Roswitha Scholz
VIVA O FETICHE!
Sobre a dialéctica da crítica do fetichismo no actual processo de ‘Colapso da modernização’. Ou: quanto establishment pode suportar a crítica social radical?
O texto examina em que medida a crítica do fetichismo no actual capitalismo em
colapso não constitui ela própria o pano de fundo da ideologia de crise. Se
outrora a crítica do fetichismo foi determinada por existências de bastidores,
hoje ela existe nas mais diversas cores e formas. Não apenas está infiltrada no
discurso da esquerda, mas ocupa mesmo círculos burgueses. E corre cada vez mais
o risco de se tornar parte da administração da crise e dum novo entrepreneurship
(empreendedorismo). O/a crítico/a do fetiche há muito se move num novo contexto
de rede oportunista, no declínio do capitalismo, o que ele/ela no fundo também
sabe. Em vez disso, será bom ganhar distância em relação à própria história
teórica, insistir numa dialéctica de crítica do fetiche e continuar “loucamente”
a intervir no sentido do reconhecimento intransigente de uma necessária "ruptura
categorial ou ontológica" (Robert Kurz). Por isso é preciso olhar com
desconfiança as soluções simples, em termos de uma crítica da dissociação-valor
rebaixada, tanto no contexto do seu tratamento científico como também na forma
de pseudo-concepções práticas. (Resumo na Revista EXIT! nº 12)
1. A Nova Leitura de Marx – breve história da crítica do fetichismo desde 1965 e
sua multiplicação/massificação hoje * 2. O "Novo espírito do capitalismo", o "Eu
empresarial" e a crítica do fetichismo * 3. Crítica do fetichismo e vida
académica * 4. Crítica do fetichismo, verdade e conteúdo * 5. Feminismo e
crítica do fetichismo * 6. A vontade de viver o mais possível “de modo não
fetichista”… * 7. Resumo: crítica do fetichismo como processamento da
contradição ou crítica radical?
1. A Nova Leitura de Marx – breve história da crítica do fetichismo desde 1965 e
sua multiplicação/massificação hoje
Após o fim do bloco de Leste no final da década de 1980, o marxismo ortodoxo ao
estilo do socialismo real ficou desacreditado. Procurou-se então um entendimento
de certo modo alternativo da obra de Marx, especialmente de O Capital,
que se encontrou não em último lugar na Nova Leitura de Marx, iniciada em meados
da década de 1960 e que, após um período de latência, começou a dar que falar
desde meados da década de 2000. Abstraindo dos precursores Rosdolsky, Pachukanis
e Rubin, o arranque da Nova Leitura de Marx pode ser visto na descoberta da
primeira edição de O Capital de Marx numa biblioteca de Frankfurt por
Hans-Georg Backhaus, a qual apresentava desvios significativos das edições de
O Capital anteriormente conhecidas. Backhaus, um aluno de Adorno, também
assumiu primeiramente a tarefa do seu professor de analisar à lupa a forma da
troca, ou do valor, como núcleo da teoria de Marx. É para aí que remete o
conceito de Nova Leitura de Marx (hoje já é preciso lembrar isso!). Neste
sentido se fez a "ronda subversiva" da reconstrução de um pensamento marxista
autêntico. Um ponto de rejeição aqui era o historicismo de Engels. Tratava-se de
críticar a unidade entre o lógico e histórico, de questões do modo de exposição
de Marx e do objecto e método de O Capital.
Nesta reconstrução participaram muitos autores, famosos e menos famosos. É de
mencionar aqui especialmente Reichelt, que trabalhava em discussão intensiva com
Backhaus, mas também Brentel, Pohrt e Breuer, Rakowitz, Wolf e Heinrich (nem
todos vêm do lado da escola de Frankurt, ligando-se Henrich mais a um
entendimento da ciência à maneira de Althusser). A discussão sobre a Nova
Leitura de Marx diminuiu no final dos anos setenta, até ganhar novo fôlego com a
publicação do ensaio de Hans-Georg Backhaus
Dialektik der Wertform [Dialéctica da forma do valor] (1997); a
revelação por assim dizer na década de 2000 veio com Die Wissenschaft vom
Wert [A ciência do valor] de Michael Henrich, cuja primeira edição apareceu
ainda nos anos noventa (Heinrich, 1999). Enquanto isso, Henrich tornou-se como
que a figura de proa de um movimento de leitura de O Capital. Ele e Ingo
Elbe são os principais representantes de uma interpretação de Marx que é
considerada com particular seriedade científica e, portanto, particularmente bem
adaptada como "ração para estudantes" (a), como escreve apropriadamente Joachim
Bruhn (2007). (1) Foi a editora Ça-ira a primeira a publicar estudos da Nova
Leitura de Marx, que há muito tempo eram como que secretos e que, na esteira da
Escola de Frankfurt, eram publicações para além da vida académica positivista e
orientada para a lógica formal, com a sua produção de conhecimento em série.
Elbe pretende de certo modo implementar essas abordagens teóricas do valor na
comunidade científica estabelecida. Na novilíngua da Nova Leitura de Marx lê-se
então: "A especificidade da Nova Leitura de Marx consiste principalmente no
conceito de forma política e económica. Formas de riqueza do capitalismo são,
portanto, objectualmente mediadas (valor), representadas por objectos (dinheiro
e outras formas de valor) e relações sociais entre produtores que aparecem como
meras propriedades das coisas (fetichismo/mistificação) nas condições de
socialização do trabalho baseadas na divisão privada do trabalho. Além da
historicização radical das formas de riqueza, a ênfase na natureza específica da
objectualidade económica e social revelou-se de particular importância. Somente
por meio de um conceito apropriado de mediação objectiva são compreensíveis
tanto as formas de riqueza social, com as suas tendências independentistas
intrínsecas, como também o seu impacto nas relações de vontade humanas, a forma
de organização da violência monopolizada e as formas de pensamento dentro dos
movimentos sociais" (Elbe, 2008, p. 587).
Em
oposição a isto, desenvolveu-se também uma crítica fundamental do valor
em ambiente não-académico desde meados da década de 1980, tendo como decano
Robert Kurz, com um círculo de jovens, principalmente do sexo masculino, cujo
órgão jornalístico foi primeiro a revista Marxistische Kritik (cf.,
também Krug, 2013), que no início dos anos noventa mudou o nome para Krisis.
