Claus Peter Ortlieb
UMA CONTRADIÇÃO ENTRE MATÉRIA E FORMA
Sobre a importância da produção de mais-valia relativa
para a dinâmica de crise final
12.09.2008
Enquanto a economia política em vigor
acredita observar só o lado material do modo de produção capitalista e se
interessa por grandezas como o "verdadeiro" crescimento do produto
interno bruto, ou rendimento "real" – que, no entanto, são realmente mediados
por valores em dinheiro – a maioria dos textos ligados à teoria do valor-trabalho
analisa o mesmo processo de produção em relação com a massa nele realizada de
valor, ou de mais-valia. Ambas as partes parecem partir implicitamente do
princípio de que se trata apenas de diferentes unidades de medida da riqueza.
Em contrapartida, o presente texto parte,
com Marx, dum duplo conceito de riqueza no capitalismo, historicamente
específico, tal como ele está representado no duplo carácter da mercadoria e do
trabalho. O valor, como forma predominante de riqueza no capitalismo,
contrapõe-se à riqueza material, a cuja forma específica o capital de facto é
indiferente, mas que continua a ser indispensável como portadora do valor. Ora,
estas duas formas de riqueza, com o aumento da produtividade, entram
necessariamente em contradição entre si, num modo tal que permitiu a Marx falar
do capital como "contradição em processo".
É esta contradição que aqui vai ser examinada.
O objectivo é pôr à prova a argumentação
do ensaio de há 22 anos de KURZ (1986), ensaio fundador da teoria da crise da
antiga Krisis, perante pelo menos as mais
sérias das argumentações contrárias desde então formuladas. De acordo com
aquele ensaio, o capital seria conduzido a uma crise final porque, devido ao
aumento da produtividade, a produção social total ou global de mais-valia teria
de diminuir a prazo e a valorização do capital finalmente teria de chegar a um
impasse.
No que toca a tal diagnóstico, este texto
não difere substancialmente do de KURZ (1986), mas parte de um ângulo
ligeiramente diferente, que se refere à apresentação da massa de mais-valia
social total. Esta pode ser determinada, por um lado, como KURZ (1986 e 1995)
faz, com base na mais-valia criada por cada trabalhador, através do somatório
de todos os trabalhados produtivos, mas também, como acontece aqui, partindo da
mais-valia realizada numa unidade material, através da soma do conjunto da
produção material. As duas apresentações não se contradizem, mas evidenciam
vários aspectos do mesmo processo.
A abordagem escolhida aqui também permite colocar
a dinâmica de crise final em ligação com a tendência do capital para a
destruição do ambiente, já analisada por POSTONE
(2003).
O texto contém um pequeno núcleo matematizado.
Quem não suporta fórmulas pode passar adiante. São importantes para a
compreensão três quadros e uma figura inseridos no texto, cuja qualidade se
deduz mesmo sem as fórmulas.
A última crise do capital? Uma controvérsia
A teoria da crise da antiga Krisis sofreu muita oposição e crítica
de um género que em grande parte não pode ser levada a sério, desde logo porque
– seguindo rotineiramente os próprios trilhos – nem sequer toma nota da
argumentação aqui apresentada. Nela se incluem ideias dogmáticas de que o
capitalismo sempre teria ressuscitado das suas crises, como Fénix das cinzas,
de modo que vai permanecer sempre assim. Tal inducionismo primário nem o
positivismo moderno se atreve a apresentar. Outras ideias negam o aspecto objectivo
da dinâmica capitalista em geral, e acentuam que o capitalismo só pode ser
abolido através duma revolução, ou mesmo dum “acto voluntarista”. É verdade que
a transição para uma sociedade sob qualquer forma libertada requer o agir
consciente dos seres humanos. Mas daqui não resulta que, na ausência de uma tal
transição, o capitalismo possa continuar alegremente na mesma. Também pode ocorrer
um fim de terror.
O diagnóstico nesse sentido, apresentado pela
primeira vez por Robert Kurz em seu ensaio A
crise do valor de troca (KURZ 1986) estabelece – em linhas gerais – o que o
capital, através do aumento compulsivo da produtividade (ou das forças
produtivas) induzido pela concorrência de mercado, cava a sua própria
sepultura, porque retira cada vez mais do processo de produção criador de
mais-valia o trabalho, e com ele a sua própria substância. Neste contexto desempenha
um papel especial a "força produtiva ciência” em geral e a "revolução
microelectrónica" em particular. O texto pode ser lido como uma elaboração
e actualização da famosa afirmação de Marx no fragmento sobre as máquinas dos Grundrisse (593):
"O capital em si é a contradição em
processo [porque] procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por
outro lado, estabelece o tempo de trabalho como única medida e fonte da
riqueza."
Marx diz também nos Grundrisse que esta contradição é capaz de “fazer explodir no
ar" a estreita base do modo de produção capitalista (ibid.: 594).
Entre os críticos desta tese de uma crise
final do capital, Michael Heinrich desempenha um papel particular, na medida em
que se envolve, pelo menos parcialmente, no plano da argumentação em que esta
tese é desenvolvida. Porque pretende ignorar a tendência do capital para o
colapso, ele tem de se posicionar contra o Marx dos Grundrisse, e fá-lo jogando contra este o Marx d’ O Capital
(HEINRICH 2005: 177):
“O aspecto do valor do referido processo, de
que no processo de produção de cada produto deve ser gasto cada vez menos trabalho,
é analisado em O Capital não como uma tendência para o colapso, mas como a base para
a produção de mais-valia relativa. A aparente contradição com que Marx ficara
tão chocado nos Grundrisse, de que o
capital “procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por outro lado,
estabelece o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza”, torna-se
em Kurz, Trenkle e outros representantes do grupo Krisis na “auto-contradição lógica
do capital”, para a qual o capitalismo no fundo teria inevitavelmente de
caminhar. No entanto, no primeiro volume de O
Capital, Marx decifra esta contradição como um velho enigma da economia
política, com o qual já o economista francês Quesnay no século XVIII havia atormentado
os seus opositores. Este enigma, segundo Marx, é fácil de compreender se se
tiver em conta que para os capitalistas o que interessa não é o valor absoluto
da mercadoria, mas a mais-valia (ou o lucro) que lhe rende a mercadoria. Portanto,
o tempo de trabalho necessário para a produção de cada mercadoria pode perfeitamente
baixar e o valor da mercadoria ser reduzido, desde que cresça a mais-valia ou
lucro do seu capital."
Em primeiro lugar, é de salientar que Heinrich
confunde aqui evidentemente dois níveis em que pode haver contradição: Marx decifra
na verdade um enigma que parecia aos economistas uma contradição lógica e um
defeito da sua teoria. Com isso, no entanto, não se afasta a "contradição em
processo" situado no plano real, que poderá ser explicada, mas não afectada.
Segundo o Marx dos Grundrisse,
acontece que o capital, na sua dinâmica inconsciente, seca a fonte de que vive.
Heinrich contrapõe que para o Marx d’ O
Capital o aumento da produtividade seria a base da produção de mais-valia
relativa, como se esta, na sua progressão, não fosse compatível com a tendência
para o colapso. Será assim? Existe uma incompatibilidade entre a produção de
mais-valia relativa e a auto-destruição do capital?
KURZ (1986: 28) afirma, pelo contrário,
"que na produção de mais-valia
relativa o próprio capital se torna a barreira absoluta lógica e histórica. Ao
capital não interessa nem pode interessar a criação
de valor absoluto, ele está fixado única e exclusivamente na mais-valia nas
suas formas superficiais, isto é, na proporção relativa dentro do novo valor criado entre o valor da força de
trabalho (dos seus custos de reprodução) e a parte do novo valor apropriada
pelo capitalista. Uma vez que o capital já não pode estender a criação de valor
absolutamente, através do prolongamento da jornada de trabalho, mas só consegue
aumentar a sua participação relativa no novo valor por meio do desenvolvimento das
forças produtivas, ocorre na produção de mais-valia relativa um movimento em
sentido contrário, que terá de se consumir historicamente a si mesmo, trabalhando
no sentido e acabando na paralisação total da própria criação de valor. Com o
desenvolvimento das forças produtivas aumenta o grau de exploração, mas com isso socava-se o fundamento e o objecto da
exploração, a produção de valor enquanto tal. Pois a produção de mais-valia
relativa, como transformação científica do processo de produção material, inclui
a tendência para eliminar o trabalho produtivo imediato vivo, a única fonte de criação
de valor de toda a sociedade. O mesmo movimento que aumenta a participação
relativa do capital no valor novo reduz a base absoluta da produção de valor
pela eliminação do trabalho produtivo imediato vivo."
Aqui a produção de mais-valia relativa de
modo nenhum surge em contradição com a tendência do capital para o colapso,
pelo contrário, ela é a ferramenta com a qual o próprio capital se torna a “barreira
absoluta lógica e histórica”. Na verdade, o Marx de O Capital não corrigiu o Marx dos Grundrisse, como pretende Heinrich, mas apenas deu uma justificação
mais detalhada da “contradição em processo”.
Evidentemente (e sem total surpresa) trata-se
aqui de uma controvérsia. Pode-se questionar qual o fundamento porque, tendo os
adversários um ponto de partida comum, ou seja, a categoria da "mais-valia
relativa" introduzida por Marx na crítica da economia política, tiram no
entanto conclusões completamente diferentes e mesmo contraditórias. Daí que a tentativa
que segue de contribuir para o esclarecimento tem de voltar, mais uma vez, a
esse ponto de partida comum. O debate, muitas vezes referido no contexto das
controvérsias em torno da teoria da crise entre, TRENKLE (1998) e HEINRICH
(1999), não serve aqui de referência porque Trenkle, ao contrário KURZ (1986), não
menciona de todo a produção de mais-valia relativa em sua fundamentação do
aproximar de uma crise final.
Produtividade, valor e de riqueza material
Fala-se de aumento de produtividade quando
no mesmo tempo de trabalho pode ser produzido um maior output material, ou – o que é o mesmo – quando a mesma quantidade
material de mercadorias pode ser produzida com menor aplicação de trabalho,
reduzindo-se assim a sua magnitude de valor. A produtividade é, portanto, a
proporção entre a quantidade de bens materiais e o tempo de trabalho necessário
à sua produção. Para compreender a produtividade e a sua mudança é imperativo
fazer a distinção entre as dimensões de valor e riqueza material.
