Claus Peter Ortlieb

UMA CONTRADIÇÃO ENTRE MATÉRIA E FORMA
Sobre a importância da produção de mais-valia relativa para a dinâmica de crise final

12.09.2008

Enquanto a economia política em vigor acredita observar só o lado material do modo de produção capitalista e se interessa por grandezas como o "verdadeiro" crescimento do produto interno bruto, ou rendimento "real" – que, no entanto, são realmente mediados por valores em dinheiro – a maioria dos textos ligados à teoria do valor-trabalho analisa o mesmo processo de produção em relação com a massa nele realizada de valor, ou de mais-valia. Ambas as partes parecem partir implicitamente do princípio de que se trata apenas de diferentes unidades de medida da riqueza.

Em contrapartida, o presente texto parte, com Marx, dum duplo conceito de riqueza no capitalismo, historicamente específico, tal como ele está representado no duplo carácter da mercadoria e do trabalho. O valor, como forma predominante de riqueza no capitalismo, contrapõe-se à riqueza material, a cuja forma específica o capital de facto é indiferente, mas que continua a ser indispensável como portadora do valor. Ora, estas duas formas de riqueza, com o aumento da produtividade, entram necessariamente em contradição entre si, num modo tal que permitiu a Marx falar do capital como "contradição em processo". É esta contradição que aqui vai ser examinada.

O objectivo é pôr à prova a argumentação do ensaio de há 22 anos de KURZ (1986), ensaio fundador da teoria da crise da antiga Krisis, perante pelo menos as mais sérias das argumentações contrárias desde então formuladas. De acordo com aquele ensaio, o capital seria conduzido a uma crise final porque, devido ao aumento da produtividade, a produção social total ou global de mais-valia teria de diminuir a prazo e a valorização do capital finalmente teria de chegar a um impasse.

No que toca a tal diagnóstico, este texto não difere substancialmente do de KURZ (1986), mas parte de um ângulo ligeiramente diferente, que se refere à apresentação da massa de mais-valia social total. Esta pode ser determinada, por um lado, como KURZ (1986 e 1995) faz, com base na mais-valia criada por cada trabalhador, através do somatório de todos os trabalhados produtivos, mas também, como acontece aqui, partindo da mais-valia realizada numa unidade material, através da soma do conjunto da produção material. As duas apresentações não se contradizem, mas evidenciam vários aspectos do mesmo processo.
A abordagem escolhida aqui também permite colocar a dinâmica de crise final em ligação com a tendência do capital para a destruição do ambiente, já analisada por POSTONE (2003).
O texto contém um pequeno núcleo matematizado. Quem não suporta fórmulas pode passar adiante. São importantes para a compreensão três quadros e uma figura inseridos no texto, cuja qualidade se deduz mesmo sem as fórmulas.


A última crise do capital? Uma controvérsia

A teoria da crise da antiga Krisis sofreu muita oposição e crítica de um género que em grande parte não pode ser levada a sério, desde logo porque – seguindo rotineiramente os próprios trilhos – nem sequer toma nota da argumentação aqui apresentada. Nela se incluem ideias dogmáticas de que o capitalismo sempre teria ressuscitado das suas crises, como Fénix das cinzas, de modo que vai permanecer sempre assim. Tal inducionismo primário nem o positivismo moderno se atreve a apresentar. Outras ideias negam o aspecto objectivo da dinâmica capitalista em geral, e acentuam que o capitalismo só pode ser abolido através duma revolução, ou mesmo dum “acto voluntarista”. É verdade que a transição para uma sociedade sob qualquer forma libertada requer o agir consciente dos seres humanos. Mas daqui não resulta que, na ausência de uma tal transição, o capitalismo possa continuar alegremente na mesma. Também pode ocorrer um fim de terror.

O diagnóstico nesse sentido, apresentado pela primeira vez por Robert Kurz em seu ensaio A crise do valor de troca (KURZ 1986) estabelece – em linhas gerais – o que o capital, através do aumento compulsivo da produtividade (ou das forças produtivas) induzido pela concorrência de mercado, cava a sua própria sepultura, porque retira cada vez mais do processo de produção criador de mais-valia o trabalho, e com ele a sua própria substância. Neste contexto desempenha um papel especial a "força produtiva ciência” em geral e a "revolução microelectrónica" em particular. O texto pode ser lido como uma elaboração e actualização da famosa afirmação de Marx no fragmento sobre as máquinas dos Grundrisse (593):

"O capital em si é a contradição em processo [porque] procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por outro lado, estabelece o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza."

Marx diz também nos Grundrisse que esta contradição é capaz de “fazer explodir no ar" a estreita base do modo de produção capitalista (ibid.: 594).

Entre os críticos desta tese de uma crise final do capital, Michael Heinrich desempenha um papel particular, na medida em que se envolve, pelo menos parcialmente, no plano da argumentação em que esta tese é desenvolvida. Porque pretende ignorar a tendência do capital para o colapso, ele tem de se posicionar contra o Marx dos Grundrisse, e fá-lo jogando contra este o Marx d’ O Capital (HEINRICH 2005: 177):

“O aspecto do valor do referido processo, de que no processo de produção de cada produto deve ser gasto cada vez menos trabalho, é analisado em O Capital não como uma tendência para o colapso, mas como a base para a produção de mais-valia relativa. A aparente contradição com que Marx ficara tão chocado nos Grundrisse, de que o capital “procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por outro lado, estabelece o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza”, torna-se em Kurz, Trenkle e outros representantes do grupo Krisis na “auto-contradição lógica do capital”, para a qual o capitalismo no fundo teria inevitavelmente de caminhar. No entanto, no primeiro volume de O Capital, Marx decifra esta contradição como um velho enigma da economia política, com o qual já o economista francês Quesnay no século XVIII havia atormentado os seus opositores. Este enigma, segundo Marx, é fácil de compreender se se tiver em conta que para os capitalistas o que interessa não é o valor absoluto da mercadoria, mas a mais-valia (ou o lucro) que lhe rende a mercadoria. Portanto, o tempo de trabalho necessário para a produção de cada mercadoria pode perfeitamente baixar e o valor da mercadoria ser reduzido, desde que cresça a mais-valia ou lucro do seu capital."

Em primeiro lugar, é de salientar que Heinrich confunde aqui evidentemente dois níveis em que pode haver contradição: Marx decifra na verdade um enigma que parecia aos economistas uma contradição lógica e um defeito da sua teoria. Com isso, no entanto, não se afasta a "contradição em processo" situado no plano real, que poderá ser explicada, mas não afectada. Segundo o Marx dos Grundrisse, acontece que o capital, na sua dinâmica inconsciente, seca a fonte de que vive. Heinrich contrapõe que para o Marx d’ O Capital o aumento da produtividade seria a base da produção de mais-valia relativa, como se esta, na sua progressão, não fosse compatível com a tendência para o colapso. Será assim? Existe uma incompatibilidade entre a produção de mais-valia relativa e a auto-destruição do capital?

KURZ (1986: 28) afirma, pelo contrário,
"que na produção de mais-valia relativa o próprio capital se torna a barreira absoluta lógica e histórica. Ao capital não interessa nem pode interessar a criação de valor absoluto, ele está fixado única e exclusivamente na mais-valia nas suas formas superficiais, isto é, na proporção relativa dentro do novo valor criado entre o valor da força de trabalho (dos seus custos de reprodução) e a parte do novo valor apropriada pelo capitalista. Uma vez que o capital já não pode estender a criação de valor absolutamente, através do prolongamento da jornada de trabalho, mas só consegue aumentar a sua participação relativa no novo valor por meio do desenvolvimento das forças produtivas, ocorre na produção de mais-valia relativa um movimento em sentido contrário, que terá de se consumir historicamente a si mesmo, trabalhando no sentido e acabando na paralisação total da própria criação de valor. Com o desenvolvimento das forças produtivas aumenta o grau de exploração, mas com isso socava-se o fundamento e o objecto da exploração, a produção de valor enquanto tal. Pois a produção de mais-valia relativa, como transformação científica do processo de produção material, inclui a tendência para eliminar o trabalho produtivo imediato vivo, a única fonte de criação de valor de toda a sociedade. O mesmo movimento que aumenta a participação relativa do capital no valor novo reduz a base absoluta da produção de valor pela eliminação do trabalho produtivo imediato vivo."

Aqui a produção de mais-valia relativa de modo nenhum surge em contradição com a tendência do capital para o colapso, pelo contrário, ela é a ferramenta com a qual o próprio capital se torna a “barreira absoluta lógica e histórica”. Na verdade, o Marx de O Capital não corrigiu o Marx dos Grundrisse, como pretende Heinrich, mas apenas deu uma justificação mais detalhada da “contradição em processo”.

Evidentemente (e sem total surpresa) trata-se aqui de uma controvérsia. Pode-se questionar qual o fundamento porque, tendo os adversários um ponto de partida comum, ou seja, a categoria da "mais-valia relativa" introduzida por Marx na crítica da economia política, tiram no entanto conclusões completamente diferentes e mesmo contraditórias. Daí que a tentativa que segue de contribuir para o esclarecimento tem de voltar, mais uma vez, a esse ponto de partida comum. O debate, muitas vezes referido no contexto das controvérsias em torno da teoria da crise entre, TRENKLE (1998) e HEINRICH (1999), não serve aqui de referência porque Trenkle, ao contrário KURZ (1986), não menciona de todo a produção de mais-valia relativa em sua fundamentação do aproximar de uma crise final.


Produtividade, valor e de riqueza material

Fala-se de aumento de produtividade quando no mesmo tempo de trabalho pode ser produzido um maior output material, ou – o que é o mesmo – quando a mesma quantidade material de mercadorias pode ser produzida com menor aplicação de trabalho, reduzindo-se assim a sua magnitude de valor. A produtividade é, portanto, a proporção entre a quantidade de bens materiais e o tempo de trabalho necessário à sua produção. Para compreender a produtividade e a sua mudança é imperativo fazer a distinção entre as dimensões de valor e riqueza material.

