa aliança perversa, que acabe por negar a barreira económica e, em nome da crise ecológica, pregar às massas depauperadas e miseráveis uma ideologia de “renúncia social”. Contra isso, é preciso defender que seja dada prioridade à crise, à crítica e à suplantação do contexto da forma capitalista, porque a destruição da natureza é a consequência e não a causa da barreira interna deste sistema.

 
ENTREVISTA À REVISTA ONLINE PORTUGUESA “SHIFT”, ZION EDIÇÕES

Estamos, portanto, perante uma “ruptura estrutural” de ordem superior. Se até agora se falava de uma “crise estrutural” do capital, por exemplo no contexto da “teoria das ondas longas”, era apenas em relação à “transição” para um novo “modelo de acumulação”. A crise devia ter apenas a função de “limpeza”, a fim de abrir caminho para o próximo surto histórico de valorização em nova base tecnológica. Esse foi o famoso conceito do economista Joseph Schumpeter da potência do capital como “destruição criativa”. Mas o final da era fordista não trouxe qualquer ruptura estrutural “criativa”, no sentido de um novo “modelo de acumulação”. A muito invocada transição para o chamado “pós-fordismo” não passava de uma fórmula vazia. O que então aconteceu não foi senão a transição para a era historicamente breve da famigerada “economia das bolhas financeiras”, em que o sistema de crédito foi inflado, muito para além da capacidade minguante de produção real de valor, de maneira historicamente sem precedentes.

ENTREVISTA À REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS”

(Hannover, Alemanha)

O que se segue a esta crise aniquiladora?
Falar de uma crise “aniquiladora” coloca numa certa inadequação a pergunta sobre o que vem “depois”. A crença congénita da esquerda na capacidade de regeneração do capitalismo corresponde tão-somente aos comentários na imprensa económica, que também falam de “após o capitalismo”, enquanto a verdadeira dimensão da crise apenas começa a revelar-se. Naturalmente que vai haver reacções técnicas das bolsas em movimento ascendente, talvez alimentadas pelas esperanças de curto prazo na eficácia do pacote de medidas estatais. Mas a dinâmica do processo de crise já não vai voltar ao nível anterior, se não surgirem novos potenciais de valorização real, que não estão à vista em lado nenhum. Cada estabilização temporária só pode preparar o próximo surto de crise tanto mais violento. Seria necessário um contra-movimento social autónomo, para lá do espaço nacional, que não permitisse aos administradores de crises contrariarem os interesses vitais, e que negasse qualquer exclusão social, sexual, étnica ou “rácica”. Movimento que, no entanto, está tão-pouco à vista como os novos potenciais de valorização. Portanto, o que se pode dizer é que a desintegração social vai prosseguir, numa dimensão até aqui nunca vista, também nos centros do capitalismo, incluindo na “inocente” RFA.
ENTREVISTA À REVISTA IHU ON-LINE

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, S. Leopoldo, Porto Alegre, Brasil
Entrevista com Robert Kurz

REVISTA CARTA CAPITAL (S. PAULO)

Quando O Colapso da Modernização foi publicado, no início dos anos 90, o sociólogo e ensaísta alemão Robert Kurz foi chamado de catastrofista por seus críticos. Não era para menos. Sua tese central, ainda hoje presente em artigos e livros, afirma que o capitalismo mundial encontra-se em rota de colisão desde o surgimento da microeletrônica. As novas tecnologias aumentaram de forma exponencial a capacidade produtiva das empresas, argumenta Kurz, na mesma medida em que passaram a demandar cada vez menos mão-de-obra. Um movimento inverso, portanto, ao do fordismo, quando a produção crescente puxava o número de empregos e garantia renda para o consumo, em um ciclo virtuoso do capital.
Os tempos são outros, garante Kurz, e hoje o resultado dessa equação não leva a nada de bom: avançando contra seus limites econômicos e ambientais, o capitalismo evolui rumo a um ‘acidente fatal’, cujos indícios são as sucessivas crises financeiras que têm colocado em alerta as economias centrais. “Se a humanidade não encontrar o freio de emergência, este trem poderá descarrilar”, afirma na entrevista a seguir. (Luiz Antonio Cintra)
RESPOSTAS À "JÜDISCHE ZEITUNG [REVISTA JUDAICA]"