Quando Marx diz (ver acima) que o capital
"estabelece o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza"
está a falar de riqueza na forma de mercadoria. Esta forma de riqueza historicamente
específica, válida apenas para a sociedade capitalista e que constitui o seu
"núcleo interior" (ver POSTONE 2003: 54), para o Marx dos Grundrisse cai progressivamente em
contradição com a “riqueza real" (Grundrisse:
592):
"No entanto, à medida que a grande
indústria se desenvolve, a criação de riqueza real depende menos do tempo de
trabalho e do quantum de trabalho
aplicado do que do poder de agentes que são postos em movimento durante o tempo
de trabalho, poder que não tem qualquer relação com o tempo de trabalho directo
que custa a sua produção, mas depende do nível geral da ciência e do avanço da
tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção".
N’ O
Capital, Marx em vez de "riqueza real" fala de "riqueza
material”, que é formada pelos valores de uso. Esta maneira de falar torna-se necessária
porque na sociedade capitalista desenvolvida até mesmo a riqueza material não é
a mesma que nas sociedades não capitalistas, mas as formas em que ela ocorre por
sua vez são marcadas pela riqueza na forma da mercadoria. Neste ponto, basta
observar que existem na sociedade capitalista estas duas formas distintas e
conceptualmente distinguíveis de riqueza: "A riqueza das sociedades nas
quais predomina o modo de produção capitalista apresenta-se como uma imensa colecção
de mercadorias" (MEW 23: 49). E no duplo carácter das mercadorias, como portadoras
de valor e como valores de uso, reflectem-se as duas formas diferentes de riqueza
nesta sociedade.
O valor é a forma predominante,
não-material de riqueza sob o capitalismo, sendo que não lhe interessa a forma
material da riqueza na forma de mercadoria. A economia capitalista visa apenas
a majoração desta forma de riqueza (valorização do valor), que encontra a sua
expressão no dinheiro: uma actividade económica que não prometa mais-valia não
tem lugar, mesmo que possa produzir muita riqueza material. Porque deveria alguém
lançar o seu capital no processo de produção, se no final resultasse para ele
apenas um valor igual ao inicialmente aplicado?
A riqueza material – que, segundo POSTONE
(1993/2003: 296 sg.), é uma característica das sociedades não-capitalistas como
forma dominante de riqueza – mede-se pelos valores de uso disponíveis, que são
muito versáteis e podem servir a propósitos muito diferentes. 500 mesas, 4.000 pares
de calças, 200 hectares de terra, 14 palestras sobre nanotecnologia ou 30
bombas de fragmentação seriam, neste sentido, riqueza material. Nestes exemplos
deve ser claro o seguinte: Em primeiro lugar, a riqueza material não é
necessariamente gerada pelo trabalho, ela nem sempre está amarrada à forma de mercadoria
(como, por exemplo, o ar que se respira), mesmo que seja frequentemente colocada
nesta forma (como, por exemplo, a terra). Em segundo lugar, a riqueza material
não consiste necessariamente em bens materiais, mas também pode incluir o
conhecimento, informações, etc. e a sua divulgação. Em terceiro lugar, deve-se
tomar cuidado para não ver na riqueza material o "bem" simplesmente.
Embora a riqueza material não esteja ligada à forma da mercadoria e o trabalho
não seja a sua única fonte, por outro lado ela constitui no capitalismo o
"suporte material" (MEW 23: 50) do valor, o qual por isso permanece, por
sua vez, vinculado à riqueza material. Na produção de mercadorias deforma-se o
seu objectivo, ou seja, a acumulação de cada vez mais mais-valia, bem como,
naturalmente, a qualidade da riqueza material, cujos produtores não são ao
mesmo tempo seus consumidores: aqui nunca se pode tratar de atingir o objectivo
da máxima satisfação no uso da riqueza material, mas sempre apenas o objectivo
da máxima eficiência na economia empresarial. A abolição da sociedade
capitalista não poderá, pois, consistir apenas em libertar a riqueza material dos
constrangimentos da valorização do capital, mas implica também a abolição das
suas deformações induzidas pelo valor.
No entanto, existe também uma diferença
entre as duas formas de riqueza em termos de avaliação qualitativa. No aspecto
material o decisivo é apenas o uso que se pode fazer das coisas. Da perspectiva
da riqueza na forma do valor, no entanto, por exemplo na questão de saber se eu
como empresário devo produzir 500 mesas ou 30 bombas de fragmentação, o que
interessa é apenas a mais-valia que eu possa conseguir em cada caso.
O conceito de produtividade abstrai da
qualidade da riqueza material, razão porque prefiro falar neste contexto de
unidades materiais em vez de valores de uso. Esta limitação à quantidade prende-se
com o problema de saber porque não se pode dizer, por exemplo, de 500 mesas e
4.000 pares de calças onde está a maior riqueza material, pois não são
comparáveis no plano material, em virtude da diferença qualitativa. Daí que
também o conceito de produtividade, que põe em relação recíproca as duas formas
de riqueza, tem de ser diferenciado, de acordo com as qualidades que a riqueza
material pode assumir: a produtividade na produção de mesas é diferente da
produtividade na produção de calças etc.
De seguida põe-se o foco nas relações
quantitativas entre as duas formas de riqueza criadas na produção de mercadorias.
Apesar de fixas em cada momento, estão, como diz Marx (MEW 23: 60 sg.),
constantemente em fluxo:
"Um quantum maior de valor de uso representa em si e para si maior
riqueza material, dois casacos mais que um. Com dois casacos podem vestir-se
duas pessoas, com um casaco, somente uma pessoa etc. Entretanto, à crescente
massa de riqueza material pode corresponder um decréscimo simultâneo da
grandeza de valor. Esse movimento contraditório origina-se do duplo carácter do
trabalho. Força produtiva é sempre, naturalmente, força produtiva de trabalho
útil concreto, e determina, de facto, apenas o grau de eficácia de uma
actividade produtiva adequada a um fim, num espaço de tempo dado. O trabalho
útil torna-se, portanto, uma fonte mais rica ou mais pobre de produtos, em
proporção directa ao aumento ou à queda de sua força produtiva. Pelo contrário,
uma mudança da força produtiva não afecta, em si e para si, de modo algum o
trabalho representado no valor. Como a força produtiva pertence à forma
concreta útil do trabalho, já não pode esta, naturalmente, afectar o trabalho,
tão logo se faça abstracção da sua forma concreta útil. O mesmo trabalho proporciona,
portanto, nos mesmos espaços de tempo, sempre a mesma grandeza de valor,
qualquer que seja a mudança da força produtiva. Mas ele fornece, no mesmo
espaço de tempo, quantidades diferentes de valores de uso; mais, quando a força
produtiva sobe, e menos, quando ela cai. A mesma variação da força produtiva, a
qual aumenta a fecundidade do trabalho e, portanto, a massa de valores de uso
por ela fornecida, diminui, assim, a grandeza de valor dessa massa global
aumentada, quando ela encurta a soma do tempo de trabalho necessário à sua
produção. E vice-versa."
Chamo aqui à memória a distinção entre a
riqueza material e riqueza na forma da mercadoria, distinção aqui alicerçada em
teses e central para a crítica da economia política de Marx, uma vez que ela é
tudo menos óbvia para nós, sujeitos aprisionados no fetiche da mercadoria e
nele se reproduzindo. No nosso quotidiano na forma da mercadoria ambas as
formas de riqueza parecem ser igualmente "naturais" e, geralmente,
até mesmo idênticas: Não só porque o valor precisa de um suporte material, mas
também porque a apropriação do valor de uso é feita normalmente pela compra, dando-se
assim valor por ele, sob a forma de dinheiro. A ignorância da distinção entre riqueza
na forma do valor e riqueza material pode não ser nada problemática no quotidiano
moderno e facilitar mesmo as actividades diárias. Mas qualquer teoria que despreze
esta diferença, ou desde o início não tome seriamente nota dela, tem de perder necessariamente
o núcleo historicamente específico do modo de produção capitalista.
Isto aplica-se – pode-se dizer: naturalmente
– à doutrina da economia nacional neo-clássica dominante, para a qual o
objectivo ahistórico de toda a actividade económica está na maximização da
utilidade individual, que por sua vez consiste na combinação optimizada de um
"pacote de bens", enquanto a riqueza abstracta é tida apenas como o
"véu do dinheiro", que apenas encobre a alocação da riqueza material
e que, portanto, a bem da maior clareza, foi retirado para bem longe da teoria
económica.
Mas o mesmo se passa também com a economia
política clássica, como por exemplo David Ricardo, quando ele escreve na
introdução à sua magnum opus (Ricardo
1994: 1):
"Os produtos da terra – tudo o que se
ganha da sua superfície pela aplicação conjugada de trabalho, máquinas e
capital – são divididos entre as três classes da sociedade, ou seja, os donos
da terra, os proprietários dos bens ou do capital necessário ao seu cultivo e
os trabalhadores cuja actividade a cultiva.
As partes no produto total da terra, que
sob os nomes de rendas, lucros e salários cabem a cada uma destas classes, serão
no entanto muito diferentes nos vários estádios de desenvolvimento da
sociedade...
O principal problema da economia política
consiste em encontrar as leis que determinam essa distribuição".
Trata-se aqui apenas da distribuição da
riqueza material, enquanto que não se fala da forma particular de riqueza no capitalismo, e provavelmente nem
sequer há consciência dela. Também o marxismo tradicional parece raramente ter
chegado além deste entendimento. O “trabalho que cria toda a riqueza” é para
ele um dado natural ahistórico, tal como a riqueza por ele criada. A sua crítica,
que não sai do plano da circulação, dirige-se apenas contra a distribuição da riqueza per se, mas não contra a forma
historicamente específica de riqueza no capitalismo. É de notar, com Moishe
Postone, que assim se esconde uma dimensão importante da crítica de Marx (POSTONE
2003: 55/56):
"Muitos dos argumentos que se
relacionam com a análise de Marx da singularidade do trabalho como fonte do
valor não reconhecem a sua distinção entre "riqueza real" (ou “riqueza
material") e valor. A “teoria do valor-trabalho" de Marx não é nenhuma
teoria das qualidades singulares do trabalho em geral, mas sim uma análise da
especificidade histórica do valor, como forma da riqueza e como forma do
trabalho que o constituiu. Por conseguinte, é irrelevante para o esforço de
Marx, se se argumenta a favor ou contra a sua teoria do valor, como se ela fosse
uma teoria do trabalho da riqueza (transhistórica) – ou seja, como se Marx tivesse
escrito uma economia política, em vez de uma crítica da economia
política".