Quando Marx diz (ver acima) que o capital "estabelece o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza" está a falar de riqueza na forma de mercadoria. Esta forma de riqueza historicamente específica, válida apenas para a sociedade capitalista e que constitui o seu "núcleo interior" (ver POSTONE 2003: 54), para o Marx dos Grundrisse cai progressivamente em contradição com a “riqueza real" (Grundrisse: 592):

"No entanto, à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real depende menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho aplicado do que do poder de agentes que são postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que não tem qualquer relação com o tempo de trabalho directo que custa a sua produção, mas depende do nível geral da ciência e do avanço da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção".

N’ O Capital, Marx em vez de "riqueza real" fala de "riqueza material”, que é formada pelos valores de uso. Esta maneira de falar torna-se necessária porque na sociedade capitalista desenvolvida até mesmo a riqueza material não é a mesma que nas sociedades não capitalistas, mas as formas em que ela ocorre por sua vez são marcadas pela riqueza na forma da mercadoria. Neste ponto, basta observar que existem na sociedade capitalista estas duas formas distintas e conceptualmente distinguíveis de riqueza: "A riqueza das sociedades nas quais predomina o modo de produção capitalista apresenta-se como uma imensa colecção de mercadorias" (MEW 23: 49). E no duplo carácter das mercadorias, como portadoras de valor e como valores de uso, reflectem-se as duas formas diferentes de riqueza nesta sociedade.

O valor é a forma predominante, não-material de riqueza sob o capitalismo, sendo que não lhe interessa a forma material da riqueza na forma de mercadoria. A economia capitalista visa apenas a majoração desta forma de riqueza (valorização do valor), que encontra a sua expressão no dinheiro: uma actividade económica que não prometa mais-valia não tem lugar, mesmo que possa produzir muita riqueza material. Porque deveria alguém lançar o seu capital no processo de produção, se no final resultasse para ele apenas um valor igual ao inicialmente aplicado?

A riqueza material – que, segundo POSTONE (1993/2003: 296 sg.), é uma característica das sociedades não-capitalistas como forma dominante de riqueza – mede-se pelos valores de uso disponíveis, que são muito versáteis e podem servir a propósitos muito diferentes. 500 mesas, 4.000 pares de calças, 200 hectares de terra, 14 palestras sobre nanotecnologia ou 30 bombas de fragmentação seriam, neste sentido, riqueza material. Nestes exemplos deve ser claro o seguinte: Em primeiro lugar, a riqueza material não é necessariamente gerada pelo trabalho, ela nem sempre está amarrada à forma de mercadoria (como, por exemplo, o ar que se respira), mesmo que seja frequentemente colocada nesta forma (como, por exemplo, a terra). Em segundo lugar, a riqueza material não consiste necessariamente em bens materiais, mas também pode incluir o conhecimento, informações, etc. e a sua divulgação. Em terceiro lugar, deve-se tomar cuidado para não ver na riqueza material o "bem" simplesmente. Embora a riqueza material não esteja ligada à forma da mercadoria e o trabalho não seja a sua única fonte, por outro lado ela constitui no capitalismo o "suporte material" (MEW 23: 50) do valor, o qual por isso permanece, por sua vez, vinculado à riqueza material. Na produção de mercadorias deforma-se o seu objectivo, ou seja, a acumulação de cada vez mais mais-valia, bem como, naturalmente, a qualidade da riqueza material, cujos produtores não são ao mesmo tempo seus consumidores: aqui nunca se pode tratar de atingir o objectivo da máxima satisfação no uso da riqueza material, mas sempre apenas o objectivo da máxima eficiência na economia empresarial. A abolição da sociedade capitalista não poderá, pois, consistir apenas em libertar a riqueza material dos constrangimentos da valorização do capital, mas implica também a abolição das suas deformações induzidas pelo valor.

No entanto, existe também uma diferença entre as duas formas de riqueza em termos de avaliação qualitativa. No aspecto material o decisivo é apenas o uso que se pode fazer das coisas. Da perspectiva da riqueza na forma do valor, no entanto, por exemplo na questão de saber se eu como empresário devo produzir 500 mesas ou 30 bombas de fragmentação, o que interessa é apenas a mais-valia que eu possa conseguir em cada caso.

O conceito de produtividade abstrai da qualidade da riqueza material, razão porque prefiro falar neste contexto de unidades materiais em vez de valores de uso. Esta limitação à quantidade prende-se com o problema de saber porque não se pode dizer, por exemplo, de 500 mesas e 4.000 pares de calças onde está a maior riqueza material, pois não são comparáveis no plano material, em virtude da diferença qualitativa. Daí que também o conceito de produtividade, que põe em relação recíproca as duas formas de riqueza, tem de ser diferenciado, de acordo com as qualidades que a riqueza material pode assumir: a produtividade na produção de mesas é diferente da produtividade na produção de calças etc.

De seguida põe-se o foco nas relações quantitativas entre as duas formas de riqueza criadas na produção de mercadorias. Apesar de fixas em cada momento, estão, como diz Marx (MEW 23: 60 sg.), constantemente em fluxo:

"Um quantum maior de valor de uso representa em si e para si maior riqueza material, dois casacos mais que um. Com dois casacos podem vestir-se duas pessoas, com um casaco, somente uma pessoa etc. Entretanto, à crescente massa de riqueza material pode corresponder um decréscimo simultâneo da grandeza de valor. Esse movimento contraditório origina-se do duplo carácter do trabalho. Força produtiva é sempre, naturalmente, força produtiva de trabalho útil concreto, e determina, de facto, apenas o grau de eficácia de uma actividade produtiva adequada a um fim, num espaço de tempo dado. O trabalho útil torna-se, portanto, uma fonte mais rica ou mais pobre de produtos, em proporção directa ao aumento ou à queda de sua força produtiva. Pelo contrário, uma mudança da força produtiva não afecta, em si e para si, de modo algum o trabalho representado no valor. Como a força produtiva pertence à forma concreta útil do trabalho, já não pode esta, naturalmente, afectar o trabalho, tão logo se faça abstracção da sua forma concreta útil. O mesmo trabalho proporciona, portanto, nos mesmos espaços de tempo, sempre a mesma grandeza de valor, qualquer que seja a mudança da força produtiva. Mas ele fornece, no mesmo espaço de tempo, quantidades diferentes de valores de uso; mais, quando a força produtiva sobe, e menos, quando ela cai. A mesma variação da força produtiva, a qual aumenta a fecundidade do trabalho e, portanto, a massa de valores de uso por ela fornecida, diminui, assim, a grandeza de valor dessa massa global aumentada, quando ela encurta a soma do tempo de trabalho necessário à sua produção. E vice-versa."

Chamo aqui à memória a distinção entre a riqueza material e riqueza na forma da mercadoria, distinção aqui alicerçada em teses e central para a crítica da economia política de Marx, uma vez que ela é tudo menos óbvia para nós, sujeitos aprisionados no fetiche da mercadoria e nele se reproduzindo. No nosso quotidiano na forma da mercadoria ambas as formas de riqueza parecem ser igualmente "naturais" e, geralmente, até mesmo idênticas: Não só porque o valor precisa de um suporte material, mas também porque a apropriação do valor de uso é feita normalmente pela compra, dando-se assim valor por ele, sob a forma de dinheiro. A ignorância da distinção entre riqueza na forma do valor e riqueza material pode não ser nada problemática no quotidiano moderno e facilitar mesmo as actividades diárias. Mas qualquer teoria que despreze esta diferença, ou desde o início não tome seriamente nota dela, tem de perder necessariamente o núcleo historicamente específico do modo de produção capitalista.

Isto aplica-se – pode-se dizer: naturalmente – à doutrina da economia nacional neo-clássica dominante, para a qual o objectivo ahistórico de toda a actividade económica está na maximização da utilidade individual, que por sua vez consiste na combinação optimizada de um "pacote de bens", enquanto a riqueza abstracta é tida apenas como o "véu do dinheiro", que apenas encobre a alocação da riqueza material e que, portanto, a bem da maior clareza, foi retirado para bem longe da teoria económica.

Mas o mesmo se passa também com a economia política clássica, como por exemplo David Ricardo, quando ele escreve na introdução à sua magnum opus (Ricardo 1994: 1):

"Os produtos da terra – tudo o que se ganha da sua superfície pela aplicação conjugada de trabalho, máquinas e capital – são divididos entre as três classes da sociedade, ou seja, os donos da terra, os proprietários dos bens ou do capital necessário ao seu cultivo e os trabalhadores cuja actividade a cultiva.
As partes no produto total da terra, que sob os nomes de rendas, lucros e salários cabem a cada uma destas classes, serão no entanto muito diferentes nos vários estádios de desenvolvimento da sociedade...
O principal problema da economia política consiste em encontrar as leis que determinam essa distribuição".

Trata-se aqui apenas da distribuição da riqueza material, enquanto que não se fala da forma particular de riqueza no capitalismo, e provavelmente nem sequer há consciência dela. Também o marxismo tradicional parece raramente ter chegado além deste entendimento. O “trabalho que cria toda a riqueza” é para ele um dado natural ahistórico, tal como a riqueza por ele criada. A sua crítica, que não sai do plano da circulação, dirige-se apenas contra a distribuição da riqueza per se, mas não contra a forma historicamente específica de riqueza no capitalismo. É de notar, com Moishe Postone, que assim se esconde uma dimensão importante da crítica de Marx (POSTONE 2003: 55/56):

"Muitos dos argumentos que se relacionam com a análise de Marx da singularidade do trabalho como fonte do valor não reconhecem a sua distinção entre "riqueza real" (ou “riqueza material") e valor. A “teoria do valor-trabalho" de Marx não é nenhuma teoria das qualidades singulares do trabalho em geral, mas sim uma análise da especificidade histórica do valor, como forma da riqueza e como forma do trabalho que o constituiu. Por conseguinte, é irrelevante para o esforço de Marx, se se argumenta a favor ou contra a sua teoria do valor, como se ela fosse uma teoria do trabalho da riqueza (transhistórica) – ou seja, como se Marx tivesse escrito uma economia política, em vez de uma crítica da economia política".