Robert Kurz caracteriza a diferença da Nova Leitura de Marx designadamente da
seguinte forma: "O preço disso (que a atenção se centre na análise dos vários
aspectos da análise da forma do valor, R. S.) foi, em muitos aspectos, a
renúncia quase total à análise do processo social concreto e à classificação da
própria situação social" (Kurz, 2012, p. 22). O cerne desta intervenção na
teoria da crise por Kurz era a "contradição em processo", incluindo uma dimensão
de decadência do capitalismo, tendo como pano de fundo uma análise da relação
entre valor de troca e valor de uso, do trabalho abstracto, da produção de
mais-valia e, neste contexto, do desenvolvimento das forças produtivas. Kurz
escreve "que na produção de mais-valia relativa o próprio capital se torna ele
próprio o limite lógico absoluto... Uma vez que o capital já não consegue
expandir a criação de valor de modo absoluto, através de prolongamento da
jornada de trabalho, mas apenas consegue aumentar a sua quota-parte no novo
valor criado, por meio do desenvolvimento das forças produtivas, ocorre na
produção de mais-valia relativa um movimento contrário que tem de se consumir
historicamente a si mesmo… e tem de se desenvolver até à paralisação completa da
própria criação de valor... A produção de mais-valia relativa como
cientificização do processo de produção material envolve a tendência para
eliminar o trabalho produtivo directo vivo, que é a única fonte de toda a
criação de valor" (Kurz, 1986, p. 28). (2)
Esse processo trouxe consigo um aumento da actividade especulativa desde o
início dos anos 1970, com o abandono do acordo de Bretton Woods e a abolição da
cobertura em ouro do dólar dos EUA. Kurz, no entanto, em 1986, não parte do
princípio que há um colapso repentino, "apesar de quedas e falhas repentinas,
por exemplo, crashes de bancos, falências em massa etc. serem de facto partes
integrantes deste colapso", mas sim um "processo histórico, um período de talvez
várias décadas em que a economia mundial capitalista já não consegue sair de um
redemoinho de crise e processos de desvalorização, do desemprego em massa
crescente..." (Kurz, 1986, p. 35). No início da década de 2000 foi depois
traduzida a interpretação de Marx de Moishe Postone (Postone estudou em
Frankfurt nas décadas de 1970/80) que, no entanto, não trata da dimensão da
teoria da crise, mas assume uma reprodução sem fim do capitalismo e, talvez
também por isso, entre outras coisas, encontra comparativamente mais acolhimento
no actual debate sobre o renascimento de Marx (Postone, 2003).
Ainda em 2008 escreve Ingo Elbe: "Vivemos, pelo menos na República Federal, numa
situação em que a recepção Marx ameaça regredir à condição de hobby subacadémico...
o funcionamento da universidade trata Marx quando muito apenas marginalmente.
Uma das causas para esta superficialidade na recepção de Marx é a ignorância do
movimento de leitura de Marx desde meados dos anos sessenta, que realizou uma
recepção da obra de Marx numa amplitude e profundidade até então nunca vistas" (Elbe,
2008, p. 7 sg.). Por isso, para Elbe, trata-se "‘ter presente e trabalhar
criticamente’ os ‘serviços relevantes’ da ‘segunda vaga’ de recepção de O
Capital'. Uma contribuição limitada a alguns pontos-chave dessa elaboração é
o que pretende ser o presente trabalho (Marx im Westen [Marx no
Ocidente], R. S.). Ele deve expor o amplo debate sobre um adequado entendimento
do objecto e do método da crítica da economia de Marx, bem como as suas
implicações na teoria do Estado e da revolução. A exposição relativa à
problemática da teoria do valor concentra-se aqui na discussão realizada na
República Federal das questões fundamentais do primeiro capítulo de O Capital
e dos temas com elas relacionados de outros trabalhos de Marx sobre a
crítica da economia política" (ibid., p. 8 sg.). Esta situação alterou-se
completamente desde então. Publicações sobre os temas fetichismo, crítica do
valor, alienação, reificação, entre outros (onde se inclui também o trabalho de
Elbe) surgiram desde meados da década de 2000 como cogumelos. A obra de Elbe,
como literatura secundária destinada a ampla divulgação, também contribuiu muito
para que a teoria do valor de Marx abandonasse a sala dos fundos e as catacumbas
e para que a academia agora finalmente aceitasse oficial e "seriamente" este
grande tema.
Quando eu falar de seguida em crítica do fetichismo, refiro-me a uma síndrome
que se relaciona difusamente com vários aspectos deste conceito, operando-se com
categorias como mercadoria, dinheiro, troca de equivalentes, trabalho
assalariado e outras, sem que tenha de ocorrer o conceito de fetichismo. Num
sentido mais amplo, entende-se aqui a hipótese de uma "autovalorização do valor"
como "lógica basilar" no discurso científico de esquerda, que pode ser expresso
não apenas numa preocupação com a reificação, a alienação, acompanhado por uma –
superficial – crítica do trabalho (assalariado), mas também em termos de lógica
do capital (D-M-D’), cujos limites de facto há muito tempo são reconhecidos (em
termos económicos, mas especialmente ecológicos); a conclusão dominante central,
no entanto, é comum: sem economia de mercado nada funciona; um pouco de economia
de mercado é inevitável mesmo num cenário de "utopia" pós-capitalista e só nesse
contexto ocorre uma crítica do capitalismo "fundamental", radical.
A
consequência da alta (da crítica) do fetichismo é que o próprio tema do fetiche
já tenha sido assumido pela vida académica burguesa – tanto se espalhou já este
tema. É de mencionar aqui em particular o livro de Hartmut Böhme Fetischismus
und Kultur [Fetichismo e Cultura] (2006 – para a crítica ver Ortlieb, 2007).
Para além de variantes de orientação keynesiana e da teoria da regulação, também
um incensar das pequenas redes, da economia solidária, commons e
movimento open source é explorado como meio de crítica do fetichismo,
esquecendo-se que deveria tratar-se da crítica da realidade social, para além
dos romantismos, e sem saltar para o barco do iluminismo (o último caso é
especialmente verdadeiro para aquelas orientações que se relacionam de algum
modo com a crítica da dissociação-valor). Aqui alguns também gostariam de tornar
a crítica da (dissociação-)valor capaz de ser admitida (na corte) na
universidade, mesmo se o problema da "verdade" de algum modo incomoda. Há muito
que está em curso a passagem de "mil marxismos" (Tosel, cit. por Koch/Damitz,
2010, p. 24) para "mil críticas do valor / do fetichismo". Um renascimento Marx
no sentido de uma "diversificada" crítica do fetichismo embebe, pelo menos desde
2005, grande parte da esquerda, que quase perde a sua identidade.
Robert Kurz, no texto Crise mundial e ignorância (2009), ainda
considerava que a teoria do fetichismo e a teoria da crise não seriam
devidamente tidas em conta, o que também se aplica à tese do colapso por ele
definida. Hoje, poucos anos mais tarde, esta situação apresenta-se diferente. Na
feira anual das críticas do fetichismo também a possibilidade de colapso do
capitalismo, cujos/as defensores/as ainda não há muito tempo levavam na cabeça,
já não é fundamentalmente excluída por alguns dos estabelecidos. Os produtores
no âmbito da teoria social de uma "ciência normal desdentada" (Dörre/Lessenich,
Rosa, 2009) armam-se agora com Marx. Tal como uma vez, no início da década de
1990, legiões de marxo-feministas se tornaram desconstrutivistas, assim hoje de
algum modo se sabe novamente de Marx. Se a crise fundamental se torna palpável,
o reconhecimento do fetichismo vem como uma espécie de experiência de
Pentecostes, também sobre toda aquela esquerda que antes não queria saber nada
disso.