Sobre o equívoco aqui criticado por POSTONE,
a propósito da abordagem de Marx, construíram-se entretanto montanhas inteiras
de teorias. Fornece um exemplo particularmente chocante Jürgen Habermas, que
assume precisamente a muito citada passagem do fragmento sobre as máquinas dos Grundrisse como uma oportunidade para impingir
a Marx um "pensamento revisionista" (HABERMAS, 1978: 256):
"Nos ‘Esboços [Grundrisse] da Crítica da Economia Política’ há uma ideia muito
interessante, mostrando que o próprio Marx viu uma vez o desenvolvimento
científico das forças produtivas técnicas como uma possível fonte de valor. A premissa
da teoria do valor-trabalho de que o ‘quantum
de trabalho aplicado é o factor decisivo na produção de riqueza’ é por ele aí
restringida, a saber: ‘No entanto, à medida que a grande indústria se
desenvolve, a criação de riqueza real depende menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho aplicado do que do
poder de agentes que são postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder
que não tem qualquer relação com o tempo de trabalho directo que custa a sua
produção, mas depende do nível geral da ciência e do avanço da tecnologia, ou da
aplicação desta ciência à produção’. Marx deixou entretanto cair de facto este pensamento
‘revisionista’ que não entrou na versão final da teoria do
valor-trabalho".
Obviamente que Habermas equipara aqui
completamente a riqueza “real" de Marx com a riqueza na forma do valor. Só
assim ele pode supor que Marx aqui tivesse "visto o desenvolvimento científico
das forças produtivas técnicas como uma possível fonte de valor". Ele
ignora deliberadamente que Marx, neste contexto do fragmento sobre as máquinas,
uma página depois – como citado – fala do capital como "contradição em
processo", que é quase o contrário do “pensamento revisionista" mencionado
por Habermas. Como demonstra POSTONE (2003: 345-393), esta identificação implícita
e não mais reflectida de riqueza e valor, e com ela a ontologização do valor e
do trabalho como pertencendo à espécie humana de modo não historicamente
específico, constitui a viciada premissa fundamental de toda a crítica
habermasiana a Marx e de todas as suas tentativas de o ultrapassar.
Mas mesmo um teórico assumido do valor
como Michael Heinrich, para quem a distinção entre riqueza material e riqueza
na forma do valor é perfeitamente familiar, nem sempre está imune à equiparação
das formas de riqueza: o seu argumento central contra a tese desenvolvida por KURZ
(1995) de que o trabalho "produtivo" (criador de mais-valia) se
derrete e cresce constantemente a parte do trabalho "improdutivo" financiado
a partir da mais-valia produzida no conjunto da sociedade, e que portanto
diminui a produção de mais-valia à disposição da acumulação de capital, diz (HEINRICH
1999: 4):
"A capacidade produtiva crescente garante
que a massa de mais-valia produzida por uma força de trabalho ‘produtiva’ cresce
continuamente e que, portanto, uma força de trabalho ‘produtiva’ consegue
manter uma massa continuamente crescente de trabalho improdutivo".
No plano da riqueza material, a que se
refere exclusivamente a capacidade produtiva crescente, este argumento
(enquanto possibilidade) seria naturalmente correcto, só que isto não tem nada
a ver com a "massa de mais-valia produzida por uma força de trabalho
produtiva", porque esta massa é medida apenas pelo tempo de trabalho
despendido, sendo que a massa de mais-valia produzida num dia de trabalho por
uma força de trabalho, por mais produtiva que seja, nunca pode ser maior do que
apenas a de um dia de trabalho.
O mesmo erro, possivelmente tomado de Heinrich
e apenas levado ao extremo, se encontra no ISF (2000). Aqui se postula, mais
uma vez contra KURZ (1995), a possibilidade de uma “economia capitalista de
serviços" (ISF 2000: 70):
"Suponhamos que tudo o que uma tal
sociedade precisa de hardware, graças
à enorme produtividade do trabalho, pode ser produzido com um mínimo de
esforço, digamos, em todo o mundo por 100.000 horas de trabalho no ano X. O que
impede que aqui seja gerada a massa de mais-valia que permita cobrir produtivamente
nesse ano X todo o dinheiro que talvez 10 mil milhões de prestadores de
serviços economizam e põem a juros? Dinheiro que seria então concentrado em
menos de 10 mil milhões de mãos, digamos 10 milhões, e aí, em parte como
capital especulativo financeiro, mas também em parte como capital concorrencial,
poderia ser usado pelos produtores de mais-valia que trabalham as 100.000 horas
– para desta forma assegurar o poder de disposição sobre a sociedade? Para este
poder de disposição sobre a sociedade importa também que nós afinal ainda continuamos
vivendo numa sociedade de classes, embora as classes, como diz Adorno, se
tenham evaporado como "conceito superempírico". A partir do poder de
disposição, as relações de dominação continuariam a pender sobre o trabalho
produtor do hardware numa sociedade assim
construída – e nessa ainda mais.”
Deixo de lado a questão de saber se tal
sociedade é possível ou não, mas capitalista é que ela não seria com certeza,
dada a impossibilidade de valorização do capital: as 10 milhões de mãos em que
o capital se deveria concentrar não poderiam explorar mais de 100.000 horas de
trabalho por ano, ou seja, cada um deles apenas a centésima parte de uma hora,
que é de 36 segundos, o que não é nada comparado com o trabalho de talvez 8
horas multiplicado por talvez 200 dias de trabalho por ano, ou com os 10 mil
milhões de "mãos" capazes de trabalhar. Por que razão deveria ainda
um dos 10 milhões de proprietários do capital lançar o seu bom dinheiro no
processo de produção? Também aqui o erro está em equiparar as duas formas de
riqueza: É concebível que um dia será suficiente o tempo de trabalho de 100.000
horas por ano para abastecer uma população de 10 mil milhões de pessoas. Só que
então já não passará pelo buraco da agulha da valorização do valor, por falta
de massa de mais-valia.
Não é por acaso que tais erros de pessoas
que conhecem muito bem o assunto ocorrem quase inevitavelmente quando polemizam
contra a possibilidade de uma crise final do capitalismo. Pois o diagnóstico da
ocorrência necessária de uma tal crise – como também se verá – depende
essencialmente da diferença entre estas duas formas de riqueza e do facto de serem
cada vez mais divergentes.
A produção de mais-valia relativa
Marx (MEW 23: 334) designa como "mais-valia
relativa" a mais-valia resultante do facto de que, aumentando a
produtividade do trabalho e consequentemente embaratecendo a força de trabalho,
reduz-se o tempo de trabalho necessário, e o tempo de trabalho excedente pode
ser prorrogado em conformidade, sem reduzir o salário real nem prorrogar a
jornada de trabalho, como acontece na "produção de mais-valia
absoluta". A produção da mais-valia relativa é a forma de produção de
mais-valia adequada ao capitalismo desenvolvido e está ligada à "subsunção
real do trabalho ao capital" (MEW 23: 533).
A tendência de aumento da produtividade do
trabalho é uma das leis imanentes da produção capitalista, uma vez que cada
empresa individual que consegue, através da introdução de uma técnica nova,
aumentar a produtividade da sua força de trabalho acima da média actual pode
vender a sua mercadoria com um lucro extra. O que tem como resultado que a nova
técnica se generaliza, sob a pressão da concorrência, e o lucro extra
desaparece outra vez, reduzindo-se o custo de tais mercadorias. Pertencendo
estas ao âmbito dos bens necessários à reprodução da força de trabalho, acontece
o mesmo na determinação do valor da força de trabalho, levando assim também ao
seu embaratecimento.
Com o desenvolvimento constante da
produtividade e consequente embaratecimento de todas as mercadorias, incluindo
a mercadoria força de trabalho, o tempo de trabalho necessário diminui de forma
constante, o que não resulta na redução da jornada de trabalho, mas no
prolongamento do tempo de trabalho excedente, aumentando assim a mais-valia
produzida por dia de trabalho (MEW 23: 338/339):
"Ora, uma vez que a mais-valia
relativa cresce na proporção directa do desenvolvimento da força produtiva do
trabalho, enquanto o valor das mercadorias diminui na relação inversa ao mesmo desenvolvimento,
pois o mesmo e idêntico processo embaratece as mercadorias e faz subir a
mais-valia nelas contida, resolve-se o enigma de como o capitalista, que se
preocupa apenas com a produção de valor de troca, tende a reduzir de forma
permanente o valor de troca das mercadorias, uma contradição com que um dos
fundadores da economia política, Quesnay, atormentava os seus adversários e que
permaneceu sem resposta.”
Essa afirmação de Marx, também invocada
por Heinrich (ver acima), exige um esclarecimento. É imediatamente compreensível
que a taxa de mais-valia e, assim, a parte
de mais-valia no valor de um produto cresce com a produtividade do trabalho.
Mas a afirmação também pode ser lida (e assim é lida) no sentido de que cresce a
mais-valia contida numa mercadoria, embora seu valor diminua. Será isso
possível e, se sim, funcionará a longo prazo? Parece, no mínimo, improvável.
A produção de mais-valia relativa é
mostrada no Quadro 1 num exemplo numérico. Refere-se a uma única mercadoria, a um
número fixo de unidades materiais (por exemplo, 500 mesas, 4.000 pares de calças
ou 1 camião), ou a um “cabaz de mercadorias", ou seja, a qualquer
combinação de tais unidades. Os números representam tempo de trabalho (expresso,
por exemplo, em dias de trabalho), em que estão representados os totais de
tempos de trabalho que entram no produto (incluindo a produção das
matérias-primas necessárias, máquinas, etc.). Descreve-se o efeito de uma
inovação técnica que reduz o tempo de trabalho necessário à produção em 20%, o que
corresponde a um aumento de produtividade de 25%: num dia de trabalho produz-se
1,25 vezes a quantidade anterior.
Quadro 1
Produção de
mais-valia relativa a uma taxa de mais-valia inferior e salário real constante
Quadro 1
|
Valor das mercadorias
(média social)
m + v
|
Trabalho necessário
(pago)
v
|
Trabalho excedente
(mais-valia)
m
|
Taxa
de
mais-valia
m’=m/v
|
1. Técnica antiga
|
1000
|
800
|
200
|
0,25
|
2. Nova técnica numa única empresa (com lucro extra)
|
1000
|
640
|
360
|
0,5625
|
3. Nova técnica no sector (sem embaratecimento da
força de trabalho)
|
800
|
640
|
160
|
0,25
|
4. Subida geral da produtividade (com
embaratecimento da força de trabalho)
|
800
|
512
|
288
|
0,5625
|
Com a técnica antiga (linha 1) podem ser
necessários 1000 dias de trabalho, divididos em 800 dias de trabalho
necessários para a reprodução da força de trabalho e 200 dias de trabalho que
servem para a produção de mais-valia.