Sobre o equívoco aqui criticado por POSTONE, a propósito da abordagem de Marx, construíram-se entretanto montanhas inteiras de teorias. Fornece um exemplo particularmente chocante Jürgen Habermas, que assume precisamente a muito citada passagem do fragmento sobre as máquinas dos Grundrisse como uma oportunidade para impingir a Marx um "pensamento revisionista" (HABERMAS, 1978: 256):

"Nos ‘Esboços [Grundrisse] da Crítica da Economia Política’ há uma ideia muito interessante, mostrando que o próprio Marx viu uma vez o desenvolvimento científico das forças produtivas técnicas como uma possível fonte de valor. A premissa da teoria do valor-trabalho de que o ‘quantum de trabalho aplicado é o factor decisivo na produção de riqueza’ é por ele aí restringida, a saber: ‘No entanto, à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real depende menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho aplicado do que do poder de agentes que são postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que não tem qualquer relação com o tempo de trabalho directo que custa a sua produção, mas depende do nível geral da ciência e do avanço da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção’. Marx deixou entretanto cair de facto este pensamento ‘revisionista’ que não entrou na versão final da teoria do valor-trabalho".

Obviamente que Habermas equipara aqui completamente a riqueza “real" de Marx com a riqueza na forma do valor. Só assim ele pode supor que Marx aqui tivesse "visto o desenvolvimento científico das forças produtivas técnicas como uma possível fonte de valor". Ele ignora deliberadamente que Marx, neste contexto do fragmento sobre as máquinas, uma página depois – como citado – fala do capital como "contradição em processo", que é quase o contrário do “pensamento revisionista" mencionado por Habermas. Como demonstra POSTONE (2003: 345-393), esta identificação implícita e não mais reflectida de riqueza e valor, e com ela a ontologização do valor e do trabalho como pertencendo à espécie humana de modo não historicamente específico, constitui a viciada premissa fundamental de toda a crítica habermasiana a Marx e de todas as suas tentativas de o ultrapassar.

Mas mesmo um teórico assumido do valor como Michael Heinrich, para quem a distinção entre riqueza material e riqueza na forma do valor é perfeitamente familiar, nem sempre está imune à equiparação das formas de riqueza: o seu argumento central contra a tese desenvolvida por KURZ (1995) de que o trabalho "produtivo" (criador de mais-valia) se derrete e cresce constantemente a parte do trabalho "improdutivo" financiado a partir da mais-valia produzida no conjunto da sociedade, e que portanto diminui a produção de mais-valia à disposição da acumulação de capital, diz (HEINRICH 1999: 4):

"A capacidade produtiva crescente garante que a massa de mais-valia produzida por uma força de trabalho ‘produtiva’ cresce continuamente e que, portanto, uma força de trabalho ‘produtiva’ consegue manter uma massa continuamente crescente de trabalho improdutivo".

No plano da riqueza material, a que se refere exclusivamente a capacidade produtiva crescente, este argumento (enquanto possibilidade) seria naturalmente correcto, só que isto não tem nada a ver com a "massa de mais-valia produzida por uma força de trabalho produtiva", porque esta massa é medida apenas pelo tempo de trabalho despendido, sendo que a massa de mais-valia produzida num dia de trabalho por uma força de trabalho, por mais produtiva que seja, nunca pode ser maior do que apenas a de um dia de trabalho.

O mesmo erro, possivelmente tomado de Heinrich e apenas levado ao extremo, se encontra no ISF (2000). Aqui se postula, mais uma vez contra KURZ (1995), a possibilidade de uma “economia capitalista de serviços" (ISF 2000: 70):

"Suponhamos que tudo o que uma tal sociedade precisa de hardware, graças à enorme produtividade do trabalho, pode ser produzido com um mínimo de esforço, digamos, em todo o mundo por 100.000 horas de trabalho no ano X. O que impede que aqui seja gerada a massa de mais-valia que permita cobrir produtivamente nesse ano X todo o dinheiro que talvez 10 mil milhões de prestadores de serviços economizam e põem a juros? Dinheiro que seria então concentrado em menos de 10 mil milhões de mãos, digamos 10 milhões, e aí, em parte como capital especulativo financeiro, mas também em parte como capital concorrencial, poderia ser usado pelos produtores de mais-valia que trabalham as 100.000 horas – para desta forma assegurar o poder de disposição sobre a sociedade? Para este poder de disposição sobre a sociedade importa também que nós afinal ainda continuamos vivendo numa sociedade de classes, embora as classes, como diz Adorno, se tenham evaporado como "conceito superempírico". A partir do poder de disposição, as relações de dominação continuariam a pender sobre o trabalho produtor do hardware numa sociedade assim construída – e nessa ainda mais.”

Deixo de lado a questão de saber se tal sociedade é possível ou não, mas capitalista é que ela não seria com certeza, dada a impossibilidade de valorização do capital: as 10 milhões de mãos em que o capital se deveria concentrar não poderiam explorar mais de 100.000 horas de trabalho por ano, ou seja, cada um deles apenas a centésima parte de uma hora, que é de 36 segundos, o que não é nada comparado com o trabalho de talvez 8 horas multiplicado por talvez 200 dias de trabalho por ano, ou com os 10 mil milhões de "mãos" capazes de trabalhar. Por que razão deveria ainda um dos 10 milhões de proprietários do capital lançar o seu bom dinheiro no processo de produção? Também aqui o erro está em equiparar as duas formas de riqueza: É concebível que um dia será suficiente o tempo de trabalho de 100.000 horas por ano para abastecer uma população de 10 mil milhões de pessoas. Só que então já não passará pelo buraco da agulha da valorização do valor, por falta de massa de mais-valia.

Não é por acaso que tais erros de pessoas que conhecem muito bem o assunto ocorrem quase inevitavelmente quando polemizam contra a possibilidade de uma crise final do capitalismo. Pois o diagnóstico da ocorrência necessária de uma tal crise – como também se verá – depende essencialmente da diferença entre estas duas formas de riqueza e do facto de serem cada vez mais divergentes.


A produção de mais-valia relativa

Marx (MEW 23: 334) designa como "mais-valia relativa" a mais-valia resultante do facto de que, aumentando a produtividade do trabalho e consequentemente embaratecendo a força de trabalho, reduz-se o tempo de trabalho necessário, e o tempo de trabalho excedente pode ser prorrogado em conformidade, sem reduzir o salário real nem prorrogar a jornada de trabalho, como acontece na "produção de mais-valia absoluta". A produção da mais-valia relativa é a forma de produção de mais-valia adequada ao capitalismo desenvolvido e está ligada à "subsunção real do trabalho ao capital" (MEW 23: 533).

A tendência de aumento da produtividade do trabalho é uma das leis imanentes da produção capitalista, uma vez que cada empresa individual que consegue, através da introdução de uma técnica nova, aumentar a produtividade da sua força de trabalho acima da média actual pode vender a sua mercadoria com um lucro extra. O que tem como resultado que a nova técnica se generaliza, sob a pressão da concorrência, e o lucro extra desaparece outra vez, reduzindo-se o custo de tais mercadorias. Pertencendo estas ao âmbito dos bens necessários à reprodução da força de trabalho, acontece o mesmo na determinação do valor da força de trabalho, levando assim também ao seu embaratecimento.

Com o desenvolvimento constante da produtividade e consequente embaratecimento de todas as mercadorias, incluindo a mercadoria força de trabalho, o tempo de trabalho necessário diminui de forma constante, o que não resulta na redução da jornada de trabalho, mas no prolongamento do tempo de trabalho excedente, aumentando assim a mais-valia produzida por dia de trabalho (MEW 23: 338/339):

"Ora, uma vez que a mais-valia relativa cresce na proporção directa do desenvolvimento da força produtiva do trabalho, enquanto o valor das mercadorias diminui na relação inversa ao mesmo desenvolvimento, pois o mesmo e idêntico processo embaratece as mercadorias e faz subir a mais-valia nelas contida, resolve-se o enigma de como o capitalista, que se preocupa apenas com a produção de valor de troca, tende a reduzir de forma permanente o valor de troca das mercadorias, uma contradição com que um dos fundadores da economia política, Quesnay, atormentava os seus adversários e que permaneceu sem resposta.”

Essa afirmação de Marx, também invocada por Heinrich (ver acima), exige um esclarecimento. É imediatamente compreensível que a taxa de mais-valia e, assim, a parte de mais-valia no valor de um produto cresce com a produtividade do trabalho. Mas a afirmação também pode ser lida (e assim é lida) no sentido de que cresce a mais-valia contida numa mercadoria, embora seu valor diminua. Será isso possível e, se sim, funcionará a longo prazo? Parece, no mínimo, improvável.

A produção de mais-valia relativa é mostrada no Quadro 1 num exemplo numérico. Refere-se a uma única mercadoria, a um número fixo de unidades materiais (por exemplo, 500 mesas, 4.000 pares de calças ou 1 camião), ou a um “cabaz de mercadorias", ou seja, a qualquer combinação de tais unidades. Os números representam tempo de trabalho (expresso, por exemplo, em dias de trabalho), em que estão representados os totais de tempos de trabalho que entram no produto (incluindo a produção das matérias-primas necessárias, máquinas, etc.). Descreve-se o efeito de uma inovação técnica que reduz o tempo de trabalho necessário à produção em 20%, o que corresponde a um aumento de produtividade de 25%: num dia de trabalho produz-se 1,25 vezes a quantidade anterior.