2. O "Novo espírito do capitalismo", o "Eu empresarial" e a crítica do
fetichismo
Para mostrar que a crítica (radical) do fetiche, justamente no capitalismo EM
DECADÊNCIA, não está de modo nenhum imune a ocupar um papel afirmativo, quase
podendo também ter uma função de travagem quando se trata de mudança radical,
parece-me ser útil pegar na crítica de Boltanski/Chiapello ao novo espírito
do capitalismo, bem como no seu livro homónimo (2006). A tese central é que
o capitalismo está sempre dependente da sua crítica (radical) para poder evoluir
e desenvolver-se. Eles vêem como condutores do capitalismo nas últimas décadas
especialmente os "novos movimentos sociais". Suas ideias de emancipação,
autonomia, criatividade etc., e em particular a ideia de trabalho em rede, entre
outros, já entraram nas concepções de gestão e começaram a marcar
generalizadamente as formas de trabalhar e de viver de um novo capitalismo. A
orientação por projectos, originalmente existente na esfera da arte e da
ciência, impõe-se assim tendencialmente a toda a sociedade. A meu ver, Boltanski/Chiapello
podem aqui ajudar muito a descobrir as CONDIÇÕES FETICHISTAS sob as quais HOJE É
OPERADA A CRÍTICA DO FETICHISMO. Assim a crítica do fetichismo tem de ser
actualmente colocada num novo cosmos de projecto e de rede. Complementarmente a
Boltanski/Chiapello, Ulrich Bröckling elaborou, de certa maneira do lado
subjectivo, os contornos de um "eu empresarial" que também é importante para uma
análise crítica do fetichismo à crítica do fetichismo de hoje (Bröckling, 2007).
Se
aqui argumentamos com Boltanski/Chiapello, e também com Bröckling, isso em nada
significa tomar as suas concepções com armas e bagagens. A amálgama de Marx e
Weber, por exemplo, bem poderia ser problematizada em Boltanski/Chiapello. No
entanto, deve perguntar-se se a totalidade capitalista actual não se está a
libertar de uma teoria única (Adorno). Isso não significa de modo nenhum
proceder de modo ecléctico "como que com uma caixa de ferramentas" (a partir de
ponto de vista arbitrário, subjectivista, que não toma conhecimento do fetiche),
mas sim ter em conta o facto de que a sociedade capitalista não pode ser
determinada apenas com as categorias de Marx, quando se trata de determinar a
"totalidade concreta" (ver também Scholz, 2009). As considerações de Boltanski/Chiapello
e Bröckling são adequadas para descrever fenomenologicamente o capitalismo
tardio pós-moderno e apresentar os correspondentes mecanismos, regulamentos,
práticas, estilo de vida etc., quando se tornam simultaneamente palpáveis a
totalidade abrangente e a individualização. Nos meus trabalhos anteriores, o
principal objectivo era enfatizar sobretudo o plano abrangente macro ou meta da
crítica da dissociação-valor, mas agora devem ser tidos em consideração os
mecanismos meso e as dimensões subjectivas, em ligação com o plano da forma,
justamente no que diz respeito ao próprio tema da crítica do fetichismo.
Boltanski/Chiapello determinam o núcleo do capitalismo – mesmo que virado
problematicamente à maneira de Weber – com uma definição minimalista, baseada em
Heilbronner, da seguinte forma: “Repor perpetuamente em jogo o capital no
circuito económico com o objectivo de extrair lucro, ou seja, aumentar o capital
que será novamente reinvestido, esta é a característica principal do
capitalismo, aquilo que lhe confere a dinâmica e a força de transformação que
fascinaram os seus observadores, mesmo os mais hostis. A acumulação de capital
não consiste num amontoar de riquezas, ou seja, de objectos desejados pelo seu
valor de uso, pela sua função ostentatória ou como signos de poder. As formas
concretas da riqueza (imóveis, propriedades industriais, mercadorias, moeda
etc.) não têm interesse em si e, por sua falta de liquidez, podem até constituir
obstáculo ao único objectivo que importa realmente: a transformação permanente
do capital dos bens industriais e de outras aquisições (matérias-primas,
componentes, serviços etc.) em produção, da produção em dinheiro e do dinheiro
em novos investimentos. Esta dissociação entre o capital e as formas materiais
de riqueza confere-lhe um caráter realmente abstracto que vai contribuir para
perpetuar a acumulação" (Boltanski/Chiapello, 2006, p 39). Para
Boltanski/Chiapello também é central que: “Para manter o seu poder de
mobilização, o capitalismo tem de obter recursos fora de si mesmo, nas crenças
que em determinado momento têm importante poder de persuasão, nas ideologias
marcantes, inclusive nas que lhe são hostis, inseridas no contexto cultural em
que ele evolui. O espírito que sustenta o processo de acumulação em dado momento
da história está assim impregnado pelas produções culturais que lhe são
contemporâneas e que foram desenvolvidas para fins na maioria das vezes
completamente diferentes da justificação do capitalismo” (ibid., 58 sg.). (3)
Boltanski/Chiapello assumem que nas últimas décadas ocorreu um deslocamento da
"crítica social" para "crítica estética": “No caso da crítica social, os
deslocamentos do capitalismo engendraram um mundo difícil de interpretar e de
combater com os instrumentos forjados ao longo dos cem anos anteriores pelos
movimentos de protesto baseados ideologicamente na taxonomia das classes sociais
que se impuseram a partir da Segunda Guerra Mundial e, na prática, baseados nos
movimentos políticos e sindicais capazes de fazer ouvir uma interpretação da
sociedade diferente da oriunda das elites económicas. Essas dificuldades foram
acentuadas pela implosão dos regimes comunistas em todo o mundo” (ibid., p.
373). E continuam: “Quanto à crítica estética, a sua crise é antes o resultado
do aparente sucesso que obteve e da facilidade com que foi assumida e
aproveitada pelo capitalismo... A exigência de AUTONOMIA foi integrada aos novos
dispositivos empresariais… A exigência de CRIATIVIDADE, feita sobretudo pelos
assalariados portadores de diplomas de nível superior, engenheiros ou
executivos, teve um reconhecimento inesperado há… anos, quando ficou evidente
que uma parte cada vez maior dos lucros provinha da exploração dos recursos de
inventividade, imaginação e inovação, desenvolvidos nas novas tecnologias e
sobretudo nos sectores em plena expansão dos serviços e da cultura” (ibid., p.
375 sg., destaque no original). Neste contexto, a "rede" e o "trabalhador de
projecto" constituem figuras centrais: "Acima de tudo, os assistentes sociais ou
os membros do pessoal administrativo estão ligados às autoridades locais, com as
quais colaboram na instauração de PROJECTOS LOCAIS e limitados no tempo” (ibid,
p. 386, destaque no original). Boltanski/Chiapello falam aqui de uma "polis
baseada em projectos" hoje. (4)
O
esforço de independência e não-compromisso desempenha aqui um papel importante:
“A exigência de independência pressupõe, em primeiro lugar, renúncia à
estabilidade e ao enraizamento, ao apego a um local e à garantia oferecida por
contactos de longa data. Nestes termos, investir é largar o pássaro da mão e
deixá-lo voar, isto é, não se fechar em relações pré-estabelecidas e ficar
disponível para tentar novos contactos, mesmo que estes venham a fracassar… A
extensão da rede de contactos, portanto, exige que se renuncie à amizade… O
grande titular de valências da polis orientada por projectos também é
independente porque está liberto do peso das suas próprias paixões e dos
seus valores; aberto ao diferente (ao contrário das personalidades rígidas,
absolutistas, apegadas à defesa de valores universais). Pelas mesmas razões, ele
não é crítico (salvo para defender a tolerância e a diferença). Nada deve
sobrepor-se ao imperativo de ajustamento nem limitar a sua liberdade de
movimentos… O homem independente sacrifica certa interioridade e fidelidade a si
mesmo, para ajustar-se melhor às pessoas com as quais entra em contacto e às
situações sempre em mudança” (ibid., p. 169 sg., destaque no original). Quem não
está inserido numa rede corre o risco de isolamento, mesmo de banimento.