Numa empresa individual (linha 2) desenvolve-se
agora uma nova técnica com a qual o tempo de trabalho necessário de 800 dias pode
ser reduzido em 20%. A empresa aplica essa técnica, pois assim pode aumentar o
lucro e alcançar uma vantagem de inovação: Enquanto a nova técnica não se tiver
generalizado, o valor das mercadorias permanece inalterado, porque é produzido na
média social ainda com a velha técnica. Embora a empresa individual produza
agora 20% mais barato, ela pode vender os produtos ao preço antigo. Apesar de na
sua produção entrarem apenas 640 dias de trabalho remunerado, ela continua a valer
1.000 dias de trabalho. A empresa individual realiza assim um lucro extra, e
mesmo que venda os produtos um pouco mais baratos que a concorrência, para assim
aumentar a sua quota de mercado. (1)
Sob a coacção das leis da concorrência
capitalista a nova técnica acaba por se implantar em todo o sector que produz a
mercadoria em questão (linha 3): as empresas que permaneceram com a técnica
antiga tornaram-se não-rentáveis e caíram fora do mercado. No final desse
processo de eliminação só se produz com a nova técnica, que agora corresponde à
média social. Mas isso também diminui o valor das mercadorias em 20%, e o lucro
extra volta a desaparecer. Em comparação com a situação anterior, agora também
a mais-valia contida na unidade material diminuiu 20%.
Este efeito, contraproducente para a valorização
do capital, mas não obstante produzido necessariamente pela concorrência dos
capitais individuais ou "localizações" e economias nacionais, pode então
ser compensado se o aumento da produtividade também se aplica às mercadorias
que são necessárias para a reprodução da força de trabalho: perante uma redução
geral do tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias em 20%
(linha 4), também a mercadoria força de trabalho é mais barata na mesma
proporção. Com o mesmo salário real são agora necessários apenas 512 em vez de
640 dias de trabalho para a reprodução da força de trabalho, e sobram 288 dias
de trabalho para a produção de mais-valia.
A produção de mais-valia relativa faz
subir em cada caso a taxa de mais-valia e, no exemplo numérico do Quadro 1, também
a massa de mais-valia contida numa unidade material, embora reduzindo o seu
valor global. Assim há espaço para aumentos de salários reais, tanto na empresa
individual na linha 2 como após o aumento de produtividade da linha 4, como aconteceu
de facto na história do capital e, com o simultâneo embaratecimento das
mercadorias, bens antes de luxo e produtos inovadores em geral puderam então
entrar no consumo de massas. Assim, paz, alegria e panquecas?
Quadro 2
Produção de
mais-valia relativa a uma taxa de mais-valia superior e salário real constante
Quadro 2
|
Valor das mercadorias
(média social)
m + v
|
Trabalho necessário
(pago)
v
|
Trabalho excedente
(mais-valia)
m
|
Taxa
de
mais-valia
m’=m/v
|
1. Técnica antiga
|
1000
|
400
|
600
|
1,5
|
2. Nova técnica numa única empresa (com lucro extra)
|
1000
|
320
|
680
|
2,125
|
3. Nova técnica no sector (sem embaratecimento da
força de trabalho)
|
800
|
320
|
480
|
1,5
|
4. Subida geral da produtividade (com
embaratecimento da força de trabalho)
|
800
|
256
|
544
|
2,125
|
O Quadro 2 mostra como a argumentação com
exemplos numéricos é perigosa, porque não pode ser tão facilmente generalizada.
O cálculo feito foi o mesmo do Quadro 1, mas com base em outra divisão do
trabalho necessário e excedente, com uma taxa de mais-valia que antes do início
da inovação se situava em 1,5. Ao reduzir o tempo de trabalho necessário para a
produção da unidade material aumenta também aqui fortemente a taxa de
mais-valia, no entanto diminui no final a massa de mais-valia contida nas
mercadorias produzidas dos 600 dias de trabalho iniciais para 544. A razão é
que a compensação da diminuição geral da grandeza do valor através do
simultâneo embaratecimento da força de trabalho continua a ser pequena, porque
a proporção do trabalho pago no valor das mercadorias já é baixa de qualquer
maneira.
O aumento da produtividade, com um salário
real constante, portanto, leva sempre a um aumento da taxa de mais-valia e a uma
redução do valor das mercadorias. No entanto, a massa de mais-valia realizada na
unidade material está sujeita a dois efeitos opostos: por um lado, ela diminui
como uma parte do valor total da mercadoria proporcional a este; por outro lado,
aumenta na proporção em que aumenta a parte da mais-valia no valor total da
mercadoria, devido ao embaratecimento da força de trabalho. O resultado final
depende de quão grande era no início da inovação a parte do trabalho pago, à
custa do qual apenas pode aumentar a massa de mais-valia: se a taxa de
mais-valia é baixa, e portanto é alta a parte do trabalho necessário, sobe a
massa de mais-valia da unidade material; ela diminui, pelo contrário, se a taxa
de mais-valia é alta, sendo a parte do trabalho pago no valor total, portanto,
baixa.
Como esta afirmação com base em apenas
dois exemplos numéricos ainda paira no ar, é preciso uma abordagem geral,
independentemente de valores numéricos específicos. Esta oportunidade pode
também esclarecer onde fica a fronteira entre a "baixa" e a "alta"
taxa de mais-valia.
Quadro 3
Produção de
mais-valia relativa em geral com salário real constante
Quadro 3
|
Valor das mercadorias
(média social)
m + v
|
Trabalho necessário
(pago)
v
|
Trabalho excedente
(mais-valia)
m
|
Taxa
de
mais-valia
m’=m/v
|
1. Técnica antiga
|
m1 + v1
|
v1
|
m1
|
m'1 = m1/v1
|
2. Nova técnica numa única empresa (com lucro extra)
|
m1 + v1
|
v1/p
|
m1 + v1 – v1/p
|
m'1 + p – 1
|
3. Nova técnica no sector (sem embaratecimento da
força de trabalho)
|
(m1
+ v1)/p
|
v1/p
|
m1/p
|
m'1
|
4. Subida geral da produtividade (com
embaratecimento da força de trabalho)
|
(m1
+ v1)/p
|
v1/p 2
|
(m1
+ v1)/p – v1/p2
|
m'1 + p – 1
|
No Quadro 3 foi realizado o mesmo cálculo
em termos gerais. v1 e m1 são os valores de partida para o trabalho necessário
e excedente, p é o factor de aumento da
produtividade com a nova técnica, em comparação com a antiga (nas Quadros 1 e 2
foi assumido p = 1,25). A produção de
mais-valia relativa funciona de tal modo que perante um aumento geral da
produtividade ao factor p (última linha)
o valor global das mercadorias é dividido precisamente por esse factor, mas o
valor do trabalho necessário é dividido por um factor p2, porque tanto o tempo de trabalho necessário para a
produção das mercadorias como os custos de reprodução de cada dia de trabalho caem
ao factor de 1/p. Para o efeito de
aumento da produtividade na mais-valia contida numa determinada quantidade
material são de interesse as fórmulas para m
e m’ na última linha:
Exprima-se p usando a segunda fórmula através de m':
e aplique-se essa expressão na fórmula para
m, obtendo-se
Sendo m1
= v1m1' concordam os numeradores de ambas as fracções, e obtemos
A constante
pode ser interpretada como tempo de
trabalho que pode ser reproduzido pela quantidade de riqueza material adoptada.
É constante, porque aqui o salário real é assumido como sendo constante. Para o
valor total
r surge precisamente na situação (fictícia,
pré-capitalista) em que todo o montante produzido tem de ser aplicado na
reprodução da força de trabalho e, portanto, não pode ser retirada mais-valia.
Figura 1: Taxa de mais-valia e
(mais-)valia por unidade material
Wert pro stofflicher Einheit = Valor por
unidade material
Mehrwert pro stofflicher Einheit =
Mais-valia por unidade material
Mehrwert rate = taxa de mais-valia
A relação aqui desenvolvida entre a taxa
de mais-valia e a mais-valia de uma determinada quantidade de riqueza material
é mostrada graficamente na Figura 1. O gráfico, tal como a fórmula que lhe está
subjacente, não deverá ser lido como se a taxa de mais-valia fosse a variável
independente e a mais-valia a variável dependente. Em vez disso, ambas as
quantidades dependem da produtividade: Com ela cresce a taxa de mais-valia e,
enquanto esta for inferior a 1, cresce também a mais-valia. O seu máximo é
alcançado quando a taxa de mais-valia assume o valor 1. Com o novo aumento da
produtividade e da taxa de mais-valia, no entanto, baixa a mais-valia que, tal
como o valor total, com o aumento ilimitado da produtividade tende para 0.
As correlações apresentadas aqui não são de
tipo empírico, mas nelas é considerada a lógica
da produção de mais-valia relativa em sua forma
pura, ou seja, no pressuposto de que a duração da jornada de trabalho, bem
como o nível de salários reais permanecem constantes e que a mudança na
produtividade ocorre uniformemente em todos os sectores e para todos os
produtos. Na realidade capitalista, evidentemente, não é esse o caso: salários
e tempo de trabalho estão mudando constantemente sob a influência dos conflitos
sociais, e os surtos de produtividade ocorrem completamente dessincronizados e
em diferentes proporções. (2) Acontece que os próprios produtos estão em
constante mudança e vão surgindo sempre novos produtos, enquanto outros
desaparecem. É inquestionável que aumentou drasticamente, por exemplo, a
produtividade da indústria automóvel nos últimos 50 anos, só que, para uma
quantificação exacta, teria de se procurar hoje um carro semelhante ao Carocha da
década de 1950, e tal carro não existe. Tal com a produtividade na produção de leitores
de CD não poderia ser comparada com a dos anos 30, porque nessa altura ainda
não havia leitores de CD etc.
Nessa medida, os cálculos feitos aqui e os
resultados mostrados na Figura 1 descrevem apenas uma tendência, que talvez
também se pudesse explicar sem tais cálculos. Mas esta tendência existe
realmente. Tem a sua base na pressão para reduzir o tempo de trabalho, descrita
por Marx, pressão induzida pela concorrência do mercado e actuando
permanentemente, ou seja, no aumento da produtividade, que também se pode verificar
empiricamente em todos os sectores e produtos. Também a massa de mais-valia realizada
numa unidade material tende necessariamente para zero, se a produtividade cresce
indefinidamente e o valor de cada produto assim se reduz lenta mas seguramente.
Finalmente, a massa de mais-valia não pode nunca ser superior à massa do valor.