Quadro 1
Produção de mais-valia relativa a uma taxa de mais-valia inferior e salário real constante

Quadro 1
Valor das mercadorias
(média social)
m + v
Trabalho necessário
(pago)
v
Trabalho excedente
(mais-valia)

m
Taxa
de
mais-valia
m’=m/v

1. Técnica antiga


1000

800

200

0,25
2. Nova técnica numa única empresa (com lucro extra)

1000

640

360

0,5625
3. Nova técnica no sector (sem embaratecimento da força de trabalho)

800

640

160

0,25
4. Subida geral da produtividade (com embaratecimento da força de trabalho)

800

512

288

0,5625

Com a técnica antiga (linha 1) podem ser necessários 1000 dias de trabalho, divididos em 800 dias de trabalho necessários para a reprodução da força de trabalho e 200 dias de trabalho que servem para a produção de mais-valia.

Numa empresa individual (linha 2) desenvolve-se agora uma nova técnica com a qual o tempo de trabalho necessário de 800 dias pode ser reduzido em 20%. A empresa aplica essa técnica, pois assim pode aumentar o lucro e alcançar uma vantagem de inovação: Enquanto a nova técnica não se tiver generalizado, o valor das mercadorias permanece inalterado, porque é produzido na média social ainda com a velha técnica. Embora a empresa individual produza agora 20% mais barato, ela pode vender os produtos ao preço antigo. Apesar de na sua produção entrarem apenas 640 dias de trabalho remunerado, ela continua a valer 1.000 dias de trabalho. A empresa individual realiza assim um lucro extra, e mesmo que venda os produtos um pouco mais baratos que a concorrência, para assim aumentar a sua quota de mercado. (1)

Sob a coacção das leis da concorrência capitalista a nova técnica acaba por se implantar em todo o sector que produz a mercadoria em questão (linha 3): as empresas que permaneceram com a técnica antiga tornaram-se não-rentáveis e caíram fora do mercado. No final desse processo de eliminação só se produz com a nova técnica, que agora corresponde à média social. Mas isso também diminui o valor das mercadorias em 20%, e o lucro extra volta a desaparecer. Em comparação com a situação anterior, agora também a mais-valia contida na unidade material diminuiu 20%.

Este efeito, contraproducente para a valorização do capital, mas não obstante produzido necessariamente pela concorrência dos capitais individuais ou "localizações" e economias nacionais, pode então ser compensado se o aumento da produtividade também se aplica às mercadorias que são necessárias para a reprodução da força de trabalho: perante uma redução geral do tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias em 20% (linha 4), também a mercadoria força de trabalho é mais barata na mesma proporção. Com o mesmo salário real são agora necessários apenas 512 em vez de 640 dias de trabalho para a reprodução da força de trabalho, e sobram 288 dias de trabalho para a produção de mais-valia.

A produção de mais-valia relativa faz subir em cada caso a taxa de mais-valia e, no exemplo numérico do Quadro 1, também a massa de mais-valia contida numa unidade material, embora reduzindo o seu valor global. Assim há espaço para aumentos de salários reais, tanto na empresa individual na linha 2 como após o aumento de produtividade da linha 4, como aconteceu de facto na história do capital e, com o simultâneo embaratecimento das mercadorias, bens antes de luxo e produtos inovadores em geral puderam então entrar no consumo de massas. Assim, paz, alegria e panquecas?

Quadro 2
Produção de mais-valia relativa a uma taxa de mais-valia superior e salário real constante

Quadro 2
Valor das mercadorias
(média social)
m + v
Trabalho necessário
(pago)
v
Trabalho excedente
(mais-valia)

m
Taxa
de
mais-valia
m’=m/v

1. Técnica antiga


1000

400

600

1,5
2. Nova técnica numa única empresa (com lucro extra)

1000

320

680

2,125
3. Nova técnica no sector (sem embaratecimento da força de trabalho)

800

320

480

1,5
4. Subida geral da produtividade (com embaratecimento da força de trabalho)

800

256

544

2,125


O Quadro 2 mostra como a argumentação com exemplos numéricos é perigosa, porque não pode ser tão facilmente generalizada. O cálculo feito foi o mesmo do Quadro 1, mas com base em outra divisão do trabalho necessário e excedente, com uma taxa de mais-valia que antes do início da inovação se situava em 1,5. Ao reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção da unidade material aumenta também aqui fortemente a taxa de mais-valia, no entanto diminui no final a massa de mais-valia contida nas mercadorias produzidas dos 600 dias de trabalho iniciais para 544. A razão é que a compensação da diminuição geral da grandeza do valor através do simultâneo embaratecimento da força de trabalho continua a ser pequena, porque a proporção do trabalho pago no valor das mercadorias já é baixa de qualquer maneira.

O aumento da produtividade, com um salário real constante, portanto, leva sempre a um aumento da taxa de mais-valia e a uma redução do valor das mercadorias. No entanto, a massa de mais-valia realizada na unidade material está sujeita a dois efeitos opostos: por um lado, ela diminui como uma parte do valor total da mercadoria proporcional a este; por outro lado, aumenta na proporção em que aumenta a parte da mais-valia no valor total da mercadoria, devido ao embaratecimento da força de trabalho. O resultado final depende de quão grande era no início da inovação a parte do trabalho pago, à custa do qual apenas pode aumentar a massa de mais-valia: se a taxa de mais-valia é baixa, e portanto é alta a parte do trabalho necessário, sobe a massa de mais-valia da unidade material; ela diminui, pelo contrário, se a taxa de mais-valia é alta, sendo a parte do trabalho pago no valor total, portanto, baixa.

Como esta afirmação com base em apenas dois exemplos numéricos ainda paira no ar, é preciso uma abordagem geral, independentemente de valores numéricos específicos. Esta oportunidade pode também esclarecer onde fica a fronteira entre a "baixa" e a "alta" taxa de mais-valia.

Quadro 3
Produção de mais-valia relativa em geral com salário real constante

Quadro 3
Valor das mercadorias
(média social)
m + v
Trabalho necessário
(pago)
v
Trabalho excedente
(mais-valia)

m
Taxa
de
mais-valia
m’=m/v

1. Técnica antiga


m1 + v1

v1

m1

m'1 = m1/v1
2. Nova técnica numa única empresa (com lucro extra)

m1 + v1

v1/p

m1 + v1v1/p

m'1 + p – 1
3. Nova técnica no sector (sem embaratecimento da força de trabalho)

(m1 + v1)/p

v1/p

m1/p

m'1
4. Subida geral da produtividade (com embaratecimento da força de trabalho)

(m1 + v1)/p

v1/p 2

(m1 + v1)/p – v1/p2

m'1 + p – 1

No Quadro 3 foi realizado o mesmo cálculo em termos gerais. v1 e m1 são os valores de partida para o trabalho necessário e excedente, p é o factor de aumento da produtividade com a nova técnica, em comparação com a antiga (nas Quadros 1 e 2 foi assumido p = 1,25). A produção de mais-valia relativa funciona de tal modo que perante um aumento geral da produtividade ao factor p (última linha) o valor global das mercadorias é dividido precisamente por esse factor, mas o valor do trabalho necessário é dividido por um factor p2, porque tanto o tempo de trabalho necessário para a produção das mercadorias como os custos de reprodução de cada dia de trabalho caem ao factor de 1/p. Para o efeito de aumento da produtividade na mais-valia contida numa determinada quantidade material são de interesse as fórmulas para m e m’ na última linha:

Formel1

Exprima-se p usando a segunda fórmula através de m':

Formel2

e aplique-se essa expressão na fórmula para m, obtendo-se

Formel3

Sendo m1 = v1m1' concordam os numeradores de ambas as fracções, e obtemos

Formel4

A constante

Formel5

pode ser interpretada como tempo de trabalho que pode ser reproduzido pela quantidade de riqueza material adoptada. É constante, porque aqui o salário real é assumido como sendo constante. Para o valor total

Formel6

r surge precisamente na situação (fictícia, pré-capitalista) em que todo o montante produzido tem de ser aplicado na reprodução da força de trabalho e, portanto, não pode ser retirada mais-valia.


Abb.1
Figura 1: Taxa de mais-valia e (mais-)valia por unidade material


Wert pro stofflicher Einheit = Valor por unidade material

Mehrwert pro stofflicher Einheit = Mais-valia por unidade material

Mehrwert rate = taxa de mais-valia






A relação aqui desenvolvida entre a taxa de mais-valia e a mais-valia de uma determinada quantidade de riqueza material é mostrada graficamente na Figura 1. O gráfico, tal como a fórmula que lhe está subjacente, não deverá ser lido como se a taxa de mais-valia fosse a variável independente e a mais-valia a variável dependente. Em vez disso, ambas as quantidades dependem da produtividade: Com ela cresce a taxa de mais-valia e, enquanto esta for inferior a 1, cresce também a mais-valia. O seu máximo é alcançado quando a taxa de mais-valia assume o valor 1. Com o novo aumento da produtividade e da taxa de mais-valia, no entanto, baixa a mais-valia que, tal como o valor total, com o aumento ilimitado da produtividade tende para 0.

As correlações apresentadas aqui não são de tipo empírico, mas nelas é considerada a lógica da produção de mais-valia relativa em sua forma pura, ou seja, no pressuposto de que a duração da jornada de trabalho, bem como o nível de salários reais permanecem constantes e que a mudança na produtividade ocorre uniformemente em todos os sectores e para todos os produtos. Na realidade capitalista, evidentemente, não é esse o caso: salários e tempo de trabalho estão mudando constantemente sob a influência dos conflitos sociais, e os surtos de produtividade ocorrem completamente dessincronizados e em diferentes proporções. (2) Acontece que os próprios produtos estão em constante mudança e vão surgindo sempre novos produtos, enquanto outros desaparecem. É inquestionável que aumentou drasticamente, por exemplo, a produtividade da indústria automóvel nos últimos 50 anos, só que, para uma quantificação exacta, teria de se procurar hoje um carro semelhante ao Carocha da década de 1950, e tal carro não existe. Tal com a produtividade na produção de leitores de CD não poderia ser comparada com a dos anos 30, porque nessa altura ainda não havia leitores de CD etc.