O
tipo criativo pós-moderno desenha-se agora da seguinte maneira: “São, por
excelência, as competências de um manager ou gerente de projecto móvel,
independente, capaz de estabelecer e manter ligações numerosas, diversas e
enriquecedoras, e com capacidade para ampliar as redes.” (ibid., p. 392). Numa
palavra: "O trabalho de mediação, de estabelecimento de redes, de construção de
contactos torna-se um valor em si mesmo e a metáfora da rede torna-se uma
heurística que emerge em todos os contextos" (Kunkler, 2008, p. 34, nota 1). O
conteúdo passa para segundo plano.
À
semelhança de Boltanski/Chiapello, Bröckling assume que a auto-responsabilidade,
a emancipação, a autonomia, a auto-realização, a autodeterminação, a
responsabilidade pessoal e a liberdade de escolha pertencem ao novo "eu
empresarial" e têm as suas raízes nos "novos movimentos sociais". Mas, ao
contrário de Boltanski/Chiapello, Bröckling procura o "novo espírito do
capitalismo" principalmente no plano subjectivo: "Importante para a genealogia
do eu empresarial é a referência a raízes na contra-cultura, especialmente da
nova autonomia, porque supõe explicações da vocação empresarial com base na
teoria da repressão. Esta forma de sujeito seria fundamentalmente mal
interpretada como uma orientação particularmente pérfida dos indivíduos ao
serviço de um novo regime de acumulação. Pelo contrário, o eu empresarial pôde
tornar-se uma figura hegemónica apenas... porque se juntou a um desejo colectivo
de autonomia, auto-realização e trabalho não alienado. Sem as energias utópicas
e as lutas concretas dos novos movimentos sociais, sem as suas experiências com
formas não hierárquicas de organização, sem a recusa maciça de conduzir as suas
próprias vidas nas vias pré-determinadas de uma biografia padrão fordista, este
modelo de papel nunca seria capaz de desenvolver uma tal força de atracção"
(Bröckling, 2007, p. 58). De resto já Kurz tinha formulado isto de modo similar
(ver Kurz, 1988, p. 35 sg.). No neo-liberalismo, o eu de protesto, inicialmente
alimentado "de baixo", transforma-se então em figura social modelo, que agora
também se encontra em programas de governo e é propagandeada pelo mercado.
Bröckling apresenta também o artista como modelo para o novo "eu empresarial",
como seu afortunado forjador no estilo neoliberal, que deve ser cada vez mais
perfeito (aprendizagem ao longo da vida, auto-optimização, por exemplo).
Estas análises sobre o "eu empresarial" baseiam-se em estudos anglo-saxónicos
sobre "governamentalidade" recorrendo a Michel Foucault. A questão central aqui
é como "técnicas de governação" se encontram com "tecnologias do eu": "Na figura
do eu empresarial condensam-se tanto a imagem normativa do homem quanto uma
variedade de tecnologias pessoais e sociais actuais, cujo ponto de fuga comum é
a orientação de toda a vida pelo modelo de comportamento do Entrepreneurship (empreendedorismo,
R. S.). O topos não só reúne um cânone de máximas de acção, mas também define as
formas de conhecimento em que os indivíduos reconhecem a verdade sobre si
mesmos, os mecanismos de controlo e de regulação a que estão expostos, bem como
as práticas com as quais interagem consigo mesmos" (Bröckling 2007, p.47). Neste
contexto Bröckling elabora os contornos de um “eu de projectos” envolvendo as
considerações de Boltanski/Chiapello: "Com base na relação do indivíduo consigo
mesmo obtém-se a imagem de um ego não só plural, mas também altamente fluido,
que se recombina em contextos sempre novos. A palavra-chave de uma identidade
patchwork nas teorias da subjectividade dos anos 80 e 90 terá de ser ainda
mais radicalizada: o “eu de projecto” assemelha-se não a uma manta de retalhos
que, uma vez costurada, não muda mais o seu padrão, mas a um caleidoscópio, que
mostra um padrão novo após cada abanão. Como este projecto é, por sua vez,
composto por uma variedade de projectos de trabalho, de relacionamento, de
lazer, de saúde, etc., a sua autoliderança avança para a gestão da ‘carteira de
projectos’ individual" (ibid., 279).
As
considerações de Boltanski/Chiapello e Bröckling também têm implicações para
os/as críticos/as do fetichismo. Há o risco de uma orientação oportunista da
crítica do fetichismo, demasiado atenta à rede, se tornar ela própria um
contexto de rede para os/as trabalhadores/as de projecto e empresários/as de si
mesmos/as no contexto de um capitalismo em decomposição. Perante este pano de
fundo já se pode saltar de um projecto de crítica do valor / do fetichismo para
outro, com o pretexto de não se poder ser assim tão dogmático! Assim se consegue
também – com toda a flexibilidade – ser definido e apresentar-se como
“autêntico” crítico do fetichismo conforme as necessidades, quando isso for
oportuno em situação de conflito da respectiva rede-projecto. Isto não pode ser
confundido com o velho apparatchik do marxismo do bloco de leste, apesar
de algumas semelhanças. Mesmo este tinha de permanecer numa linha que se
modificava, para como tal conseguir talvez chegar ao topo do governo como
funcionário de um estatuto de poder. Hoje, no entanto, já não está claro o que é
a linha. A crítica do fetichismo dissipa-se na diversidade pós-moderna, que no
entanto consegue constituir uma afirmativa linha de declive, como difuso ponto
de referência no patriarcado capitalista decadente (vou voltar a esta questão).
A
crítica radical do fetichismo e os seus representantes estão agora, e justamente
em tempos de inflacionamento de críticas do fetichismo, expostos a novas
exigências de adaptação, em contraste com as suas origens. Nada pode agora
restringir a "liberdade de movimento" do/a crítico/a do fetiche; ele/ela não
deve "deixar-se fechar em relações pré-estabelecidas, nem tão-pouco em conteúdos
pré-establecidos". Ele/ela deve “ser flexível" e como "grande titular de
valências" libertar-se das paixões e das substancialidades fixas da crítica (Boltanski/Chiapello,
2006, p 169 e sg.)
Parece-me irrelevante se num contexto científico o "trabalhador de projecto" se
apresenta como "tipo ideal", como em Boltanski/Chiapello, ou como "figura
apelativa", como em Bröckling, mas sim que os correspondentes sujeitos críticos
do fetichismo REAIS, no contexto do reconhecimento de uma crítica do fetichismo
abrangente, tendem a ser sugados pelos regulamentos, mecanismos, tecnologias do
eu, práticas etc. definidas como fetichistas por Boltanksy/Chiapello e Bröckling.
Neste sentido, o/a crítico/a do fetichismo assim entendido/a atravessa as mais
diversas orientações e "projectos" de crítica do fetichismo.
3. Crítica do fetichismo e vida académica
O/a crítico/a do fetichismo
aparece com frequência nas imediações de uma universidade tradicionalmente
carregada de títulos. É notório que a tentativa de tornar a crítica do valor /
do fetichismo funcionária da universidade vem num momento que, na sequência da
privatização, mercantilização, etc. – no contexto da tendência de desvalorização
do valor, hoje – pouca esperança pode haver em tal estabelecimento; o futuro
do/a trabalhador/a científico/a crítico/a do fetichismo é precário. Por um lado.