Nota Prévia: A jornalista Nina Körner prepara um trabalho sobre os "Anti-Alemães" para o Jüdische Zeitung (Berlim), previsto para sair na edição de Outubro. Para o efeito interrogou várias pessoas, entre as quais figurei na qualidade de autor do livro "Die antideutsche Ideologie [A Ideologia Anti-Alemã]" (2003). Seguem-se as perguntas e respectivas respostas, dadas após consulta no seio da EXIT!. R.K.
O senhor é um crítico dos anti-alemães. Por que se debruça sobre esta temática? O que o "liga" a esse agrupamento?
Há uma origem comum na esquerda marxista em geral e na recepção da teoria crítica de Adorno em particular. Nesse quadro também se inscreve o debate sobre a Shoá, sobre a história do nacional-socialismo e sobre a continuação da respectiva actuação. Um ponto essencial é a crítica e a análise da ideologia anti-semita. Neste sentido compartilho motivos fundamentais com os chamados anti-alemães, os quais, contudo, a meu ver, neste agrupamento falham o objectivo que, pelo seu lado, não pode ser levado suficientemente a sério.
O que o levou a dedicar todo um livro ao tema?
Após o 11 de Setembro surgiu na esquerda uma grande desorientação que se mantém até hoje. Os chamados anti-imperialistas reinterpretaram a barbárie islâmica como uma espécie de prolongamento dos movimentos terceiro-mundistas, como uma "resistência" anti-capitalista (referências semelhantes ocorrem hoje em relação aos regimes de Ahmadinejad ou Chavez). No entanto, os anti-alemães simplesmente reagiram, por assim dizer, ao contrário, empenhando-se a todo o custo em construir uma analogia com a constelação da segunda guerra mundial, tornando-se ideólogos do elogio das guerras de ordenamento mundial ocidentais. Com o livro "A Ideologia Anti-Alemã" pretendi opor a este belicismo uma análise teórica, precisamente para separar a crítica do anti-semitismo ou do islamismo da ideologia de polícia mundial.
Robert Kurz em entrevista a José Galisi Filho

Revista Trópico, Setembro de 2006

Quando se fala no fim da modernização, à qual paradigma estamos ainda nos referindo?
Robert Kurz: O conceito de moderno é bastante mutável e apreendido de maneiras inteiramente distintas, dependendo do contexto no qual se argumenta. Entre os históriadores, por exemplo, existe o conceito de "pré-moderno", datado entre os séculos 16 e 17, e o moderno compreenderia todo o processo histórico a partir dessa época. Já na filosofia, o início do moderno é frequentemente assimilado ao Esclarecimento (ou Iluminismo) do século 18, ao qual todas as teorias e ideologias posteriores até hoje se referem direta ou indiretamente. Para a maioria dos economistas e sociólogos, por sua vez, o moderno começaria com a industrialização no início do século 19, da qual se origina uma história das diversas revoluções industriais, que culminaria hoje na terceira revolução industrial da microletrônica.
No campo da arte e da cultura, o conceito de moderno se estabelece de maneira marcante na reflexão apenas no século 20, antes da Primeira Guerra Mundial, não se estendendo como "clássico moderno" além das décadas de 50 e 60, quando parece se esgotar e desembocar no assim chamado pós-moderno.
Do campo da arte e do aparelho cultural, o tema do fim do moderno e do início de um pós-moderno estendeu-se, neste entretempo, para a filosofia, as teorias da história, a sociologia e até para a economia. A "nova economia" do capitalismo-cassino-internet foi descrita como um paradigma socioeconômico pós-moderno, como uma nova era de acumulação de capital e prosperidade, cuja bolha, de maneira patética, já estourou há alguns anos.
A desorientação parece tão completa, que Juergen Habermas já proclamava, no início dos anos 80, uma "nova intransparência". O problema consiste no fato de que, no desenvolvimento do moderno, a perspectiva da totalidade social e da história se torna cada vez mais fugidia. As ciências sociais se "diferenciaram", as teorias referem-se cada vez mais apenas a "partes do sistema". O conjunto se perdeu, e desse refluxo e vazio o pós-moderno fez precisamente soar sua hora no culto desta desconexão.
Robert Kurz em entrevista a Sonia Montaño