Nessa medida, os cálculos feitos aqui e os resultados mostrados na Figura 1 descrevem apenas uma tendência, que talvez também se pudesse explicar sem tais cálculos. Mas esta tendência existe realmente. Tem a sua base na pressão para reduzir o tempo de trabalho, descrita por Marx, pressão induzida pela concorrência do mercado e actuando permanentemente, ou seja, no aumento da produtividade, que também se pode verificar empiricamente em todos os sectores e produtos. Também a massa de mais-valia realizada numa unidade material tende necessariamente para zero, se a produtividade cresce indefinidamente e o valor de cada produto assim se reduz lenta mas seguramente. Finalmente, a massa de mais-valia não pode nunca ser superior à massa do valor. Por outro lado, é evidente que nenhuma mais-valia pode ser alcançada (e logo também não é possível o capitalismo) enquanto a produtividade apenas é suficiente para a reprodução da força de trabalho (m = 0). Portanto, mesmo sem os cálculos do modelo matemático, também é plausível que a massa de mais-valia suportada por cada produto assume o seu máximo algures entre esses dois limites.
Há que frisar aqui dois pontos: Primeiro, o esquema dos quadros 1 a 3, com o resultado mostrado na Figura 1, é aplicável não apenas a mercadorias individuais, mas também a qualquer “cabaz de mercadorias”, ou até à riqueza material produzida por todas as economias nacionais, por exemplo num ano, sendo a tendência de desenvolvimento aqui deduzida, portanto, de tipo geral. Segundo, a forma de produção de mais-valia através do aumento permanente da produtividade pelo capital, de acordo com Marx adequada ao capitalismo desenvolvido, não pode ser simplesmente parada, mesmo que a prazo seja contrária aos seus "interesses", uma vez que também reduz permanentemente a mais-valia realizada nas unidades materiais. A dinâmica aqui descrita é impulsionada pela concorrência (passagem à etapa 2 nas Quadros 1 a 3), seja das empresas individuais, seja mesmo dos Estados ou “localizações”. Os actores aqui seguem inteiramente os seus próprios interesses e já na sua simples existência continuada no capitalismo têm de pretender agir assim. A dinâmica aqui imposta ao conjunto do movimento está, portanto, intrinsecamente inscrita na forma do valor da riqueza social. Só poderia abrandar, ou mesmo parar, se o valor fosse abolido.


A tendência de desenvolvimento da mais-valia relativa

Em virtude da pressão permanente para reduzir o tempo de trabalho, pode supor-se que a produtividade tem vindo a aumentar ao longo do desenvolvimento capitalista, embora não uniformemente, mas alternando surtos de produtividade e fases de aumento lento da produtividade. Isto significa que a evolução ilustrada pela Figura 1 da mais-valia realizada numa unidade material em função do aumento da produtividade é também uma evolução no período histórico do capitalismo: enquanto no seu início cada aumento da produtividade levava ao aumento da massa de mais-valia realizada por mercadoria, na sua fase final leva à redução da mesma massa. Neste sentido, a história do capitalismo pode ser dividida numa fase de subida e numa fase de descida da mais-valia relativa.

O capitalismo move-se numa direcção inequívoca, ou seja, para uma produtividade cada vez maior, no decurso do tempo. Esta constatação já é suficiente para retirar a base a todas as ideias segundo as quais o capitalismo seria um processo de mudança sempre igual, de crises e surtos de acumulação e, portanto, não poderia chegar ao fim a partir da sua própria dinâmica. Por exemplo, os investimentos de pura racionalização, frequentemente relatados nos anos recentes, que suprimem postos de trabalho mantendo a mesma produção, ou seja, aumentam a produtividade dos postos de trabalho restantes e, assim, tornam a empresa em causa mais rentável, teriam tido como consequência um crescimento da produção de mais-valia na fase de subida da mais-valia relativa, mas na fase de descida levam a mais alta produtividade e à redução da mais-valia e, assim, não apenas se tornam uma ameaça para os trabalhadores afectados pelos despedimentos, mas também contribuem para o agravamento da crise do capital no seu conjunto.

Não é de facto possível localizar com exactidão histórica a fase de subida e a de descida da mais-valia relativa e o ponto de viragem que é marcado pela taxa de mais-valia m'=1, pois aqui houve necessariamente importantes dessincronizações. Mas pode-se supor, mesmo sem estudos histórico-empíricos detalhados, que nos começos da produção de mais-valia relativa, através da cooperação (MEW 23: 341 sg.), da divisão do trabalho e da manufactura (MEW 23: 356 sg.), a produtividade era provavelmente tão pequena que, para um aumento de mais-valia por mercadoria individual continuava a “ir ao ar”. Talvez isso seja muito especulativo, mas também irrelevante para a questão da crise final. Para isso apenas a fase posterior do capitalismo desempenha um papel, e é claro que hoje há muito deixámos para trás de nós o ponto de viragem m'=1: a quota do salário líquido na Alemanha em 2004 foi de cerca de 40%, o que corresponde a uma taxa de mais-valia de 1,5. Aqui é preciso ainda ter em conta que o salário líquido inclui não só a força de trabalho produtiva (produtora de mais-valia), mas também a improdutiva (paga a partir da massa de mais-valia produzida no conjunto da sociedade). Não vou aqui tentar uma definição precisa do trabalho produtivo e improdutivo (ver KURZ 1995). No quadro da crítica da economia política, porém, é indiscutível que todos os trabalhos que consistem na mera canalização do fluxo do dinheiro (comércio, bancos, companhias de seguros e muitos departamentos individuais dentro de empresas de resto produtoras de mais-valia) são improdutivos, não criando, portanto, qualquer mais-valia (ver HEINRICH 2005: 134). Mas isso significa que a quota do salário líquido da força de trabalho produtivo será ainda significativamente inferior aos referidos 40% e a taxa de mais-valia terá de ficar proporcionalmente maior do que 1,5. (3)

Já há algumas décadas que se pode observar que o capital cada vez mais recorre à produção de mais-valia absoluta, tentando assim aumentar a mais-valia pela extensão da jornada de trabalho e pela redução dos salários reais. A constante pressão para aumentar a produtividade, naturalmente, não desapareceu, por isso não se pode dizer que a mais-valia relativa tivesse agora sido novamente substituída pela mais-valia absoluta, sendo muito baixas as possibilidades para aumentar a produtividade, desde logo por causa das limitações naturais da jornada de trabalho, cujo prolongamento nas condições actuais não leva a mais trabalho, mas apenas à supressão de postos de trabalho. Também a redução dos salários reais tem um limite natural, ou seja zero, e a aproximação desse limite significa apenas que a reprodução da força de trabalho tem de ser financiada pelo Estado, ou seja, pela massa de mais-valia produzida no conjunto da sociedade.

A produção de mais-valia absoluta pertence, segundo Marx, a uma forma inicial do modo de produção capitalista, em que o trabalho só era formalmente subsumido ao capital, ou seja, os trabalhadores trabalhavam para um capitalista, mas o trabalho concreto ainda não estava vinculado ao capital no plano material. A produção de mais-valia relativa pressupõe, pelo contrário, a subsunção real do trabalho ao capital, que agora define o próprio processo técnico do trabalho concreto em que os trabalhadores são empregados (MEW 23: 532/533). Se o capital hoje regressa à produção de mais-valia absoluta, isto não significa que a subsunção real do trabalho ao capital tenha sido abolida, mas trata-se de uma reacção, a longo prazo inútil, ao declínio da produção de mais-valia relativa, declínio que como mostrado aqui é definitivo. Perante este pano de fundo, também é inadequada a conclusão de HEINRICH (1999: 5), quando afirma que o capitalismo teria regressado “das condições já quase idílicas” do fordismo ao "funcionamento normal", o que provavelmente significa à fase pré-fordista. Ignora-se assim simplesmente o que foi feito desde então em termos de produtividade e, nesse sentido, equiparam-se simplesmente fases do capitalismo que não são comparáveis. Trata-se, na melhor das hipóteses de uma argumentação com as formas aparentes e, de facto, podemos perfeitamente relacionar as condições de exploração na China de hoje com as do capitalismo europeu ocidental do século XIX. A profundidade do fluxo da dinâmica capitalista permanece no entanto oculta para tal abordagem.

Não está claro para mim se o próprio Marx retirou a sua análise da mais-valia relativa para lá do ponto de viragem aqui identificado, sendo que só então ele poderia ter construído a ligação com a sua caracterização do capital como "contradição em processo" nos Grundrisse. Na verdade, no respectivo capítulo de O Capital (MEW 23: 331 sg.) ele opera exclusivamente através de exemplos numéricos do tipo do Quadro 1, ou seja, com uma baixa taxa de mais-valia (por exemplo, na jornada de trabalho de doze horas, com dez horas de trabalho necessário e duas horas de trabalho excedente). Heinrich parece ver a tendência de desenvolvimento da mais-valia relativa, ou poderia em todo o caso vê-la, dados os exemplos numéricos por ele escolhidos, só que ele não fala das consequências, ou afasta-as imediatamente, quando as aponta (HEINRICH 2005: 177/178):

"O trabalho necessário para a produção de cada mercadoria pode cair bastante, o valor das mercadorias diminuir, desde que cresça a mais-valia ou o lucro produzido pelo seu capital. É irrelevante se a mais-valia/lucro é distribuído por um menor número de produtos com elevado valor ou por um número maior de produtos de menor valor."