Por outro lado, é evidente que nenhuma mais-valia pode ser alcançada (e logo
também não é possível o capitalismo) enquanto a produtividade apenas é
suficiente para a reprodução da força de trabalho (m = 0). Portanto, mesmo sem os cálculos do modelo matemático,
também é plausível que a massa de mais-valia suportada por cada produto assume
o seu máximo algures entre esses dois limites.
Há que frisar aqui dois pontos: Primeiro,
o esquema dos quadros 1 a 3, com o resultado mostrado na Figura 1, é aplicável não
apenas a mercadorias individuais, mas também a qualquer “cabaz de mercadorias”,
ou até à riqueza material produzida por todas as economias nacionais, por
exemplo num ano, sendo a tendência de desenvolvimento aqui deduzida, portanto, de
tipo geral. Segundo, a forma de produção de mais-valia através do aumento
permanente da produtividade pelo capital, de acordo com Marx adequada ao
capitalismo desenvolvido, não pode ser simplesmente parada, mesmo que a prazo
seja contrária aos seus "interesses", uma vez que também reduz
permanentemente a mais-valia realizada nas unidades materiais. A dinâmica aqui
descrita é impulsionada pela concorrência (passagem à etapa 2 nas Quadros 1 a
3), seja das empresas individuais, seja mesmo dos Estados ou “localizações”. Os
actores aqui seguem inteiramente os seus próprios interesses e já na sua
simples existência continuada no capitalismo têm de pretender agir assim. A
dinâmica aqui imposta ao conjunto do movimento está, portanto, intrinsecamente
inscrita na forma do valor da riqueza social. Só poderia abrandar, ou mesmo parar,
se o valor fosse abolido.
A tendência de desenvolvimento da mais-valia relativa
Em virtude da pressão permanente para
reduzir o tempo de trabalho, pode supor-se que a produtividade tem vindo a
aumentar ao longo do desenvolvimento capitalista, embora não uniformemente, mas
alternando surtos de produtividade e fases de aumento lento da produtividade.
Isto significa que a evolução ilustrada pela Figura 1 da mais-valia realizada
numa unidade material em função do aumento da produtividade é também uma
evolução no período histórico do capitalismo: enquanto no seu início cada
aumento da produtividade levava ao aumento da massa de mais-valia realizada por
mercadoria, na sua fase final leva à redução da mesma massa. Neste sentido, a
história do capitalismo pode ser dividida numa fase de subida e numa fase de
descida da mais-valia relativa.
O capitalismo move-se numa direcção inequívoca,
ou seja, para uma produtividade cada vez maior, no decurso do tempo. Esta
constatação já é suficiente para retirar a base a todas as ideias segundo as
quais o capitalismo seria um processo de mudança sempre igual, de crises e surtos
de acumulação e, portanto, não poderia chegar ao fim a partir da sua própria
dinâmica. Por exemplo, os investimentos de pura racionalização, frequentemente
relatados nos anos recentes, que suprimem postos de trabalho mantendo a mesma
produção, ou seja, aumentam a produtividade dos postos de trabalho restantes e,
assim, tornam a empresa em causa mais rentável, teriam tido como consequência
um crescimento da produção de mais-valia na fase de subida da mais-valia
relativa, mas na fase de descida levam a mais alta produtividade e à redução da
mais-valia e, assim, não apenas se tornam uma ameaça para os trabalhadores
afectados pelos despedimentos, mas também contribuem para o agravamento da
crise do capital no seu conjunto.
Não é de facto possível localizar com
exactidão histórica a fase de subida e a de descida da mais-valia relativa e o
ponto de viragem que é marcado pela taxa de mais-valia m'=1, pois aqui houve necessariamente importantes dessincronizações.
Mas pode-se supor, mesmo sem estudos histórico-empíricos detalhados, que nos começos
da produção de mais-valia relativa, através da cooperação (MEW 23: 341 sg.), da
divisão do trabalho e da manufactura (MEW 23: 356 sg.), a produtividade era
provavelmente tão pequena que, para um aumento de mais-valia por mercadoria
individual continuava a “ir ao ar”. Talvez isso seja muito especulativo, mas
também irrelevante para a questão da crise final. Para isso apenas a fase posterior
do capitalismo desempenha um papel, e é claro que hoje há muito deixámos para
trás de nós o ponto de viragem m'=1:
a quota do salário líquido na Alemanha em 2004 foi de cerca de 40%, o que
corresponde a uma taxa de mais-valia de 1,5. Aqui é preciso ainda ter em conta
que o salário líquido inclui não só a força de trabalho produtiva (produtora de
mais-valia), mas também a improdutiva (paga a partir da massa de mais-valia
produzida no conjunto da sociedade). Não vou aqui tentar uma definição precisa
do trabalho produtivo e improdutivo (ver KURZ 1995). No quadro da crítica da
economia política, porém, é indiscutível que todos os trabalhos que consistem
na mera canalização do fluxo do dinheiro (comércio, bancos, companhias de
seguros e muitos departamentos individuais dentro de empresas de resto
produtoras de mais-valia) são improdutivos, não criando, portanto, qualquer
mais-valia (ver HEINRICH 2005: 134). Mas isso significa que a quota do salário
líquido da força de trabalho produtivo será ainda significativamente inferior
aos referidos 40% e a taxa de mais-valia terá de ficar proporcionalmente maior
do que 1,5. (3)
Já há algumas décadas que se pode observar
que o capital cada vez mais recorre à produção de mais-valia absoluta, tentando
assim aumentar a mais-valia pela extensão da jornada de trabalho e pela redução
dos salários reais. A constante pressão para aumentar a produtividade, naturalmente,
não desapareceu, por isso não se pode dizer que a mais-valia relativa tivesse
agora sido novamente substituída pela mais-valia absoluta, sendo muito baixas as
possibilidades para aumentar a produtividade, desde logo por causa das
limitações naturais da jornada de trabalho, cujo prolongamento nas condições actuais
não leva a mais trabalho, mas apenas à supressão de postos de trabalho. Também
a redução dos salários reais tem um limite natural, ou seja zero, e a
aproximação desse limite significa apenas que a reprodução da força de trabalho
tem de ser financiada pelo Estado, ou seja, pela massa de mais-valia produzida
no conjunto da sociedade.
A produção de mais-valia absoluta pertence,
segundo Marx, a uma forma inicial do modo de produção capitalista, em que o
trabalho só era formalmente subsumido ao capital, ou seja, os trabalhadores
trabalhavam para um capitalista, mas o trabalho concreto ainda não estava vinculado
ao capital no plano material. A produção de mais-valia relativa pressupõe, pelo
contrário, a subsunção real do trabalho ao capital, que agora define o próprio processo
técnico do trabalho concreto em que os trabalhadores são empregados (MEW 23: 532/533).
Se o capital hoje regressa à produção de mais-valia absoluta, isto não
significa que a subsunção real do trabalho ao capital tenha sido abolida, mas trata-se
de uma reacção, a longo prazo inútil, ao declínio da produção de mais-valia
relativa, declínio que ‒ como mostrado aqui ‒ é definitivo.
Perante este pano de fundo, também é inadequada a conclusão de HEINRICH (1999:
5), quando afirma que o capitalismo teria regressado “das condições já quase
idílicas” do fordismo ao "funcionamento normal", o que provavelmente
significa à fase pré-fordista. Ignora-se assim simplesmente o que foi feito
desde então em termos de produtividade e, nesse sentido, equiparam-se
simplesmente fases do capitalismo que não são comparáveis. Trata-se, na melhor
das hipóteses de uma argumentação com as formas aparentes e, de facto, podemos perfeitamente
relacionar as condições de exploração na China de hoje com as do capitalismo
europeu ocidental do século XIX. A profundidade do fluxo da dinâmica
capitalista permanece no entanto oculta para tal abordagem.
Não está claro para mim se o próprio Marx
retirou a sua análise da mais-valia relativa para lá do ponto de viragem aqui
identificado, sendo que só então ele poderia ter construído a ligação com a sua
caracterização do capital como "contradição em processo" nos Grundrisse. Na verdade, no respectivo
capítulo de O Capital (MEW 23: 331
sg.) ele opera exclusivamente através de exemplos numéricos do tipo do Quadro
1, ou seja, com uma baixa taxa de mais-valia (por exemplo, na jornada de
trabalho de doze horas, com dez horas de trabalho necessário e duas horas de
trabalho excedente). Heinrich parece ver a tendência de desenvolvimento da
mais-valia relativa, ou poderia em todo o caso vê-la, dados os exemplos
numéricos por ele escolhidos, só que ele não fala das consequências, ou afasta-as
imediatamente, quando as aponta (HEINRICH 2005: 177/178):
"O trabalho necessário para a
produção de cada mercadoria pode cair bastante, o valor das mercadorias
diminuir, desde que cresça a mais-valia ou o lucro produzido pelo seu capital. É
irrelevante se a mais-valia/lucro é distribuído por um menor número de produtos
com elevado valor ou por um número maior de produtos de menor valor."
A última frase, que neste ponto serve para
poder posicionar-se contra o Marx dos Grundrisse
e contra a teoria da crise da antiga Krisis
(ver acima) é, no mínimo, muito arriscada. A questão é saber se para a Volkswagen,
por exemplo, poderia ser indiferente ter de produzir e vender 4 milhões ou 15
milhões de carros por ano, para atingir a mesma mais-valia/lucro. Sobretudo em
mercados já saturados, poderia abrir-se aqui um problema de vendas, resultando numa
concorrência de aniquilamento, como a que está de facto em curso há anos no
mercado automóvel. Heinrich tem obviamente razão em que a mais-valia produzida
pelo capital resulta apenas da multiplicação da mais-valia de cada produto pelo
volume material da produção. Por um lado, isto significa que da fase de subida
e descida de mais-valia relativa não se pode concluir directamente uma fase de subida
e descida do capital. Mas, por outro lado, surge à luz do dia exactamente neste
ponto a contradição ‒ também subjacente à argumentação de KURZ (1986) ‒ entre a riqueza material e a forma de valor em que ela
deve ser trazida, uma "contradição em processo” que se torna cada vez
maior com a produção crescente de mais-valia relativa: quanto maior a
produtividade, menor a mais-valia contida em cada produto, logo maior será o output material necessário mesmo para uma
produção constante de mais-valia, logo maior a concorrência, e maior será a
pressão para a produtividade aumentar etc.