Por outro lado, no entanto, foi aqui criado, pela ignorância no que respeita à
Nova Leitura de Marx, um campo não esgotado, que ainda pode ser arado
extensivamente e que poderá fazer surgir "lugares" (ainda que bastante virtuais)
no futuro. Talvez haja algo mais! Um mal-estar social de classe média, que teme
a queda, pode assim talvez traduzir-se em termos de carreira de classe média, o
que então, no entanto, também tem consequências para a forma e o conteúdo da
teoria / da crítica (ver abaixo). Mesmo se ele/ela é “muito cioso/a” da sua
reputação, ele/ela tem de ser original (embora não muito), que a concorrência
não dorme; ao mesmo tempo, é necessário que ele/ela, no entanto, evite perder as
boas graças de alguém, pois qualquer um ainda pode ser útil; portanto, o melhor
é nunca falar sem rodeios e evitar a polémica (ser o mais possível comedido e
"razoável"), quando a crítica do fetichismo se tornou uma oportunidade de fazer
render os seus talentos e se trata de avançar na academia e/ou no milieu
dos círculos de esquerda.
Bröckling escreve: "A
actividade académica fornece material ilustrativo abundante para o estudo dos
universos de projecto em geral. ... A necessidade de apresentar as suas
pesquisas como um projecto e ir adquirindo sempre novos projectos, empurra as
próprias semânticas, os caracteres sociais e os tipos de eventos para diante...
Os projectos de pesquisa produzem géneros literários altamente artificiais, como
a “prosa proposicional”, a arte, seja qual for a questão a talhar no feitio de
uma ficha técnica da DFG (b), e começando por construir em primeiro lugar
aquelas lacunas que de seguida se promete tapar. Projectos que produzem os
veteranos da pesquisa, com experiência em colégios de pós-graduação, centros de
investigação em colaboração e grupos juniores, arrastando-se de contrato a prazo
em contrato a prazo, sem cujas rotinas e truques dificilmente um projecto
sobreviveria a uma avaliação ou um relatório final ficaria pronto, sobre cuja
existência precária, no entanto, a aristocracia dos postos universitários lança
um olhar de desdém, com um misto de pena e desprezo" (Bröckling de 2007 p. 249
sg.). Bröckling cita Joachim Matthes que já em 1988 escreveu: "Surgem ‘reactores
de enriquecimento rápido’ de projectos para fins alimentares, muitas vezes
apoiados por equipas de pesquisa registadas a partir do círculo dos que precisam
de ser alimentados" (Matthes, cit. por Bröckling, 2007, p. 250). "Os projectos
de investigação também são em última análise os principais responsáveis pelo
grassar de conferências académicas. Porque os orçamentos prevêem fundos para
isso, porque é preciso provar quaisquer actividades para o próximo pedido de
renovação e, não em último lugar, porque as comunidades científicas são quase
viciadas em oportunidades de comunitarização, já por causa do trabalho em rede,
o pessoal académico faz turismo de conferência em conferência, de um workshop
para um simpósio, assim produzindo antologia atrás de antologia. Tudo isto tem
pouco a ver com uma comunicação eficaz da investigação, e muito menos da
descoberta, tendo muito mais a ver com obrigações de apresentação da ciência
organizada na forma de projecto" (Bröckling, 2007, p. 250). Certamente que houve
e há – adivinhem – muitas conferências e congressos sobre o "novo espírito do
capitalismo" e o "eu empresarial", embora este boom entretanto também já esteja
algo em diminuição.
Sob as actuais condições de
Bologna, de licenciatura e de mestrado também se mostra claramente que "a
lógica: ‘fase de qualificação – a prazo e a tempo parcial; fase de
pós-doutoramento – emprego de longa duração a tempo inteiro’ já não bate certo,
pelo menos para uma grande parte das disciplinas. Com o crescimento da pesquisa
financiada externamente – e com uma nova dinâmica desde a introdução do ‘regime
de financiamento externo’... cresce a proporção de cientistas doutorados que
continuam com contratos temporários e a tempo parcial. O número crescente de
pessoas que fizeram da ciência a sua profissão, perante um número de lugares
quando muito estagnado, de modo nenhum aumenta a probabilidade de que as
‘carreiras a prazo’ predominantes desemboquem normalmente num emprego
permanente. Emprego permanente no corpo docente universitário não catedrático,
em qualquer caso, dificilmente pode ser considerado como uma alternativa real
para um cargo de professor com as actuais práticas de contratação, pois a
evolução numérica mostra uma queda significativa. É prática corrente em muitas
universidades preencher tais posições, quando ficam livres, com pessoas com
contratos de trabalho a prazo, agravando assim ainda mais a concorrência pelos
postos de trabalho permanentes nas universidades" (Banscherus entre outros,
2009, p. 31). No contexto da crítica do fetichismo isso significa que: mesmo se
excepcionalmente se consegue chegar a professor/a universitário/a, também então
a obtenção de dinheiro para “o projecto” continua a ser um momento central da
profissão ou job. Principalmente há que criar animais amestrados, nem que
seja através da minuciosa leitura de O Capital, a qual depois, por outro
lado, também deve ser sob muita pressão "responsavelmente" ultra-criativa e
radicalmente inovadora, obviamente no contexto de um determinado
instituto/professor de "esquerda".
4. Crítica do fetichismo, verdade e conteúdo
Uma consequência fatal para a
crítica do fetichismo, e não a última, é serem assumidos os standards da
ciência e da teoria burguesas a que ela pretenda corresponder. Se um pagamento
material bastante aceitável e uma posição cómoda na academia já não são
prováveis (mas nunca se perde a esperança) trata-se então pelo menos de ganhar
"capital cultural" (Bourdieu). Assim se orienta uma pessoa no fundo pelos velhos
ideais de ciência e correspondentes ideias "corporativas" de toga e título.
Quase se pode dizer que o/a crítico/a do fetichismo procura vestes cujo mofo de
mil anos já era conhecido pelos de 68. Como não é provável que o tempo livre e o
indispensável lazer, bem como os recursos materiais necessários para elaborar os
conhecimentos científicos e teóricos possam ser reclamados a uma "universidade
empresarial", como exigem Banscherus & Cª, há muito tempo se desenvolve a
tendência para trazer a crítica do fetichismo para o nível dos textos
científicos usuais, escritos de forma rotineira. Não é o conteúdo e a
(descoberta da) verdade intransigente que é importante, mas sim o modo como a
crítica do fetichismo pode ser reescrita, para se encaixar e poder ser
financiada no projecto/na academia!
Que o financiamento
convencional das universidades tenda agora a ir por água abaixo e sejam
fundações, como a Fundação Rosa Luxemburgo, a assumir o financiamento não torna
as coisas melhores. Assim me dizia já há alguns anos uma conhecida, antes
influenciada pelos anti-alemães: na verdade, nós agora devíamos votar no Die
Linke, para continuarmos a obter financiamento.