A última frase, que neste ponto serve para poder posicionar-se contra o Marx dos Grundrisse e contra a teoria da crise da antiga Krisis (ver acima) é, no mínimo, muito arriscada. A questão é saber se para a Volkswagen, por exemplo, poderia ser indiferente ter de produzir e vender 4 milhões ou 15 milhões de carros por ano, para atingir a mesma mais-valia/lucro. Sobretudo em mercados já saturados, poderia abrir-se aqui um problema de vendas, resultando numa concorrência de aniquilamento, como a que está de facto em curso há anos no mercado automóvel. Heinrich tem obviamente razão em que a mais-valia produzida pelo capital resulta apenas da multiplicação da mais-valia de cada produto pelo volume material da produção. Por um lado, isto significa que da fase de subida e descida de mais-valia relativa não se pode concluir directamente uma fase de subida e descida do capital. Mas, por outro lado, surge à luz do dia exactamente neste ponto a contradição também subjacente à argumentação de KURZ (1986) entre a riqueza material e a forma de valor em que ela deve ser trazida, uma "contradição em processo” que se torna cada vez maior com a produção crescente de mais-valia relativa: quanto maior a produtividade, menor a mais-valia contida em cada produto, logo maior será o output material necessário mesmo para uma produção constante de mais-valia, logo maior a concorrência, e maior será a pressão para a produtividade aumentar etc.

Sem dúvida surge aqui um "limite lógico e histórico absoluto" do capital (KURZ, 1986: 28) e, assim, o fim da sua capacidade de acumulação. Mesmo se, no nível de abstracção aqui assumido, não é possível determinar a forma de desenvolvimento da dinâmica de crise prevista, têm de saltar finalmente à vista as tendências de modo nenhum óbvias – incluindo a questão ecológica – em que a contradição aqui identificada entre matéria e forma se pode resolver com mais ou menos violência.


Crescimento compulsivo, expansão histórica do capital e limites materiais

Numa sociedade orientada apenas para a riqueza material – que assim já não seria capitalista – o crescimento da produtividade provavelmente apenas criaria poucos problemas tecnicamente solucionáveis e poderia tornar a vida humana mais fácil, com menos trabalho e ainda mais bens duráveis. Assim como a bênção do crescimento da produtividade seria também tornada comum e pública, ou seja, uma potência para fornecer soluções técnicas para todos os problemas da humanidade. No quadro deste modo de produção capitalista não posto em causa, essa visão pressuporia naturalmente que o capital pudesse arranjar-se com uma massa de mais-valia cada vez mais baixa (4). Mas isso não é possível.

"Se o valor é a forma de riqueza a mais-valia é necessariamente o objectivo da produção. Isto significa que o objectivo da produção capitalista não é simplesmente o valor, mas o contínuo aumento da mais-valia." (POSTONE 2003: 465) Isto é devido ao facto de que no processo de produção capitalista “em escala ampliada" (MEW 23: 605 sg.) o capital que se autovaloriza no processo de valorização tem de se valorizar e, portanto, tem de “produzir” a partir de si mesmo uma mais-valia que se torne cada vez maior, na medida em que absorve e explora um número correspondentemente cada vez maior de trabalhadores.

Com o aumento da produtividade, este crescimento compulsivo potencia-se uma vez mais no plano material: se, para a realização de igual mais-valia, é necessária a produção de cada vez mais riqueza material, então o output material de capital tem de crescer ainda mais fortemente do que a massa de mais-valia. Como vimos, isto aplica-se à fase de descida da produção de mais-valia relativa, já há muito tempo alcançada. Se esse movimento de expansão esbarra agora nos limites, porque a riqueza material em constante aumento não apenas tem de ser produzida, mas também tem de encontrar clientes solventes, desencadeia-se uma dinâmica de crise irreversível: um output material constante ou mesmo crescendo simplesmente menos rapidamente do que a produtividade, tem por consequência uma produção de mais-valia que se torna cada vez menor, o que reduz as possibilidades de escoamento do output material, o que de seguida reforça a diminuição da massa de mais-valia etc. Tal movimento descendente não atinge todos os capitais individuais por igual, mas afecta principalmente os menos produtivos, que devem desaparecer do mercado, chegando-se ao colapso de economias inteiras, como foi o caso dos países da Europa Oriental no início dos anos de 1990. O capital restante pode avançar no espaço vazio resultante e expandir-se mais uma vez, situação em que, à superfície, dá a impressão de que ele está indo muito bem. Poderá ser esse o caso para os sobreviventes em cada situação e ser mesmo verdade no momento, mas isso nada muda no carácter de todo o movimento.

O crescimento da massa de mais-valia e – com o aumento da produtividade – o crescimento ainda mais forte que lhe está associado do output material é a “finalidade de vida” inconsciente do capital e condição sine qua non para a manutenção do modo de produção capitalista. O capital no passado satisfez este crescimento compulsivo que lhe é imanente, ou seja, a necessidade de sua acumulação ilimitada, com um processo de expansão sem precedentes históricos. KURZ (1986: 30 sg.) estabelece como seus momentos essenciais, em primeiro lugar, a conquista progressiva de todos os sectores de produção já existentes antes dele e dele independentes, acompanhada da transferência da população trabalhadora para a dependência do salário, o que inclui a conquista do espaço geográfico (profundamente admirada no Manifesto Comunista como “caçada da burguesia sobre o globo terrestre”) e, em segundo lugar, a criação de novas linhas de produção para novas necessidades de consumo de massas (igualmente acabadas de criar), ligadas, além de ao consumo de massas, ao espaço “feminino” dissociado da reprodução da força de trabalho e, mais recentemente, à supressão gradual da separação entre trabalho e tempo livre. (5)

Os espaços em que o capital assim se expandiu são de natureza material, sendo, portanto, por fim e de algum modo necessariamente esgotados. Quanto ao primeiro momento mencionado do processo de expansão é esse agora sem dúvida o caso: não há canto da Terra nem sector de produção que não tenha sido devassado pelo capital. Nem mesmo a produção de subsistência altera aqui nada, pois não se trata nela de um resto pré-moderno, mas de um paliativo de emergência, com que os caídos fora do modo de produção capitalista tentam garantir a sua sobrevivência, mais mal do que bem.

A questão de saber se o segundo momento do processo de expansão capitalista finalmente chegou ao fim, no entanto, é controversa. Ele baseou-se essencialmente na expansão do consumo de massas, que só é possível, no entanto, se os salários reais aumentam a condizer, com o que se atinge novamente a produção de mais-valia relativa. No auge do fordismo, após 2ª Guerra Mundial – uma época de pleno emprego – as exigências dos sindicatos para aumentos salariais ao nível de crescimento da produtividade poderiam ser temporariamente impostas. No esquema de cálculo dos quadros 1 a 3, isto significa em cada caso a passagem da linha 1 para linha 3 (em vez da linha 4) com uma taxa de mais-valia que permanece constante e uma diminuição no factor de 1/p da massa de mais-valia por unidade material que, por um tempo, pôde ser sobrecompensada pelo crescimento do consumo de massas. Este processo, porém, com a produtividade aumentando constantemente e a saturação gradual dos mercados para as novas linhas de produção (tais como automóveis e electrodomésticos), não pôde manter-se duradouramente. KURZ (1986: 31 sg.) resume a situação em meados dos anos de 1980 como segue:

"Ambas as formas ou momentos essenciais do processo de expansão capitalista começam hoje, porém, a esbarrar em limites materiais absolutos. O nível de saturação da capitalização foi alcançado nos anos sessenta; esta fonte de absorção de trabalho vivo chegou finalmente a um impasse. Ao mesmo tempo, a confluência de tecnologia científica e organização científica do trabalho na microeletrónica constitui uma nova etapa fundamental na transformação do processo de trabalho material. A "revolução microeletrónica" elimina trabalho vivo na produção imediata, não apenas nesta ou naquela técnica de produção específica, mas pela primeira vez numa frente ampla e atravessando todos os sectores da produção, atingindo até mesmo os domínios improdutivos. Este processo está apenas no começo... No que diz respeito a novos ramos de produção a serem criados neste processo, como na produção de microeletrónica em si ou na biotecnologia, eles são, por natureza, a priori, de pouco trabalho na produção directa. Assim se rompe a compensação histórica até aqui vigente para o limite interno absoluto do modo de produção capitalista inerente à produção de mais-valia relativa. A eliminação em massa de trabalho produtivo vivo como fonte de criação de valor não pode mais ser compensada por novos produtos “baratos” entrados na produção em massa, porque esta produção em massa deixou de ser mediada por uma reabsorção na produção de população trabalhadora “tornada supérflua” previamente noutro lado. Assim, a relação entre eliminação de trabalho produtivo vivo pela transformação científica, por um lado, e a absorção de trabalho produtivo vivo por processos de capitalização ou criação de novos ramos de produção, por outro, inclina-se de modo historicamente irreversível: de agora em diante, será inexoravelmente eliminado mais trabalho do que pode ser absorvido. Todas as inovações tecnológicas que ainda se podem esperar irão sempre apenas no sentido da eliminação de mais trabalho vivo, todos os novos ramos de produção que ainda se podem esperar surgirão desde o início sempre com menos trabalho produtivo humano directo".

HEINRICH (2005: 178) designa a referência directa da “teoria do colapso de Kurz" à "revolução microeletrónica" um tanto pejorativamente como "determinismo tecnológico", que "se ajusta maravilhosamente ao ‘marxismo do movimento operário’, de resto criticado veementemente por Kurz". A questão aqui, como Heinrich bem vê, não é ser uma técnica muito específica, mas o facto de ela tornar o trabalho em grande parte supérfluo, questão a que ele, em sua “crítica detalhada" (HEINRICH 1999) não contrapõe nenhum argumento. Para um teórico do valor, tal situação deveria realmente dar que pensar, pois só poderia não resultar daí uma crise do capital se o valor e a mais-valia não fossem medidos em tempo de trabalho, mas a aplicação imediata da técnica científica tivesse substituído o trabalho como fonte do valor, como diz um Habermas. Mas Heinrich não vai tão longe.

