CONTAS
DE MERCEEIRO
Depois
da vergonha das previsões dos últimos anos, o relatório da Primavera dos
institutos económicos alemães regressa, logo no título, a uma avaliação
ambígua:
“A recuperação continua - os riscos permanecem elevados”. O anunciado
êxito
da economia nacional refere-se, em primeiro lugar, ao mercado de
trabalho: aqui
a grande queda tem sido evitada, ao contrário dos E.U.A. e dos outros
Estados
membros da União Europeia. Por detrás disso estão a redução do horário
de
trabalho com redução de salário e subvenção pública, a expansão do
trabalho a tempo parcial e do trabalho temporário, a continuação da
queda dos
níveis salariais e o aumento dos autónomos precarizados entre as classes
médias
qualificadas. Tanto a actividade económica como o tempo de trabalho têm
diminuído
e não se esperam novas contratações. Em suma, a catástrofe no mercado de
trabalho tem sido evitada, provisoriamente, à custa da redução do
rendimento
disponível, o que não aponta para uma recuperação da procura interna.
Também
é isso que se pretende, pois o relatório identifica como único factor de
recuperação uma procura externa atractiva. Que, naturalmente, não só
está
muito abaixo do nível dos anos anteriores à crise, mas também se espera
que
enfraqueça novamente já este ano, quando se esgotarem os programas
públicos
de estímulo às economias dos parceiros comerciais. Pelo que, como já foi
dito, se trata de contas de merceeiro, que não levam em conta a
globalização
nem os subsídios públicos à procura. São os próprios "factores de
risco" que suportam aquela "recuperação” modesta, porque o
problema da conjuntura económica baseada no deficit deslocou-se das
bolhas
financeiras para o crédito público. Segundo o relatório, só o deficit
federal anual terá de se reduzir até 2016 em cerca de 10 mil milhões de
euros. A reacção em cadeia a estas reduções drásticas de custos em todas
as
áreas públicas (o relatório menciona os "custos com pessoal" e o
"sector da saúde" como áreas com potencial de poupança) vai trazer,
por assim dizer pela porta das traseiras, o aumento do desemprego em
massa por
enquanto evitado. A alternativa seria uma política inflacionista com
consequências
imprevisíveis.
Os
próprios institutos dizem que uma política de redução de custos imediata
poderia estrangular a ainda fraca conjuntura económica da Primavera.
Isto é válido
para a RFA, mas não só. Se, como tem acontecido, se pretende que seja a
procura externa a trazer a salvação, o problema é meramente
externalizado
dentro da zona. Os excedentes comerciais da Alemanha em relação aos seus
vizinhos mais importantes subiram ainda mais na crise do ano 2009, não
em último
lugar graças à política doméstica de baixos salários. O circuito de
deficit
no Pacífico, entre a Ásia e os Estados Unidos, tem o seu equivalente na
União
Europeia, entre a Alemanha e os países do sul e do ocidente europeu.
Este
circuito de deficit agora só pode ser financiado precisamente através de
deficits públicos agravados que, no caso da Grécia, já levaram à beira
da
falência. Como poderão estes países asfixiar a conjuntura económica
interna
através de medidas de poupança ainda maiores e, simultaneamente,
absorver os
excedentes de exportação da Alemanha? Uma tal quadratura do círculo não é
possível. Os limites previsíveis dos programas públicos de estímulo à
economia e a segunda onda da crise então iminente em todo o mundo vão
levar a
um teste crucial da Zona Euro. Sobre isso o relatório prefere guardar
silêncio.
Original
RECHNUNG
OHNE DEN WIRT
in
www.exit-online.org.
Publicado em Freitag, 22.04.2010