Revista IHU On-Line, nº 188, 10.07.2006

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, S. Leopoldo, Porto Alegre, Brasil

A crítica radical também é uma crítica da moderna metafísica real, dos fundamentos do iluminismo, da vida quotidiana? Em que sentido?
Naturalmente, a crítica do valor também é uma crítica da vida quotidiana determinada por ele. A "abstracção real" social atingiu, no processo da modernização capitalista, todas as esferas da vida, da arquitectura, da estética e da cultura até dos hábitos alimentares (agro-business, fast food) e das relações pessoais. A nova crise global acelera a libertação do "indivíduo abstracto", no qual, ainda assim, a dissociação entre os sexos continua em acção. O valor e a concorrência universal a ele associada penetram até à intimidade e destroem todos os vínculos. As pessoas tornam-se susceptíveis e auto-referenciadas; o carácter narcisista e histérico pessoal e social dissemina-se em todas as situações sociais. A histericização da sociedade da crise nem sequer se detém diante da política, da ciência, dos grupos de crítica teórica, e nem mesmo do amor e da amizade. A denúncia pessoal e a ruptura pessoal substituem em toda parte a discussão do conteúdo. Sentimentos de concorrência, medo da ligação e do "compromisso", disposição psicodinâmica abstracta para o conflito em todos os sentidos e ânsia de "validação" pessoal ameaçam submergir qualquer conteúdo e até a própria crítica radical. Mesmo conteúdos teóricos e até os próprios sentimentos para com outras pessoas não passam de fichas de jogo intercambiáveis na "luta pelas posições". Os indivíduos tornam-se tão imprevisíveis como o clima e os mercados financeiros. Essa tendência sociopsíquica é socialmente condicionada e só pode ser suplantada no processo da revolução social, e não pela pedagogia, nem pelo controle social coercivo, na retorta de projectos neo-utópicos de "reforma da vida". Não obstante, é preciso descobrir como se pode opor resistência a essa tendência da crise interna do sujeito dentro dos movimentos sociais e dos grupos de reflexão teórica, para manter a capacidade de acção na crítica teórica e prática das relações em geral.
Robert Kurz em entrevista a Sónia Montano

Revista IHU On-Line (S. Leopoldo, Porto Alegre, Brasil), nº 136, 24.10.2005

5. Que tipo de compreensão da sociedade e do trabalho existe por trás de um trabalho colectivo "sem direitos de autor", que pode ser apropriado e modificado à vontade, uma vez que se realiza sem a mediação do dinheiro?
Trata-se de um utopismo neo-pequeno-burguês, que se restringe à esfera da circulação. O que aqui é designado como "produção", não é mais do que um prolongamento da circulação e do consumo. A Internet é essencialmente um meio de circulação. Por isso, esse utopismo também pretende suplantar o dinheiro puramente na circulação, enquanto "dar e receber" sem custos e sem controle, enquanto o "trabalho" é mantido como ilusão, ao invés de criticá-lo. O propagado carácter "imaterial" se refere aí a um manuseamento meramente combinatório de módulos pré-fabricados. Uma vez que continuam pressupostas as condições sociais do capitalismo, só podem ser sujeitos da concorrência os que exercem a pretensa "livre apropriação". A "disponibilidade abstracta" de textos e de outros produtos, separada do conteúdo da "apropriação", é apenas o prolongamento do formalismo jurídico vazio, mas sem "direitos de autor" individuais. Os produtores intelectuais são transformados em caça livre; cada galo concorrente pode copiar sem receio e apresentar os produtos como seus. A crise do "trabalho abstracto" é também uma crise da identidade masculina; por isso esta ideologia se dirige não por último contra as autoras, que devem ser intelectualmente despojadas por homens precarizados. Isso não é emancipação, mas sim falta de vergonha. Ao mesmo tempo, é uma pretensão de poder formal. A força repressiva das empresas só é substituída pelo poder igualmente repressivo de um colectivo coercivo de sujeitos da concorrência desenfreada. Não existe uma mudança emancipatória através dum princípio formal geral e abstracto. Coisa diferente seria um acordo livre de indivíduos, que se unissem numa associação, em que determinadas regras capitalistas seriam desactivadas (por exemplo, o livre aproveitamento de recursos de uma biblioteca administrada colectivamente). Tais elementos de uma concreta contracultura não têm, no entanto, nada a ver com um formalismo abstracto como o princípio do "copyleft".