É verdade, porém, e aqui teria de se dar razão a Heinrich – se ele o tivesse dito – que uma previsão relacionada com o aqui e agora, de acordo com a qual "de agora em diante será inexoravelmente eliminado mais trabalho do que pode ser absorvido", não pode ser deduzida apenas da categoria da mais-valia relativa sediada num nível mais abstracto, mas que esta deve ser complementada por indícios empíricos. Eles abundam e Kurz não deixa de os apontar (dados abundantes adicionalmente cf. KURZ 2005). Mas, é claro, a aparência empírica pode enganar e o capital pode recompor-se mais uma vez, sendo então a questão, apenas, com que consequências, para si e para a humanidade.

Essa incerteza sobre o curso futuro da dinâmica da crise nada modifica quanto ao facto de que o capital terá de prosseguir baseado em sua própria dinâmica, enquanto não for abolido através de acções humanas conscientes. Tal já decorre da sua mera compulsão de crescimento desenfreado, por um lado, e da finitude dos recursos humanos e materiais de que ele permanece dependente, por outro lado.

HÜLLER (2006) já fez notar que a taxa de lucro social global (taxa de acumulação) tem de baixar, desde logo porque a força de trabalho existente na Terra à disposição do capital é simplesmente finita, e uma taxa constante de lucro, porém, teria como pressuposto uma população trabalhadora em crescimento exponencial. (6) Aqui não foi sequer tida em conta a produção de mais-valia relativa. Se isso for feito, demonstra-se que uma produção material constante, ou mesmo de crescimento exponencial com uma taxa de "crescimento real" muito mais baixa (abaixo da taxa de crescimento da produtividade), tem como resultado uma massa de mais-valia em queda exponencial (e a consequente queda da dimensão da população trabalhadora produtiva).

A afirmação de que "de agora em diante será inexoravelmente eliminado mais trabalho do que pode ser absorvido" assenta essencialmente no pressuposto de que o capital já não estará na situação de compensar com inovações de produtos a perda de valor e de mais-valia induzida pelas inovações de processos. Fala-se muito disso, em qualquer caso ainda hoje – 22 anos depois – em lado nenhum se vê nada de tais inovações. Como foi dito, não se trata aqui de novos produtos para as correspondentes necessidades em geral, mas de produtos cuja produção requeira grandes quantidades de trabalho, que permitam pelo menos compensar os potenciais de racionalização da microelectrónica. Se esta previsão se tivesse revelado incorrecta, a contradição aqui apontada entre matéria e forma nem por isso estaria resolvida, mas ter-se-ia então descarregado violentamente num sentido diferente.


Crescimento compulsivo e destruição do ambiente

"E qualquer progresso na agricultura capitalista é não apenas um progresso na arte de roubar os trabalhadores, mas também um progresso na arte de roubar o solo, todo o progresso no aumento da sua fertilidade por um dado período de tempo é também um progresso na ruína das fontes duradouras desta fertilidade. Quanto mais um país... parte da grande indústria como base de seu desenvolvimento, mais rápido é esse processo de destruição. A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social, enquanto socava simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador." (MEW 23: 529/530)

O capital precisa de riqueza material como suporte do valor, que como tal é indispensável e, em termos quantitativos (ver acima), mesmo em medida crescente. O capital é, porém, indiferente à riqueza material, mas que está livremente disponível e, portanto, não entra na massa de valor ou de mais-valia produzida. A sua preservação é, em relação à necessidade de acumulação de capital, na melhor das hipóteses secundária ou, dito de outra forma: se a destruição da riqueza material servir a valorização do valor, ela será destruída. Tão simples como isso. Nesta rubrica se enquadram todas as suas formas que nos últimos 50 anos foram objecto de discussão em termos de degradação ambiental: por exemplo, a duração da fertilidade do solo, a que Marx já se havia referido, ar e água de uma qualidade que se possa respirar ou beber sem perigo para a vida e a integridade física, a biodiversidade e os ecossistemas intactos, mesmo que apenas na sua função de recurso alimentar renovável, ou um clima compatível com a vida humana.

A questão não é, portanto, se o ambiente será destruído por causa da valorização do valor, mas, quando muito, até que ponto o será. E aqui desempenha um papel totalmente pernicioso o crescimento da produtividade, na medida em que – como produção de mais-valia relativa – continua ligado ao valor, como forma dominante de riqueza, porque a realização da mesma massa de mais-valia exige um output material cada vez maior e uma utilização de recursos ainda maior: à transição das antigas para as novas técnicas, com a finalidade de reduzir o tempo de trabalho necessário, sucede geralmente que o trabalho humano é substituído por máquinas, ou por elas acelerado. Consideremos, por exemplo, típica e idealmente, que no esquema de cálculo dos Quadros 1 a 3, são fabricadas com a técnica antiga em 1000 dias de trabalho 10.000 camisas, para cuja fabricação só é preciso tecido e trabalho. A nova técnica poderia consistir em reduzir a 500 dias o tempo de trabalho necessário à produção da mesma quantidade de camisas, utilizando no entanto máquinas e energia adicional, que por sua vez poderiam ser produzidos em 300 dias de trabalho. Mas isso significaria, na situação do Quadro 2 (m1' > 1), que, com a técnica nova e mais rentável, para a realização da mesma mais-valia que com a velha, seriam produzidas não apenas mais de 10.000 camisas, mas além disso também teriam de ser produzidos capitalistamente equipamentos adicionais e energia, utilizados no processo de produção. Isto quer dizer que, para o mesmo valor, se torna necessário um aumento do consumo de recursos, aumento que é maior e cresce mais depressa do que o output material necessário.

Se KURZ (1986) não tivesse razão e a acumulação de capital prosseguisse sem limites, a consequência inevitável seria, mais cedo ou mais tarde, a destruição das bases materiais da valorização do capital, bem como da própria vida humana em geral.

Moishe Postone extrai da contradição entre riqueza material e riqueza na forma do valor causada pela produção de mais-valia relativa, analisada por ele em termos semelhantes, esta conclusão (POSTONE 1993/2003: 469):

" Deixando de lado considerações sobre eventuais limites ou barreiras à acumulação de capital, uma das consequências implícitas nessa dinâmica particular – maior crescimento da riqueza material do que da mais-valia conseguida – é acelerar a destruição do ambiente. Segundo Marx, resulta da relação entre produtividade, riqueza material e mais-valia que a contínua expansão desta última tem consequências cada vez mais nefastas para a natureza e para os seres humanos."

Em oposição expressa a Horkheimer/Adorno (1969), para quem a dominação da natureza em si já representa o "pecado original", POSTONE (1993/2003: 470) acentua que "a destruição crescente da natureza, não deve ser vista simplesmente como consequência do cada vez maior controle e dominação da natureza pelo homem." Este tipo de crítica é insuficiente, porque não faz distinção entre valor e riqueza material, sendo que a natureza não é explorada e destruída no capitalismo por causa da riqueza material, mas por causa da mais-valia. Por causa do desequilíbrio crescente entre as duas formas de riqueza, ele conclui (POSTONE 1993/2003: 471):

"O padrão que esbocei sugere que, numa sociedade em que a mercadoria está totalizada, há uma tensão fundamental subjacente entre considerações ecológicas e imperativos do valor, como forma de riqueza e de mediação social. Isso implica, também, que qualquer tentativa de combater a degradação crescente do ambiente no quadro da sociedade capitalista, restringindo o modo de expansão desta sociedade, provavelmente seria ineficaz a longo prazo – não apenas por causa dos interesses dos capitalistas ou dos responsáveis políticos, mas principalmente porque a falta de expansão da mais-valia resultaria realmente em graves problemas económicos, com grandes custos sociais. Na análise de Marx, a necessária acumulação de capital e a criação de riqueza na sociedade capitalista estão intrinsecamente relacionadas. Além disso... uma vez que o trabalho na sociedade capitalista é um meio necessário para a reprodução individual, os trabalhadores assalariados continuam dependentes do “crescimento" do capital, ainda que as consequências ambientais ou outras do seu trabalho sejam prejudiciais para si próprios e para os outros. A tensão entre as exigências da forma de mercadoria e as necessidades ecológicas agrava-se com o aumento da produtividade e, especialmente durante as crises económicas e em tempos de desemprego elevado, coloca um sério dilema. Este dilema e a tensão em que tem a sua causa são imanentes ao capitalismo. A sua solução definitiva não será possível enquanto o valor continuar a ser a forma determinante de riqueza social."

No plano da aparência, o dilema descrito apresenta-se sob várias formas. Para citar um exemplo: Embora haja consenso em matéria de política ambiental, no sentido de que a expansão global do american way of life, ou mesmo do "estilo de vida" da Europa Ocidental, implicaria catástrofes ambientais de magnitude até agora desconhecida, as instituições da política de desenvolvimento têm de prosseguir exactamente esse objectivo, mesmo que ele se tenha entretanto tornado irrealista. Ou, na terminologia utilizada aqui: o emprego realmente necessário para a continuação da acumulação de capital, mesmo de apenas metade da força de trabalho global disponível, no nível de produtividade entretanto atingido, com o correspondente output material e consumo de recursos, teria como consequência o colapso imediato do ecossistema da Terra.

Como pode ser observado todas as semanas no trabalho no arame em torno do "ecologicamente necessário" e do "economicamente viável" tornados incompatíveis, este dilema mostra-se também no tratamento político da catástrofe climática anunciada, que é apenas um dos muitos problemas ambientais. A política não pode emancipar-se do capital, uma vez que mesmo o dinheiro dos impostos e, portanto, a sua própria capacidade de agir depende do sucesso na produção de mais-valia. Portanto, ela já tem de saltar sobre a sua própria sombra, só para tomar decisões que ficam muito abaixo das exigências objectivas do problema a ser resolvido e que, mesmo assim, semanas depois são novamente aliviadas, sob pressão de qualquer lobby do "economicamente viável".