Sem dúvida surge aqui um "limite lógico
e histórico absoluto" do capital (KURZ, 1986: 28) e, assim, o fim da sua
capacidade de acumulação. Mesmo se, no nível de abstracção aqui assumido, não é
possível determinar a forma de desenvolvimento da dinâmica de crise prevista, têm
de saltar finalmente à vista as tendências de modo nenhum óbvias – incluindo a questão
ecológica – em que a contradição aqui identificada entre matéria e forma se pode
resolver com mais ou menos violência.
Crescimento compulsivo, expansão histórica do capital
e limites materiais
Numa sociedade orientada apenas para a
riqueza material – que assim já não seria capitalista – o crescimento da
produtividade provavelmente apenas criaria poucos problemas tecnicamente solucionáveis
e poderia tornar a vida humana mais fácil, com menos trabalho e ainda mais bens
duráveis. Assim como a bênção do crescimento da produtividade seria também tornada
comum e pública, ou seja, uma potência para fornecer soluções técnicas para
todos os problemas da humanidade. No quadro deste modo de produção capitalista
não posto em causa, essa visão pressuporia naturalmente que o capital pudesse
arranjar-se com uma massa de mais-valia cada vez mais baixa (4). Mas isso não é
possível.
"Se o valor é a forma de riqueza a
mais-valia é necessariamente o objectivo da produção. Isto significa que o objectivo
da produção capitalista não é simplesmente o valor, mas o contínuo aumento da
mais-valia." (POSTONE 2003: 465) Isto é devido ao facto de que no processo
de produção capitalista “em escala ampliada" (MEW 23: 605 sg.) o capital que
se autovaloriza no processo de valorização tem de se valorizar e, portanto, tem
de “produzir” a partir de si mesmo uma mais-valia que se torne cada vez maior, na
medida em que absorve e explora um número correspondentemente cada vez maior de
trabalhadores.
Com o aumento da produtividade, este
crescimento compulsivo potencia-se uma vez mais no plano material: se, para a
realização de igual mais-valia, é necessária a produção de cada vez mais riqueza
material, então o output material de
capital tem de crescer ainda mais fortemente do que a massa de mais-valia. Como
vimos, isto aplica-se à fase de descida da produção de mais-valia relativa, já
há muito tempo alcançada. Se esse movimento de expansão esbarra agora nos
limites, porque a riqueza material em constante aumento não apenas tem de ser produzida,
mas também tem de encontrar clientes solventes, desencadeia-se uma dinâmica de crise
irreversível: um output material
constante ou mesmo crescendo simplesmente menos rapidamente do que a
produtividade, tem por consequência uma produção de mais-valia que se torna
cada vez menor, o que reduz as possibilidades de escoamento do output material, o que de seguida reforça
a diminuição da massa de mais-valia etc. Tal movimento descendente não atinge todos
os capitais individuais por igual, mas afecta principalmente os menos
produtivos, que devem desaparecer do mercado, chegando-se ao colapso de
economias inteiras, como foi o caso dos países da Europa Oriental no início dos
anos de 1990. O capital restante pode avançar no espaço vazio resultante e
expandir-se mais uma vez, situação em que, à superfície, dá a impressão de que
ele está indo muito bem. Poderá ser esse o caso para os sobreviventes em cada
situação e ser mesmo verdade no momento, mas isso nada muda no carácter de todo
o movimento.
O crescimento da massa de mais-valia e –
com o aumento da produtividade – o crescimento ainda mais forte que lhe está
associado do output material é a “finalidade
de vida” inconsciente do capital e condição sine
qua non para a manutenção do modo de produção capitalista. O capital no
passado satisfez este crescimento compulsivo que lhe é imanente, ou seja, a
necessidade de sua acumulação ilimitada, com um processo de expansão sem
precedentes históricos. KURZ (1986: 30 sg.) estabelece como seus momentos
essenciais, em primeiro lugar, a conquista progressiva de todos os sectores de
produção já existentes antes dele e dele independentes, acompanhada da transferência
da população trabalhadora para a dependência do salário, o que inclui a
conquista do espaço geográfico (profundamente admirada no Manifesto Comunista
como “caçada da burguesia sobre o globo terrestre”) e, em segundo lugar, a
criação de novas linhas de produção para novas necessidades de consumo de massas
(igualmente acabadas de criar), ligadas, além de ao consumo de massas, ao
espaço “feminino” dissociado da reprodução da força de trabalho e, mais
recentemente, à supressão gradual da separação entre trabalho e tempo livre. (5)
Os espaços em que o capital assim se
expandiu são de natureza material, sendo, portanto, por fim e de algum modo necessariamente
esgotados. Quanto ao primeiro momento mencionado do processo de expansão é esse
agora sem dúvida o caso: não há canto da Terra nem sector de produção que não tenha
sido devassado pelo capital. Nem mesmo a produção de subsistência altera aqui nada,
pois não se trata nela de um resto pré-moderno, mas de um paliativo de
emergência, com que os caídos fora do modo de produção capitalista tentam
garantir a sua sobrevivência, mais mal do que bem.
A questão de saber se o segundo momento do
processo de expansão capitalista finalmente chegou ao fim, no entanto, é
controversa. Ele baseou-se essencialmente na expansão do consumo de massas, que
só é possível, no entanto, se os salários reais aumentam a condizer, com o que
se atinge novamente a produção de mais-valia relativa. No auge do fordismo,
após 2ª Guerra Mundial – uma época de pleno emprego – as exigências dos
sindicatos para aumentos salariais ao nível de crescimento da produtividade poderiam
ser temporariamente impostas. No esquema de cálculo dos quadros 1 a 3, isto significa
em cada caso a passagem da linha 1 para linha 3 (em vez da linha 4) com uma
taxa de mais-valia que permanece constante e uma diminuição no factor de 1/p da massa de mais-valia por unidade
material que, por um tempo, pôde ser sobrecompensada pelo crescimento do
consumo de massas. Este processo, porém, com a produtividade aumentando
constantemente e a saturação gradual dos mercados para as novas linhas de
produção (tais como automóveis e electrodomésticos), não pôde manter-se
duradouramente. KURZ (1986: 31 sg.) resume a situação em meados dos anos de 1980
como segue:
"Ambas as formas ou momentos essenciais
do processo de expansão capitalista começam hoje, porém, a esbarrar em limites
materiais absolutos. O nível de saturação da capitalização foi alcançado nos
anos sessenta; esta fonte de absorção de trabalho vivo chegou finalmente a um
impasse. Ao mesmo tempo, a confluência de tecnologia científica e organização
científica do trabalho na microeletrónica constitui uma nova etapa fundamental
na transformação do processo de trabalho material. A "revolução microeletrónica"
elimina trabalho vivo na produção imediata, não apenas nesta ou naquela técnica
de produção específica, mas pela primeira vez numa frente ampla e atravessando
todos os sectores da produção, atingindo até mesmo os domínios improdutivos.
Este processo está apenas no começo... No que diz respeito a novos ramos de
produção a serem criados neste processo, como na produção de microeletrónica em
si ou na biotecnologia, eles são, por natureza, a priori, de pouco trabalho na produção directa. Assim se rompe a
compensação histórica até aqui vigente para o limite interno absoluto do modo
de produção capitalista inerente à produção de mais-valia relativa. A
eliminação em massa de trabalho produtivo vivo como fonte de criação de valor
não pode mais ser compensada por novos produtos “baratos” entrados na produção
em massa, porque esta produção em massa deixou de ser mediada por uma
reabsorção na produção de população trabalhadora “tornada supérflua”
previamente noutro lado. Assim, a relação entre eliminação de trabalho produtivo
vivo pela transformação científica, por um lado, e a absorção de trabalho
produtivo vivo por processos de capitalização ou criação de novos ramos de
produção, por outro, inclina-se de modo historicamente irreversível: de agora
em diante, será inexoravelmente eliminado mais trabalho do que pode ser
absorvido. Todas as inovações tecnológicas que ainda se podem esperar irão sempre
apenas no sentido da eliminação de mais trabalho vivo, todos os novos ramos de
produção que ainda se podem esperar surgirão desde o início sempre com menos
trabalho produtivo humano directo".
HEINRICH (2005: 178) designa a referência
directa da “teoria do colapso de Kurz" à "revolução microeletrónica"
um tanto pejorativamente como "determinismo tecnológico", que "se
ajusta maravilhosamente ao ‘marxismo do movimento operário’, de resto criticado
veementemente por Kurz". A questão aqui, como Heinrich bem vê, não é ser uma
técnica muito específica, mas o facto de ela tornar o trabalho em grande parte
supérfluo, questão a que ele, em sua “crítica detalhada" (HEINRICH 1999) não
contrapõe nenhum argumento. Para um teórico do valor, tal situação deveria realmente
dar que pensar, pois só poderia não resultar daí uma crise do capital se o
valor e a mais-valia não fossem medidos em tempo de trabalho, mas a aplicação
imediata da técnica científica tivesse substituído o trabalho como fonte do
valor, como diz um Habermas. Mas Heinrich não vai tão longe.
É verdade, porém, e aqui teria de se dar
razão a Heinrich – se ele o tivesse dito – que uma previsão relacionada com o aqui
e agora, de acordo com a qual "de agora em diante será inexoravelmente
eliminado mais trabalho do que pode ser absorvido", não pode ser deduzida apenas
da categoria da mais-valia relativa sediada num nível mais abstracto, mas que
esta deve ser complementada por indícios empíricos. Eles abundam e Kurz não
deixa de os apontar (dados abundantes adicionalmente cf. KURZ 2005). Mas, é
claro, a aparência empírica pode enganar e o capital pode recompor-se mais uma
vez, sendo então a questão, apenas, com que consequências, para si e para a
humanidade.
Essa incerteza sobre o curso futuro da
dinâmica da crise nada modifica quanto ao facto de que o capital terá de
prosseguir baseado em sua própria dinâmica, enquanto não for abolido através de
acções humanas conscientes. Tal já decorre da sua mera compulsão de crescimento
desenfreado, por um lado, e da finitude dos recursos humanos e materiais de que
ele permanece dependente, por outro lado.
HÜLLER (2006) já fez notar que a taxa de
lucro social global (taxa de acumulação) tem de baixar, desde logo porque a
força de trabalho existente na Terra à disposição do capital é simplesmente
finita, e uma taxa constante de lucro, porém, teria como pressuposto uma
população trabalhadora em crescimento exponencial. (6) Aqui não foi sequer tida
em conta a produção de mais-valia relativa. Se isso for feito, demonstra-se que
uma produção material constante, ou mesmo de crescimento exponencial com uma taxa
de "crescimento real" muito mais baixa (abaixo da taxa de crescimento
da produtividade), tem como resultado uma massa de mais-valia em queda
exponencial (e a consequente queda da dimensão da população trabalhadora
produtiva).