Enquanto isso, também as
editoras da ciência "séria" estão cheias de desdobramentos de análises da forma
do valor / da teoria do valor. Entre vários aspectos, procura-se com o moinho da
teoria do valor tanto quanto possível apanhar o pesado contexto de raça, classe,
género (ver, por exemplo, Lindner, 2011). Em antecipação dos empregos na
universidade, mesmo apenas possíveis, que são raros nas actuais condições de
decaimento do patriarcado capitalista, o objectivo é antes de mais uma questão
de ser convidado para fazer contacto com outros críticos do fetiche, com quem se
pode estabelecer ligação em rede, e assim ser convidado para as conferências e
congressos, e poder publicar nas respectivas revistas e colectâneas, mesmo fora
da universidade. Em condições precárias, isso também significa que agora ainda é
mais verdadeiro o que sempre foi considerado para contextos académicos: andar
atrás do prof é essencial para se poder "ser alguém". E se a coisa não funciona
na universidade, hoje até mesmo uma reputação como crítico/a do fetichismo
freelancer já é alguma coisa! Além disso, uma tese de doutoramento sobre
crítica do fetichismo já não é mau. Podemos seguramente assumir que, no contexto
da "gestão da ‘carteira de projectos’ individual'', também a ciência/teoria
crítica do fetichismo há muito que sucumbe às “exigências de apresentação de uma
ciência organizada como projecto”, o que a organização da crítica do fetichismo
à maneira de empresa livre também permite. Quase não se vê uma dissertação de
esquerda sem uma referência à crítica do fetichismo, independentemente da sua
formulação – mesmo considerando-a apenas como pano de fundo, ou até em oposição
a ela. A crítica do fetichismo estabeleceu-se há muito tempo, há muito tempo é
parte indispensável da "universidade empresarial". Assim, a crítica do
fetichismo pode ser encontrada hoje em todos os tipos de amálgamas, por exemplo
com Foucault, mas também com Luhmann, Bourdieu e outros teóricos. Material para
tais teses não falta.
Neste contexto, gostaria
agora de abordar sobretudo três tendências e correntes, que até agora se
apresentam como linhas principais de "crítica do fetichismo".
Como já mencionado,
constituiu-se uma por assim dizer inteligência funcional da teoria do fetichismo
/ do valor à la Elbe, Heinrich e outros, que prepara os seus temas em
conformidade, situação em que a crítica do fetichismo / do valor fica congelada.
Questões como o modo de exposição de Marx, questões relativas ao objecto e ao
método de O Capital e questões sobre a unidade entre o lógico e o
histórico são respondidas favorecendo de preferência a estrutura (Althusser,
entre outros). NESTE SENTIDO são postos problemas de capacidade de suporte
científico. Os capítulos históricos de O Capital, portanto, são meras
ilustrações. A REALIDADE social em processo interessa aqui apenas
secundariamente, o importante para esta interpretação é que O Capital de
Marx funcione sobretudo como modelo de pensamento. As categorias marxianas não
são percebidas como categorias reais. O capitalismo sobrevive realmente para
sempre, automaticamente, por si só, apenas a sua face vai mudando. A crítica do
fetichismo é remetida para uma existência reificada, na rigidez do método; com a
consequente perda da substância crítica (para a crítica ver Kurz, 2012).
Mas, como contraponto a isto,
também se glosa entretanto o fetichismo com força na tradição de Habermas, em
termos da teoria da acção e da ética. Axel Honneth destaca-se aqui
explicitamente com a colectânea de ensaios
Verdinglichung. Eine
anerkennungstheoretische Studie
[Reificação. Um estudo da teoria do reconhecimento], na qual não recuou perante
um casamento com Heidegger (Honneth, 2005). Na mesma linha está Rahel Jaeggi,
com o seu livro
Entfremdung. Zur Aktualität eines sozialphilosophischen Problems
[Alienação. Sobre a actualidade de um problema sócio-filosófico]. Por alienação
entende ela "indiferença e desavença, impotência e falta de relacionamento para
consigo mesmo e para com um mundo sentido como indiferente e estranho" (Jaeggi,
2005, texto de badana). Depois de as tendências profundas de crise agora já não
poderem ser negadas nem escondidas, tenta-se afanosamente incorporar Marx na
própria concepção (anteriormente desdentada). Durante anos este foi deixado de
lado, como teórico já não adaptado aos tempos que correm, agora têm de LHE ser
imputados déficits, particularmente um déficit ético e normativo. Assim descreve
Jaeggi, por exemplo, uma "perspectiva ética", invocando a tradição de uma
interpretação frankfurtiana à maneira de Habermas: "Parece ser para o
capitalismo bastante característico que ele nega esse carácter de valor e por
isso a circunstância de que ele é uma determinada forma de vida – que
correspondentemente se pode e deve avaliar e correspondentemente também
tem de ter alternativas. Talvez isso seja razão suficiente – que seria uma
espécie de metarazão – para acreditar que há no capitalismo qualquer coisa que
não está bem: ‘quem encobre algo tem algo a esconder’" (Jaeggi, 2013, p. 343 sg.,
destaque no original). Invertendo um aforismo de Brecht, poder-se-ia dizer:
primeiro a moral, depois a comida! Também ocorre involuntariamente a citação de
Lenine: "Revolução na Alemanha? Isso nunca será nada, os alemães, quando querem
atacar uma estação ferroviária, ainda compram um bilhete de gare."
Assim são completamente
"esquecidos" Backhaus/Reichelt, Kurz e outros pioneiros da análise da forma do
valor / da crítica do valor, os quais, numa resignada existência de bastidores,
não puderam (nem quiseram) concorrer com a corrente de Habermas / de Honneth na
economia da atenção da scientific community. Procede-se como se nunca
tivesse havido uma oposição frontal – de um lado Marx, crítica da economia
política, crítica da reificação e do outro Habermas, com a sua "Teoria da acção
comunicativa" formulada numa análise sociológica. (5) Correspondentemente, a
moral / a ética e a normatividade constituem o tema central de tais
interpretações de Marx. Vê-se menos as próprias deficiências, e que há anos se
anda a vadiar pelas cenas laterais normativas, o que bem serviu para a
"pacificação do conflito de classes" (Habermas) – no fundo todos são sustentados
com base no Estado de bem-estar – e consegue-se agora patinar tranquilamente
para este nível e fazer da normatividade o problema de base. Pode supor-se
nomeadamente que em Jaeggi a verdadeira crítica visa menos o capitalismo do que
os/as teóricos/as marxistas que consideram a própria ética como imanente ao
capitalismo. Estas críticas têm agora de ser postas em movimento em termos de
teoria da acção e morais, como se Kant, enquanto instância eterna e fundamento
filosófico da sociedade burguesa, não fosse ele próprio pesadamente suspeito de
ideologia. Se o pensamento de Marx não pode ser evitado, devido ao desabar da
crise, ele deve ser interpretado no sentido de que lhe falta justamente esta
dimensão "normativa" e nessa medida agora ELE até precisa de ser ampliado,
devendo o jovem Marx ser trazido a terreiro contra o velho e preferido a este
(ver, por exemplo, Honneth, 2013). Assim se consegue salvar a própria identidade
como teórico/a outrora (não-)marxista que de algum modo na verdade já foi sempre
teórico/a marxista. Recentemente Honneth até foi designado como marxista
hegeliano por Brunkhorst (ver Brunkhorst, 2013, p.415). Talvez o seja, mas
principalmente numa pragmática do reconhecimento, baseada na teoria da acção
como seu verdadeiro fundamento.
Também Demirovic desde há
algum tempo está a saltar para o comboio da crítica do fetichismo. Assim
pretende ele recentemente, não necessariamente localizado na tradição de
Habermas, que a dominação não deve ser entendida "apenas como resultado da
lógica do valor que se autovaloriza e do sujeito automático do capital", ou
seja, recorrendo "simplesmente ao conceito de Marx de ‘coerção muda das relações
económicas’'': "É preciso... ir com Gramsci para além de Gramsci e das suas
análises" (Demirovic 2013, p. 135). É quase como se a crítica do fetichismo se
dissolvesse inteiramente no mainstream afirmativo, que ainda procura
sustentar democraticamente a crítica da democracia, ou como se se arranjasse
para as próprias ideias até agora imanentes uma verdadeira vida após o
capitalismo.