Conclusão

No presente texto analisou-se de forma bastante árida um ponto de vista específico, no entanto determinante para a dinâmica capitalista, nomeadamente a produção de mais-valia relativa e suas consequências para a valorização do capital. A necessária redução da complexidade e, com ela, a supressão temporária de todos os outros aspectos do patriarcado produtor de mercadorias entrado em crise é o tributo a pagar para uma exposição – espero eu – compreensível. Assim, por exemplo, as distorções ideológicas que vêm de par com a crise progressiva permanecem escondidas, tal como a desigualdade crescente com que os diferentes grupos da população são atingidos pela crise: as mulheres mais do que os homens e a classe média (ainda) em menor medida do que a maioria já precarizada (ver Rentschler 2006, Scholz 2008).

Ficou também escondida a importância do capital financeiro, sobre o qual por isso é preciso gastar aqui umas palavras, porque é considerado por alguns como a verdadeira causa da crise, enquanto outros pensam que ele poderia salvar o capitalismo antes do colapso final. Ambos estão errados. A verdade é que, no capitalismo tardio, a valorização do valor não seria possível sem o capital financeiro porque, no nível de produtividade alcançado, os enormes agregados de capital há muito que deixaram de ser financiáveis apenas com capitais próprios. Só que o capital financeiro tornou-se assim de facto o “lubrificante" indispensável, mas não o "combustível" para a produção de mais-valia, que continua ligada ao dispêndio de trabalho. Portanto, é óbvio que a valorização do valor não começou a falhar porque o capital foge deliberadamente para o sector financeiro, antes pelo contrário: como a valorização do capital começou a falhar há várias décadas, o capital foge para o sector financeiro, com os seus rendimentos superiores, embora fictícios do ponto de vista do conjunto da economia. Esta fuga funciona – no sentido de um deficit spending keynesiano global e contra qualquer ideologia neoliberal – em primeiro lugar adiando a crise; sendo que quanto mais tempo isto funcionar, tanto maior será a explosão com que a crise há-de prevalecer no final. A ideia, surgida da fantasia da virtualidade pós-moderna, de um capitalismo que em qualquer caso seria propulsionado a longo prazo por um sector financeiro saído dos seus limites, já não confrontado com a produção de mais-valia real, é pelo menos tão bizarra como a ideia de uma produção de mais-valia sem trabalho, simplesmente através da "força produtiva ciência" (para um debate mais aprofundado destas ideias, ver KURZ 2005: 223 sgs.).

Mas, se a produção de mais-valia pressupõe a utilização de trabalho directo e a produção de riqueza material que lhe está associada, a forma de produção de mais-valia segundo Marx adequada ao capitalismo desenvolvido, que é a produção de mais-valia relativa, leva então a que para a realização da mesma massa de mais-valia seja necessário um cada vez maior output material e um consumo de recursos ainda maior. O processo de acumulação e expansão capitalista esbarra assim num limite material absoluto cujo respeito tem de levar ao queimar da lógica da valorização capitalista e cujo desrespeito tem de conduzir à destruição de suas bases materiais e da possibilidade da vida humana em geral.

A escolha entre a peste (o desaparecimento gradual do trabalho e as consequências sociais que isso implica no capitalismo) e a cólera (o colapso ecológico) não é sequer uma alternativa, mas provavelmente florescem-nos ambas simultaneamente – uma produção de mais-valia em queda, enquanto aumenta o consumo dos recursos – acrescidas da perspectiva de guerras pelos recursos materiais cada vez mais escassos e desperdiçados na valorização do capital, e pelas oportunidades de ainda poder valorizar os seus últimos restos remanescentes.

Previsões sobre a forma de desenvolvimento da decadência seriam, por isso, com base nas investigações realizadas aqui, pura especulação, pois dever-se-á já ter falado de um fim – de um modo ou de outro – do capitalismo como formação social, mas em sentido diferente do mencionado por HEINRICH (1999: 178) referindo-se à “teoria do colapso de Kurz":

"Para a esquerda, a teoria do colapso historicamente sempre teve uma função de exoneração: não importava a gravidade das perdas reais, o fim do inimigo era em última instância certo."

Até nisto ele está errado. Não se trata do fim de um "inimigo", mas de nós próprios. A decadência previsível de uma forma de sociedade – seja com doença lenta ou com grande estouro – cujos membros ligados entre si no fetiche da mercadoria não sabem o que lhes acontece, têm por natural a riqueza na forma da mercadoria e, portanto, mesmo após o fim desta poderiam vegetar como sujeitos das mercadorias sem mercadorias, tal decadência seria apenas mais uma, última derrota. E vice-versa: apenas uma abolição do capitalismo, ou seja, da riqueza na forma do valor – e da forma de sujeito por ela constituída – provocada pela acção humana consciente ainda oferece a possibilidade de algo como uma sociedade pós-capitalista libertada. Teria que chegar, no entanto, antes que o crescimento coercivo da valorização do capital ligado à produção de mais-valia relativa tenha deixado atrás de si apenas terra queimada. Já não resta muito tempo.


Notas
1. Do ponto de vista de uma única empresa, o processo de valorização apresenta-se, de acordo com as regras, na forma c+v+m com o “capital constante" c, ou seja, os custos para as máquinas, matérias-primas, etc, que não são produzidos na própria empresa. Na dinâmica da inovação aqui descrita, porém, c não muda nada. c foi aqui omitido desde o início, porque é irrelevante para a consideração efectuada do ponto de vista do conjunto da sociedade: ainda que o capital constante seja produzido (em outro lugar), o tamanho do seu valor é o tempo de trabalho a ser gasto na média do social, subdividido em trabalho necessário e trabalho excedente.

2. Além da aproximação das taxas de lucro também as massas de mais-valia contidas em cada produto e, com elas, também os efeitos dos ganhos de produtividade são redistribuídos. Os aumentos de produtividade determinados sectores levam através de processos de adaptação a mudanças na mais-valia e no lucro em todos os outros sectores. Mesmo sectores cujos produtos só incluem "doses homeopáticas" de trabalho não são menos rentáveis do que os outros. Portanto, também é insensato negar a estes produtos a forma de mercadoria, como fez Lohoff (2007) (para uma crítica, ver KURZ 2008). Em vista do modelo de cálculo aqui realizado pode dizer-se que os efeitos dos aumentos de produtividade em termos da massa de mais-valia realizada são conformes com o próprio aumento de produtividade, sendo os resultados da modelagem mais realistas do que os pressupostos na base dos quais foram alcançados.

3. Isso não quer dizer, naturalmente, que 70 ou 80 por cento do valor criado esteja disponível para a acumulação de capital. A partir da mais-valia produzida tem de ser financiado, por um lado, todo o consumo do Estado e, por outro lado, também todo o trabalho (salários e lucros) nas empresas não produtivas.

4. Daqui decorre que a facilitação da vida humana a nível global pressuporia um plano consciente, orientada para a riqueza material, portanto, mais ou menos o contrário de uma orientação para o mercado. Além disso, numa sociedade não capitalista, no actual nível de produtividade, a questão já não seria simplesmente menos trabalho, mas sim a sua abolição como categoria.

5. Neste momento trata-se apenas do aspecto quantitativo da dinâmica objectiva da valorização do capital. Em termos de dissociação-valor, como reverso obscuro da orientação do sujeito (masculino) para a valorização do valor e, portanto, como condição necessária da socialização na forma do valor, valeria a pena uma investigação separada sobre se e em que medida o capital socava os seus próprios fundamentos com a capitalização do domínio "feminino" dissociado, cuja função para a valorização do valor destrói a longo prazo. O aumento das doenças mentais e a incapacidade antecipada para o trabalho por razões psicológicas apontam no sentido desta presunção, bem como algumas situações que em parte já se tornaram insustentáveis na assistência pública às crianças, aos doentes e aos idosos submetida ao regime de tempo da economia empresarial.

6. O chamado teorema de Okishio surgido da crítica neoricardiana a Marx, pelo contrário, refuta supostamente a “lei da queda tendencial da taxa de lucro", o que também HEINRICH (1999a: 327 sg., 2005: 148) aceita e gostaria de fazer valer contra a “tendência para o colapso" do capital. O teorema de Okishio afirma apenas que um modelo matemático especial (um modelo de produção comparativamente estático, linear, pelo qual Marx é culpado de forma disparatada) não consegue demonstrar a queda da taxa de lucro, mas tão-pouco implica o seu aumento. Isto mostra apenas que não se deveria simplesmente abstrair das grandezas absolutas e dos seus limites, como os modelos lineares fazem sempre.


Bibliografia
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HEINRICH, Michael: Untergang des Kapitalismus? Die ‚Krisis‘ und die Krise [Queda do capitalismo? A ‘Krisis’ e a crise], Streifzüge 1/1999
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Rentschler, Frank: Die kategoriale Abwesenheit des Geschlechts [A ausência categorial do sexo], EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft 3, 176 – 209 , Bad Honnef 2006
Ricardo, David: Über die Grundsätze der Politischen Ökonomie und der Besteuerung, Marburg 1994; Englisches Original: On the principles of political economy and taxation [Princípios de Economia Política e Tributação], 3. Aufl. 1821
Trenkle, Norbert: Was ist der Wert? Was soll die Krise?, Streifzüge 3/1998 [O que é o valor ? A que se deve a crise ?]
Scholz, Roswitha: Überflüssig sein und „Mittelschichtsangst“, EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft 5, 58 – 104 , Bad Honnef 2008 [O ser-se supérfluo e a "angústia da classe média"]

Original Ein Widerspruch von Stoff und Form. Zur Bedeutung der Produktion des relativen Mehrwerts für die finale Krisendynamik in revista EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft, 5/2008 [EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, 6/2009], ISBN 3-89502-289-0, 256 p., 13 Euro, Editora: Horlemann Verlag, Grüner Weg 11, 53572 Unkel, Deutschland, Tel +49 (0) 22 24 55 89, Fax +49 (0) 22 24 54 29, http://www.horlemann-verlag.de/
Tradução de Boaventura Antunes e Lumir Nahodil, 02/2010