RUMO À BARBÁRIE

Entrevista com ROBERT KURZ Revista FORUM, nº 24
EUA fazem guerras para manter controle da ordem global

Em entrevista exclusiva, o filósofo e historiador alemão Robert Kurz, que participa pela primeira vez do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, diz que as guerras promovidas pelos EUA criam um regime de estado de sítio global que controla a maioria "inutilizável" da população mundial.
"O COLAPSO DA MODERNIZAÇÃO" - 15 ANOS DEPOIS
Entrevista à Revista "Reportagem", São Paulo, Outubro de 2004
A humanidade não está preparada, mas tampouco tem outra escolha.
Parlamento deixou de responder às questões sociais

Em que consiste a teoria da Crítica Radical? Esse novo conceito levaria a não acreditar no parlamento?
Robert Kurz - Penso que o problema é a crise da política, as instituições, não apenas os partidos políticos, mas os próprios governos, que perderam no processo da globalização a capacidade para a regulação da sociedade. Quer dizer, a antiga relação de economia e política já não existe mais. Com isso, também as relações sociais passaram a atuar diretamente no mercado mundial e o mercado mundial está diretamente incrustado nos pólos da sociedade e, inclusive, nas suas microestruturas. Por essa razão, digo que os movimentos sociais que queiram produzir efeitos não podem mais trilhar o caminho antigo da política tradicional. Em todos os parlamentos, em todos os governos, são instituições nacionalmente restritas.
IHU On-Line - Como caracterizaria a sociedade a qual o grupo Krisis aposta?
Robert Kurz - Infelizmente, tenho que dizer que o grupo crise (Krisis) vigente até agora, não mais existe. O grupo se desfez, porque havia divergências sobre a crítica do Iluminismo social e a forma de sujeito moderna masculina. A respeito disso, algumas pessoas queriam ter o mérito de nossa polêmica. A maioria da até agora atual redação de Krisis publica uma nova revista teórica chamada EXIT!. Tais quebras já conhecemos da história dos esquerdos. Ao que parece, eles não se deixam intimidar sob as novas exigências. Uns ficam parados, outros vão adiante. Mas isso não muda nada no caráter social da iniciativa. O novo grupo também é uma associação livre para a teoria crítica fora das instituições acadêmicas. Nós não somos, no sentido dogmático da palavra, anti-acadêmicos, mas sim, também contamos com pessoas do serviço institucional de ciências. Trata-se de saber se se levará a crítica emancipatória para as universidades. Isto só será possível através de uma posição independente institucional e não só de conteúdos. Talvez isto seja o futuro das reflexões críticas intelectuais, a saber, a auto-organização em grupos autônomos, os quais se desliguem das tutelas burocráticas.
Fazemos hoje, voluntariamente, coisas que antes os homens se recusavam a fazer ou, pelo menos, de que reclamavam, tendo de ser chicoteados para realizá-las.

"...O fim do capitalismo está definido pela chamada terceira revolução industrial - a revolução tecnológica, eletrônica. Uma grande quantidade de força de trabalho é expulsada da produção industrial, que não consegue reabsorver. Não há um processo de compensação, mas um processo de expulsão contínua. A acumulação de capital não é outra coisa que a transformação do trabalho em valor, do trabalho em dinheiro. Por isso, a expulsão da força de trabalho nessa quantidade, nessas dimensões, não encontra limites. Eis a causa de, hoje em dia, as condições da economia real serem cada vez menores às condições do capital fictício, da especulação...