Na mesma ignorância de uma
nova linha de tradição marxista inicialmente surgida fora da empresa científica
estabelecida, teve lugar na sociologia uma outra viragem para Marx e para o
"fetiche", na figura da Sociologia de Jena (Dörre/Lessenich/Rosa, 2009). Central
em Dörre, Lessenich e Rosa é que no seu caso – ao contrário, por exemplo, de
Elbe e Henrich – a processualidade passa para primeiro plano: "O ponto de
partida do nosso esforço comum foi a convicção de que a lógica basilar do
movimento do capital em si imparável determina a formação social capitalista em
todas as suas fases (e, portanto, também durante e após a crise financeira
actual) e não só no desenvolvimento económico, mas também nas suas
possibilidades de configuração e formação política e cultural" (Dörre/Lessenich/Rosa,
2009a, 296, destaque no original). Obviamente, presume-se que o capitalismo pode
reproduzir-se infinitamente: "Na dimensão material, como mostrou a
análise de Klaus Dörre, este movimento pode ser definido como um processo
contínuo de colonização interna e externa: o capitalismo revela-se por assim
dizer como ‘ávida máquina de anexação e segregação’, que em seu modo de
funcionamento sistémico é obrigada a desenvolver incansavelmente novos mercados
que em seguida, mais cedo ou mais tarde, são abandonados como ‘terra queimada’
sem valor, a qual pode ser novamente explorada num momento posterior e noutra
formação capitalista. Para além de todos os limites da formação, este processo
de colonização, como Hartmut Rosa procura mostrar, está irrevogavelmente
entrelaçado na dimensão temporal com uma tendência constante para a
‘aceleração’ social, que pode ser entendida como coerção para aumentar a
velocidade de circulação, assim determinando a lógica não apenas das mudanças
económicas, mas também das culturais e políticas... O movimento do capital leva
a uma mudança contínua, dirigida e gradual no regime do espaço-tempo social... A
incessante dinamização das relações sociais, materiais e espirituais torna agora
por sua vez necessárias formas ‘condescendentes’ de sujeito e de subjectivação,
as quais ajudam a consumar o crescimento coercivo. A "activação" do regime
capitalista tardio, identificada por Stephan Lessenich, surge assim na
dimensão social como a conclusão lógica daquela fundamental tendência de
mobilização da modernidade, que transforma continuamente... por meio do comando
político… a paralisante coerção das formações sociais repressivas sobre o
estranho em desassossegada autocoerção" (ibid., p. 296 sg., destaque no
original).
A crítica de Boltanski/Chiapello
e das teorias da governamentalidade é aplicada de antemão na universidade e
incorporada nas próprias concepções. Assim se vai mordiscando nessa crítica com
ar insatisfeito, porque já se estará para além dela, e assim se consegue então,
por isso mesmo com um desconforto arrepiante, construir um distinto "Instituto
de Jena", que consegue convidar, em princípio de todo o mundo, cientistas
sociais até agora bem comportados. Neste sentido, também se diferenciam de um
"‘socialismo professoral’ barato, verbalmente radical" (Lessenich, 2009a, p.
231). Coloca-se supostamente a "questão do sistema", mas apenas se consegue
imaginar o "fim do capitalismo" na sua regulação, que desde há não muito tempo
se tem apresentado bastante mais séria do que era, ou seja reformista-imanente,
e agora é considerada radicalmente crítica do capitalismo. Assim escreve
Lessenich: "O problema fundamental... reside no facto de que as consequências
incompreendidas e descontroladas do processo de valorização do capital ‘põem em
causa a existência do capital bem como da formação social por ele estruturada’,
quer dizer, que elas, na medida e enquanto permanecem descontroladas, se
exacerbam irreversivelmente e tendem a tornar-se autodestrutivas" (Lessenich,
2009b, p. 142). Neste contexto, ele escreve: "A possibilidade do completamente
diferente, a conceptibilidade da alternativa fundamental, é isso que tem de
visar a crítica social hoje, tal como antes – a emancipação do conhecimento
superior, a subversão da sociedade activada, o fim do capitalismo" (ibid. , p.
177).
Assim se assegura já sempre
um "ganho de distinção" (Bourdieu) da universidade "de esquerda radical" perante
a populaça dos intelectuais não-académicos: já se sabe sempre da crítica, e até
contra si mesmo, quando a sociologia pensada como ciência parcial reificada, ou
mesmo interdisciplinar, até ainda interligada com a filosofia, a politologia e a
economia, deve pôr-se novamente de pé. Pode então ocultar-se que as suas origens
estão nos antigos bastidores de uma tradição de análise da forma do valor / de
crítica do valor, e que não se quer saber nada da elaboração teórica há muito
ocorrida fora da universidade nem das elaborações de Marx surgidas na sua
penumbra, que no entanto constituem o pressuposto tácito da própria abordagem
(6). Assim Dörre não pretende fazer valer para si nem para outros
sociólogos-marxistas recém-descobertos qualquer predicado de originalidade (Dörre,
2009, p. 45). Mas não admira tal renúncia de quem assenta em fundamentos que não
revela. Procede-se como se o próprio tivesse descoberto tudo, com plena
originalidade, numa crítica da sociologia que o próprio pensa continuar a
desenvolver como tal, com um monte de "crítica", "teimosia" e "desconforto" que
procura, apesar da sociologia como “ciência da normalidade” tornada
"desdentada", mas apoiado justamente nos “críticos sérios do capitalismo” que
co-constituiram até agora ESSENCIALMENTE a crítica social tornada chata e
maçadora (como, por exemplo, Honneth e Demirovic em Lessenich, 2009a, p. 224,
2009b, p. 127).
A crítica radical do
fetichismo, incluindo mesmo o colapso do capitalismo, tem de ser ainda assim
caçada pelas concepções teóricas correntes, como o conceito de "ondas longas" ou
a teoria da regulação, que até à data não se destacaram propriamente por uma
crítica radical do capitalismo, mas que partem automaticamente da hipótese de
que o capitalismo muda de vez em quando a sua face e é preciso dar-lhe um rosto
humano através de intervenções políticas de esquerda (ver, por exemplo, Dörre,
2009, p. 41 e sg.).
Sim, com tais teorias foi
durante anos contestada a afirmação da tendência de colapso do capitalismo, por
cuja análise respondiam sobretudo a marca "crítica do valor" e a pessoa de
Robert Kurz, que no entanto foram abandonados como fantasistas e relegados para
o reino do absurdo. Agora é um establishment ignorante da teoria social
que reserva para si mesmo a qualidade de fantasista, no sentido de uma
intelectualidade não conformista radical: "A maneira mais eficaz de rejeitar uma
pretensão não é argumentar contra ela, mas remetê-la para o domínio do anormal.