A afirmação de que "de agora em
diante será inexoravelmente eliminado mais trabalho do que pode ser
absorvido" assenta essencialmente no pressuposto de que o capital já não estará
na situação de compensar com inovações de produtos a perda de valor e de mais-valia
induzida pelas inovações de processos. Fala-se muito disso, em qualquer caso
ainda hoje – 22 anos depois – em lado nenhum se vê nada de tais inovações. Como
foi dito, não se trata aqui de novos produtos para as correspondentes
necessidades em geral, mas de produtos cuja produção requeira grandes
quantidades de trabalho, que permitam pelo menos compensar os potenciais de
racionalização da microelectrónica. Se esta previsão se tivesse revelado
incorrecta, a contradição aqui apontada entre matéria e forma nem por isso estaria
resolvida, mas ter-se-ia então descarregado violentamente num sentido
diferente.
Crescimento compulsivo e destruição do ambiente
"E qualquer progresso na agricultura
capitalista é não apenas um progresso na arte de roubar os trabalhadores, mas
também um progresso na arte de roubar o solo, todo o progresso no aumento da
sua fertilidade por um dado período de tempo é também um progresso na ruína das
fontes duradouras desta fertilidade. Quanto mais um país... parte da grande
indústria como base de seu desenvolvimento, mais rápido é esse processo de
destruição. A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e a
combinação do processo de produção social, enquanto socava simultaneamente as
fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador." (MEW 23:
529/530)
O capital precisa de riqueza material como
suporte do valor, que como tal é indispensável e, em termos quantitativos (ver
acima), mesmo em medida crescente. O capital é, porém, indiferente à riqueza
material, mas que está livremente disponível e, portanto, não entra na massa de
valor ou de mais-valia produzida. A sua preservação é, em relação à necessidade
de acumulação de capital, na melhor das hipóteses secundária ou, dito de outra
forma: se a destruição da riqueza material servir a valorização do valor, ela
será destruída. Tão simples como isso. Nesta rubrica se enquadram todas as suas
formas que nos últimos 50 anos foram objecto de discussão em termos de
degradação ambiental: por exemplo, a duração da fertilidade do solo, a que Marx
já se havia referido, ar e água de uma qualidade que se possa respirar ou beber
sem perigo para a vida e a integridade física, a biodiversidade e os
ecossistemas intactos, mesmo que apenas na sua função de recurso alimentar
renovável, ou um clima compatível com a vida humana.
A questão não é, portanto, se o ambiente será
destruído por causa da valorização do valor, mas, quando muito, até que ponto o
será. E aqui desempenha um papel totalmente pernicioso o crescimento da
produtividade, na medida em que – como produção de mais-valia relativa – continua
ligado ao valor, como forma dominante de riqueza, porque a realização da mesma
massa de mais-valia exige um output material
cada vez maior e uma utilização de recursos ainda maior: à transição das antigas
para as novas técnicas, com a finalidade de reduzir o tempo de trabalho
necessário, sucede geralmente que o trabalho humano é substituído por máquinas,
ou por elas acelerado. Consideremos, por exemplo, típica e idealmente, que no
esquema de cálculo dos Quadros 1 a 3, são fabricadas com a técnica antiga em
1000 dias de trabalho 10.000 camisas, para cuja fabricação só é preciso tecido
e trabalho. A nova técnica poderia consistir em reduzir a 500 dias o tempo de
trabalho necessário à produção da mesma quantidade de camisas, utilizando no
entanto máquinas e energia adicional, que por sua vez poderiam ser produzidos
em 300 dias de trabalho. Mas isso significaria, na situação do Quadro 2 (m1' >
1), que, com a técnica nova e mais rentável, para a realização da mesma
mais-valia que com a velha, seriam produzidas não apenas mais de 10.000
camisas, mas além disso também teriam de ser produzidos capitalistamente equipamentos
adicionais e energia, utilizados no processo de produção. Isto quer dizer que,
para o mesmo valor, se torna necessário um aumento do consumo de recursos, aumento
que é maior e cresce mais depressa do que o output
material necessário.
Se KURZ (1986) não tivesse razão e a
acumulação de capital prosseguisse sem limites, a consequência inevitável seria,
mais cedo ou mais tarde, a destruição das bases materiais da valorização do
capital, bem como da própria vida humana em geral.
Moishe Postone extrai da contradição entre
riqueza material e riqueza na forma do valor causada pela produção de
mais-valia relativa, analisada por ele em termos semelhantes, esta conclusão (POSTONE
1993/2003: 469):
" Deixando de lado considerações
sobre eventuais limites ou barreiras à acumulação de capital, uma das
consequências implícitas nessa dinâmica particular – maior crescimento da riqueza
material do que da mais-valia conseguida – é acelerar a destruição do ambiente.
Segundo Marx, resulta da relação entre produtividade, riqueza material e mais-valia
que a contínua expansão desta última tem consequências cada vez mais nefastas
para a natureza e para os seres humanos."
Em oposição expressa a Horkheimer/Adorno
(1969), para quem a dominação da natureza em si já representa o "pecado
original", POSTONE (1993/2003: 470) acentua que "a destruição
crescente da natureza, não deve ser vista simplesmente como consequência do
cada vez maior controle e dominação da natureza pelo homem." Este tipo de
crítica é insuficiente, porque não faz distinção entre valor e riqueza
material, sendo que a natureza não é explorada e destruída no capitalismo por
causa da riqueza material, mas por causa da mais-valia. Por causa do
desequilíbrio crescente entre as duas formas de riqueza, ele conclui (POSTONE
1993/2003: 471):
"O padrão que esbocei sugere que, numa
sociedade em que a mercadoria está totalizada, há uma tensão fundamental subjacente
entre considerações ecológicas e imperativos do valor, como forma de riqueza e
de mediação social. Isso implica, também, que qualquer tentativa de combater a
degradação crescente do ambiente no quadro da sociedade capitalista,
restringindo o modo de expansão desta sociedade, provavelmente seria ineficaz a
longo prazo – não apenas por causa dos interesses dos capitalistas ou dos responsáveis
políticos, mas principalmente porque a falta de expansão da mais-valia
resultaria realmente em graves problemas económicos, com grandes custos sociais.
Na análise de Marx, a necessária acumulação de capital e a criação de riqueza
na sociedade capitalista estão intrinsecamente relacionadas. Além disso... uma
vez que o trabalho na sociedade capitalista é um meio necessário para a
reprodução individual, os trabalhadores assalariados continuam dependentes do “crescimento"
do capital, ainda que as consequências ambientais ou outras do seu trabalho
sejam prejudiciais para si próprios e para os outros. A tensão entre as exigências
da forma de mercadoria e as necessidades ecológicas agrava-se com o aumento da
produtividade e, especialmente durante as crises económicas e em tempos de
desemprego elevado, coloca um sério dilema. Este dilema e a tensão em que tem a
sua causa são imanentes ao capitalismo. A sua solução definitiva não será
possível enquanto o valor continuar a ser a forma determinante de riqueza
social."
No plano da aparência, o dilema descrito apresenta-se
sob várias formas. Para citar um exemplo: Embora haja consenso em matéria de
política ambiental, no sentido de que a expansão global do american way of life, ou mesmo do "estilo de vida" da
Europa Ocidental, implicaria catástrofes ambientais de magnitude até agora
desconhecida, as instituições da política de desenvolvimento têm de prosseguir
exactamente esse objectivo, mesmo que ele se tenha entretanto tornado
irrealista. Ou, na terminologia utilizada aqui: o emprego realmente necessário para
a continuação da acumulação de capital, mesmo de apenas metade da força de
trabalho global disponível, no nível de produtividade entretanto atingido, com
o correspondente output material e consumo
de recursos, teria como consequência o colapso imediato do ecossistema da Terra.
Como pode ser observado todas as semanas no
trabalho no arame em torno do "ecologicamente necessário" e do "economicamente
viável" tornados incompatíveis, este dilema mostra-se também no tratamento
político da catástrofe climática anunciada, que é apenas um dos muitos
problemas ambientais. A política não pode emancipar-se do capital, uma vez que
mesmo o dinheiro dos impostos e, portanto, a sua própria capacidade de agir depende
do sucesso na produção de mais-valia. Portanto, ela já tem de saltar sobre a sua
própria sombra, só para tomar decisões que ficam muito abaixo das exigências objectivas
do problema a ser resolvido e que, mesmo assim, semanas depois são novamente aliviadas,
sob pressão de qualquer lobby do "economicamente viável".
Conclusão
No presente texto analisou-se de forma
bastante árida um ponto de vista específico, no entanto determinante para a
dinâmica capitalista, nomeadamente a produção de mais-valia relativa e suas consequências
para a valorização do capital. A necessária redução da complexidade e, com ela,
a supressão temporária de todos os outros aspectos do patriarcado produtor de
mercadorias entrado em crise é o tributo a pagar para uma exposição – espero eu
– compreensível. Assim, por exemplo, as distorções ideológicas que vêm de par
com a crise progressiva permanecem escondidas, tal como a desigualdade
crescente com que os diferentes grupos da população são atingidos pela crise: as
mulheres mais do que os homens e a classe média (ainda) em menor medida do que
a maioria já precarizada (ver Rentschler 2006, Scholz 2008).
Ficou também escondida a importância do
capital financeiro, sobre o qual por isso é preciso gastar aqui umas palavras,
porque é considerado por alguns como a verdadeira causa da crise, enquanto
outros pensam que ele poderia salvar o capitalismo antes do colapso final.
Ambos estão errados. A verdade é que, no capitalismo tardio, a valorização do valor
não seria possível sem o capital financeiro porque, no nível de produtividade
alcançado, os enormes agregados de capital há muito que deixaram de ser financiáveis
apenas com capitais próprios. Só que o capital financeiro tornou-se assim de
facto o “lubrificante" indispensável, mas não o "combustível"
para a produção de mais-valia, que continua ligada ao dispêndio de trabalho. Portanto,
é óbvio que a valorização do valor não começou a falhar porque o capital foge
deliberadamente para o sector financeiro, antes pelo contrário: como a valorização
do capital começou a falhar há várias décadas, o capital foge para o sector
financeiro, com os seus rendimentos superiores, embora fictícios do ponto de
vista do conjunto da economia. Esta fuga funciona – no sentido de um deficit spending keynesiano global e
contra qualquer ideologia neoliberal – em primeiro lugar adiando a crise; sendo
que quanto mais tempo isto funcionar, tanto maior será a explosão com que a
crise há-de prevalecer no final. A ideia, surgida da fantasia da virtualidade
pós-moderna, de um capitalismo que em qualquer caso seria propulsionado a longo
prazo por um sector financeiro saído dos seus limites, já não confrontado com a
produção de mais-valia real, é pelo menos tão bizarra como a ideia de uma
produção de mais-valia sem trabalho, simplesmente através da "força
produtiva ciência" (para um debate mais aprofundado destas ideias, ver
KURZ 2005: 223 sgs.).