A Internet continuará sendo uma mídia subversiva. Quanto mais importante o papel tecnológico da rede, menores serão as possibilidades de controle pelo Estado, polícia ou conglomerados. Ninguém conseguirá pôr "ordem" durante muito tempo nesta mídia universal. As relações capitalistas de direito e propriedade também não podem mais ser impostas com rigor na Internet


Uma vida humana? Só sem mercado, estado e trabalho. Robert Kurz fala sobre o seu novo livro; "O Livro Negro do Capitalismo" Schwarzbuch Kapitalismus: ein Abgesang auf die Marktwirtschaft Frankfurt am Main, Eichborn Verlag, 1999 

"O Estado, por sua vez, também no socialismo de Estado não ultrapassou essa racionalidade administrativa das empresas individuais... Penso que isso é um tabu que mostra o quanto somos supersticiosos, como os "selvagens". Isto é, em relação ao moderno fetichismo do mercado e do Estado, somos supersticiosos e temos medo, como aquelas pessoas que acreditam em espíritos malignos."

Como o homem pode ser feliz, se é que ele pode ser feliz?
Kurz – Isso é uma história antiga na filosofia... Não existe uma felicidade absoluta. Se houvesse, ela seria igual à infelicidade. Eu acho que você só pode ver a felicidade em relação a alguma coisa. Na nossa sociedade, hoje em dia, há um conceito errôneo de felicidade: "a felicidade é poder comprar bastante". Porém, o mais importante são as relações humanas, que libertam. Para tal você não precisa acabar com os bens de consumo. Mas se você é infeliz nas relações humanas, não consegue a felicidade por meio de uma mountain bike ou de um videocassete...


Sociólogo comenta ação contra Microsoft. Monopólio vencerá governos, diz Kurz 

"A condição estrutural dessa crise é a globalização do capital monetário e a rede transnacional dos mercados financeiros, possibilitada pela tecnologia microeletrônica. As transações financeiras podem cruzar o globo em poucos segundos, e as crises financeiras locais se propalam com igual rapidez. O motivo da crise é a especulação dos grandes "hedge funds" com as "taxas de câmbio políticas" dos chamados países em desenvolvimento ou "new industrialized countries" (NICs). Os administradores de fundos chegaram à conclusão de que a industrialização voltada às exportações destes novatos já se esgotou e que as moedas desses países, atreladas ao dólar, estão em seu todo supervalorizadas. Mas a causa profunda da crise, segundo meu ponto de vista, está no fato de que os próprios países ocidentais industrializados atingiram, já desde a década de 80, os seus limites internos absolutos de crescimento. Numa visão sinóptica, trata-se de um problema de fundamento do sistema capitalista mundial, que destrói a si mesmo..."

"A antiga definição "exploração" sugere que os produtos estão sendo tirados dos trabalhadores e dados a outrem. Mas o problema é bem mais complexo. O capitalismo não é primordialmente uma sociedade na qual uns trabalham e outros aproveitam. Ele confundiu a relação entre meio e objectivo. O trabalho não é um meio para alcançar objectivos pessoais, mas auto-referência absurda de um sistema no qual as pessoas têm sido reduzidas a um meio. Nem os empresários são os sujeitos, mas sim peças de um mecanismo económico irracional. Por isso seria melhor, em vez de falar de simples exploração, usar o termo de desgaste abstracto da força de trabalho humano de uma forma mais pensada. Os homens são objectos de outros homens somente em segundo plano - em primeiro plano são o material de um mecanismo social. Essa teoria deve ser criticada radicalmente..." 

"No outro livro, "O Colapso da Modernização", procuro em várias passagens mostrar que, no mesmo sentido em que Marx falou da missão civilizatória do capital, esse desenvolvimento sempre comportou aspectos positivos, até emancipatórios..."

"O Leste concebeu-se como "mercado planificado", a autocompreensão do Ocidente favorece (ao menos no plano ideológico) o "mercado livre da economia concorrencial".

"Sem dúvida nenhuma. Vejo a Escola de Frankfurt como uma base para todo o meu pensamento. Mas há dois procedimentos dentro da esquerda na Alemanha, ou na Europa, que seria melhor que deles nos afastássemos. Um deles é o das pessoas que aprenderam a idéia, mas estão colodas à idéia e ficam administrando o legado da Escola de Frankfurt. Outro procedimento é aquele das pessoas que acabam descartando as idéias da Escola de Frankfurt como se fossem uma camisa suja que precisa ser jogada no lixo. Toda idéia morre se ela não for levada adiante. É preciso conhecer as idéias de Adorno e Horkheimer, mas é preciso também retrabalhá-las, para que não morram."