Mas, se a produção de mais-valia pressupõe
a utilização de trabalho directo e a produção de riqueza material que lhe está associada,
a forma de produção de mais-valia segundo Marx adequada ao capitalismo
desenvolvido, que é a produção de mais-valia relativa, leva então a que para a
realização da mesma massa de mais-valia seja necessário um cada vez maior output material e um consumo de recursos
ainda maior. O processo de acumulação e expansão capitalista esbarra assim num
limite material absoluto cujo respeito tem de levar ao queimar da lógica da
valorização capitalista e cujo desrespeito tem de conduzir à destruição de suas
bases materiais e da possibilidade da vida humana em geral.
A escolha entre a peste (o desaparecimento
gradual do trabalho e as consequências sociais que isso implica no capitalismo)
e a cólera (o colapso ecológico) não é sequer uma alternativa, mas
provavelmente florescem-nos ambas simultaneamente – uma produção de mais-valia
em queda, enquanto aumenta o consumo dos recursos – acrescidas da perspectiva
de guerras pelos recursos materiais cada vez mais escassos e desperdiçados na valorização
do capital, e pelas oportunidades de ainda poder valorizar os seus últimos
restos remanescentes.
Previsões sobre a forma de desenvolvimento
da decadência seriam, por isso, com base nas investigações realizadas aqui, pura
especulação, pois dever-se-á já ter falado de um fim – de um modo ou de outro –
do capitalismo como formação social, mas em sentido diferente do mencionado por
HEINRICH (1999: 178) referindo-se à “teoria do colapso de Kurz":
"Para a esquerda, a teoria do colapso
historicamente sempre teve uma função de exoneração: não importava a gravidade
das perdas reais, o fim do inimigo era em última instância certo."
Até nisto ele está errado. Não se trata do
fim de um "inimigo", mas de nós próprios. A decadência previsível de
uma forma de sociedade – seja com doença lenta ou com grande estouro – cujos
membros ligados entre si no fetiche da mercadoria não sabem o que lhes acontece,
têm por natural a riqueza na forma da mercadoria e, portanto, mesmo após o fim
desta poderiam vegetar como sujeitos das mercadorias sem mercadorias, tal
decadência seria apenas mais uma, última derrota. E vice-versa: apenas uma abolição
do capitalismo, ou seja, da riqueza na forma do valor – e da forma de sujeito
por ela constituída – provocada pela acção humana consciente ainda oferece a
possibilidade de algo como uma sociedade pós-capitalista libertada. Teria que
chegar, no entanto, antes que o crescimento coercivo da valorização do capital
ligado à produção de mais-valia relativa tenha deixado atrás de si apenas terra
queimada. Já não resta muito tempo.
Notas
1. Do ponto de vista de uma única empresa,
o processo de valorização apresenta-se, de acordo com as regras, na forma c+v+m com o “capital constante" c, ou seja, os custos para as máquinas,
matérias-primas, etc, que não são produzidos na própria empresa. Na dinâmica da
inovação aqui descrita, porém, c não
muda nada. c foi aqui omitido desde o
início, porque é irrelevante para a consideração efectuada do ponto de vista do
conjunto da sociedade: ainda que o capital constante seja produzido (em outro
lugar), o tamanho do seu valor é o tempo de trabalho a ser gasto na média do
social, subdividido em trabalho necessário e trabalho excedente.
2. Além da aproximação das taxas de lucro
também as massas de mais-valia contidas em cada produto e, com elas, também os
efeitos dos ganhos de produtividade são redistribuídos. Os aumentos de
produtividade determinados sectores levam através de processos de adaptação a
mudanças na mais-valia e no lucro em todos os outros sectores. Mesmo sectores
cujos produtos só incluem "doses homeopáticas" de trabalho não são
menos rentáveis do que os outros. Portanto, também é insensato negar a estes
produtos a forma de mercadoria, como fez Lohoff (2007) (para uma crítica, ver KURZ
2008). Em vista do modelo de cálculo aqui realizado pode dizer-se que os
efeitos dos aumentos de produtividade em termos da massa de mais-valia
realizada são conformes com o próprio aumento de produtividade, sendo os
resultados da modelagem mais realistas do que os pressupostos na base dos quais
foram alcançados.
3. Isso não quer dizer, naturalmente, que
70 ou 80 por cento do valor criado esteja disponível para a acumulação de capital.
A partir da mais-valia produzida tem de ser financiado, por um lado, todo o
consumo do Estado e, por outro lado, também todo o trabalho (salários e lucros)
nas empresas não produtivas.
4. Daqui decorre que a facilitação da vida
humana a nível global pressuporia um plano consciente, orientada para a riqueza
material, portanto, mais ou menos o contrário de uma orientação para o mercado.
Além disso, numa sociedade não capitalista, no actual nível de produtividade, a
questão já não seria simplesmente menos trabalho, mas sim a sua abolição como
categoria.
5. Neste momento trata-se apenas do
aspecto quantitativo da dinâmica objectiva da valorização do capital. Em termos
de dissociação-valor, como reverso obscuro da orientação do sujeito (masculino)
para a valorização do valor e, portanto, como condição necessária da socialização
na forma do valor, valeria a pena uma investigação separada sobre se e em que
medida o capital socava os seus próprios fundamentos com a capitalização do
domínio "feminino" dissociado, cuja função para a valorização do
valor destrói a longo prazo. O aumento das doenças mentais e a incapacidade antecipada
para o trabalho por razões psicológicas apontam no sentido desta presunção, bem
como algumas situações que em parte já se tornaram insustentáveis na
assistência pública às crianças, aos doentes e aos idosos submetida ao regime
de tempo da economia empresarial.
6. O chamado teorema de Okishio surgido da
crítica neoricardiana a Marx, pelo contrário, refuta supostamente a “lei da
queda tendencial da taxa de lucro", o que também HEINRICH (1999a: 327 sg.,
2005: 148) aceita e gostaria de fazer valer contra a “tendência para o
colapso" do capital. O teorema de Okishio afirma apenas que um modelo
matemático especial (um modelo de produção comparativamente estático, linear, pelo
qual Marx é culpado de forma disparatada) não consegue demonstrar a queda da
taxa de lucro, mas tão-pouco implica o seu aumento. Isto mostra apenas que não
se deveria simplesmente abstrair das grandezas absolutas e dos seus limites,
como os modelos lineares fazem sempre.
Bibliografia
Habermas, Jürgen: Theorie
und Praxis. Sozialphilosophische Studien [Teoria e praxis.
Estudos de filosofia social], Frankfurt 1978
HEINRICH, Michael: Untergang des Kapitalismus? Die ‚Krisis‘ und die Krise [Queda
do capitalismo? A ‘Krisis’ e a crise], Streifzüge 1/1999
HEINRICH, Michael: Die Wissenschaft vom Wert [A ciência do valor], 2. Aufl.,
Münster 1999a
HEINRICH, Michael: Kritik der politischen Ökonomie. Eine Einführung [Crítica da
economia política. Uma introdução], 3. Auflage, Stuttgart 2005
Horkheimer,
Max / Adorno, Theodor W.: Dialektik der Aufklärung,
Frankfurt 1969 [Dialética do
esclarecimento, Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro, 1988]
Hüller, Knut: Eine Aufwertung
des Werts gegenüber dem Preis [Uma revalorização do valor contra o
preço], 2006
Kurz, Robert: Die Krise des
Tauschwerts [A crise do valor de troca], Marxistische Kritik 1,
1986, 7-48
Kurz, Robert: Die Himmelfahrt
des Geldes, Krisis 16/17, 1995, 21-76 [A ascensão do dinheiro aos céus]
Kurz, Robert: Der Unwert des
Unwissens. Verkürzte Wertkritik als Legitimationsideologie eines digitalen
Neo-Kleinbürgertums, EXIT! 5, 2008, 127-194 [O desvalor do desconhecimento. “Crítica do valor”
truncada como ideologia de legitimação de uma nova pequena-burguesia digital]
ISF: Der Theoretiker ist
der Wert. Eine ideologiekritische Skizze der Wert- und Krisentheorie der
Krisis-Gruppe [O teórico é o valor. Esboço de crítica da ideologia da teoria do
valor e da crise do Grupo Krisis], Freiburg 2000
Lohoff, Ernst: Der Wert des Wissens. Grundlagen der Politische Ökonomie des
Informationskapitalismus [O valor do conhecimento. Fundamentos da economia
política do capitalismo da informação], Krisis 31, 2007, 13-51
Postone, Moishe: Zeit, Arbeit und gesellschaftliche Herrschaft, Freiburg
2003; Original americano: Time, labor, and social domination [Tempo,
trabalho e dominação social], Cambridge NY 1993
Rentschler, Frank: Die kategoriale Abwesenheit des Geschlechts [A ausência
categorial do sexo], EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft 3, 176 –
209 , Bad Honnef 2006
Ricardo, David: Über die Grundsätze der Politischen Ökonomie und der
Besteuerung, Marburg 1994; Englisches Original: On the principles of
political economy and taxation [Princípios de Economia Política e Tributação],
3. Aufl. 1821
Trenkle, Norbert: Was ist der Wert? Was soll die Krise?, Streifzüge 3/1998
[O que é o valor ? A que se deve a
crise ?]
Scholz, Roswitha: Überflüssig sein und „Mittelschichtsangst“, EXIT! Krise und Kritik der
Warengesellschaft 5, 58 – 104 , Bad Honnef 2008 [O ser-se supérfluo e a "angústia
da classe média"]
Original Ein
Widerspruch von Stoff und Form. Zur Bedeutung der Produktion des relativen
Mehrwerts für die finale Krisendynamik in revista EXIT! Krise und
Kritik der Warengesellschaft, 5/2008 [EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da
Mercadoria, 6/2009], ISBN 3-89502-289-0, 256 p., 13 Euro, Editora: Horlemann
Verlag, Grüner Weg 11, 53572 Unkel, Deutschland, Tel +49 (0) 22 24 55 89, Fax
+49 (0) 22 24 54 29, http://www.horlemann-verlag.de/
Tradução de Boaventura Antunes e Lumir Nahodil, 02/2010