Pretensões mais radicais correm sempre o risco de serem consideradas loucas,
porque não se encaixam na realidade existente" (Boltanksky, citado em Maihofer,
2013, p. 165). Se o colapso e decadência do capitalismo há muito se tornou um
dos principais temas das páginas culturais, também a sociologia séria das
escolas superiores já não consegue escondê-lo. Pretende-se assim salvar uma
ciência social chata através de uma injecção de esquerda radical crítica do
fetichismo. Enquanto isso, a crítica social de Jena já é considerada mesmo como
vanguarda e ponta de lança da nova crítica social, neste aspecto como que uma
universidade de elite. Aqui o velho conceito de "colonização", com referência a
Rosa Luxemburgo e Harvey, é requentado e modificado de modo a constituir um
conceito central para a análise da situação actual (Dörre, 2009). Entre os de
Jena "o normativo" também é visto como um problema grave. Como justifica uma
pessoa a crítica do capitalismo tendo a casa já em colapso sobre a própria
cabeça? Neste contexto, a alienação – na sua concepção de classe média – também
desempenha um papel importante em Rosa: "A injustiça resulta da alienação, de um
relacionamento fracassado do homem com o mundo; portanto, há boas razões para
que ela desapareça de novo" (Rosa, 2013, p. 411).
Assim, na crise da
sociologia, a crítica (marxista) volta a beneficiá-la como meio de legitimação.
Inscreve-se agora nas bandeiras a "renovação do ímpeto crítico da sociologia
académica" (Dörre/Lessenich/Rosa, 2009b, p. 12). Após o fim da sociologia dos
grandes grupos, essencialmente proclamado por Ulrich Beck, que na década de 1990
conquistou o respeito de todo o mundo para a sua disciplina, quase como uma
espécie de anti-sociologia literária na forma sobretudo da tese da
individualização, pretende-se agora que a crítica do fetichismo (mesmo que eles
não usem esse termo) possa conferir a uma sociologia desacreditada
"profundidade" e, assim, brilho e glória, para não dizer glamour. Os de
Jena, entretanto, assumiram de Beck a forma literária e a linguagem sugestiva
que aparentemente une a crítica social do fetichismo com a subjectividade, mas
agora associadas a uma acrobacia verbal radical. Assim escreve Dörre, no fundo a
partir de uma perspectiva social-democrata (mesmo que – como referi – ele conte
com o possível colapso): "Durante os últimos anos, os sociólogos têm feito
principalmente alterações do capitalismo; a democracia económica significa
pensar em suplantá-lo" (Dörre, 2009, p 86).
Nos actuais entendimentos do
fetichismo dominam em geral interpretações subjectivistas, que desprezam o
conceito de fetichismo objectivo, seja como em Jaeggi, ou como nos mencionados
volumes de ensaios de interpretação de Marx que nascem como cogumelos no
pronto-a-ler científico, por exemplo da editora Westfälisches Dampfboot. O
fetiche do valor (da mais-valia) não é comummente tratado e criticado como
lógica independente, objectiva. Mesmo se é tido em conta pro forma, o
verdadeiro tema é à partida subjectivista. Ainda que o "fetiche" seja feito
pelos seres humanos, tendo de se partir aqui de uma relação dialéctica
sujeito-objecto, ele não pode ser simplesmente justificado subjectivamente desde
o início, considerando-se a sua autonomização uma questão de menor
independência, como quem diz: eu e o valor, que faço eu como sujeito científico
com Marx, para que serve ele, será ele RENTÁVEL? Ele traz-ME o quê! Ele
RENTABILIZA-SE! Assim escrevem Jaeggi/Loick: "Como tal, ele (Marx, R. S.) é
reinterpretado à luz das tendências recentes, adere-se a ele tendo como fundo
questões recentes, ele é criticado e questionado sobre a sua compatibilidade,
assumem-se fragmentos e motivos da sua variada obra que são produtivos para os
interesses sistemáticos de cada um. Não de modo ortodoxo – mas também já não de
modo ofensivamente não-ortodoxo. Talvez apenas através desta nova
`imparcialidade` se percebam as múltiplas possibilidades que fornece a obra de
Marx para ligações sistemáticas nos debates actuais" (Jaeggi/Loik, 2013, p. 13).
Assim parece a coisa quando Marx e a crítica do fetichismo foram recentemente
introduzidos na Suhrkamp, situação em que, ironicamente, esta editora ameaça ir
à falência. Foi-se a tensão entre o indivíduo e a sociedade, entre sujeito e
objecto, que era só o que faltava para a sua suplantação. A degustação do
fetichismo e a sua crítica e objectividade desaparecem no sujeito, sendo este
interpretado sobretudo em termos praxeológicos e de teoria da acção, tendo por
fundo a temática da alienação.
O aspecto objectivo da
autonomização é em Jaeggi & Cª reprovado como "funcionalista" (como se Marx, com
o seu método dialéctico, pudesse ser atribuído ao funcionalismo). Esta é a nova
tendência refinada com Marx, se já percebemos o que Terry Eagleton disse uma vez
contra os pós-modernos: "A totalidade não vos vai esquecer" – the subject takes
it all! [o sujeito leva tudo!] Isto é verdade para uma grande parte da crítica
do fetichismo hoje. Mas a crítica do fetichismo não pode ser ou deixar de ser
incluída à vontade num conceito de ciência, pelo contrário, trata-se aqui de
estruturas objectivas rígidas que mesmo no interior do declínio das estruturas
ainda marcam o sujeito no interior da estrutura sujeito-objecto fetichista
fundamental. Esta verdade é algo que não pode ser determinado, transmitido
simplesmente de modo intersubjectivo-normativo. Assim, a verdade do fetiche
ainda determina hoje até a gestão individual-subjectiva de um “portfólio de
projecto” variegado em termos de "crítica do fetichismo".
A orientação subjectivista,
de resto, também se aplica de outra maneira a Elbe, Heinrich & Cª, que de certo
modo consideram realmente o fetiche / o valor de modo "funcionalista", no
sentido dos cientistas burgueses, como objecto externo que se trataria agora de
compreender "metodicamente", na lógica formal e na correcta teoria da exposição.
A principal referência aqui é O Capital. Por outras palavras: também aqui
o fetiche é pensado sem o fetiche; ele permanece no modus subjectivo de uma
estrutura sujeito-objecto em versão dualista adoptada da ciência burguesa. Esta
é uma espécie de contraponto a posições orientadas em primeiro lugar pela teoria
da acção, como as de Honneth (2013), que procuram pegar no jovem Marx. Em ambos
os casos, o fetiche é basicamente concebido sem o fetichismo nem as suas
autonomizações. Dörre está aqui na "dimensão material" e numa análise económica
primária (ver acima) não excluída, uma vez que tenta na tradição do movimento
sindical determinar um sujeito quase-revolucionário, como contraparte do
"trabalhador subcontratado" (Dörre, 2009). Mas este trabalhador subcontratado,
como se sabe, não é exactamente a estrela dos sindicatos, que recuam para os
tradicionais direitos adquiridos. Dörre pretende criticar isto, mas ainda no
contexto do quadro (do sujeito de classe) do velho marxismo dos trabalhadores.
Pelo menos ao Lukács inicial
e a Adorno não teria ocorrido interpretar o capitalismo do ponto de vista do
sujeito, pelo contrário, eles partem (mesmo Lukács, ainda que veja o
proletariado como sujeito-objecto da história) de uma lógica já autonomizada,
quando têm em conta a subjectividade e a partir daqui determinam uma
(aparentemente) paradoxal dialéctica sujeito-objecto (mas sempre, ao mesmo
tempo, tendo como pano de fundo a autonomização objectiva daquela lógica). O que
farei eu com Marx? – Esta pergunta teriam eles considerado desesperadamente como
uma aberração da "razão instrumental".
5. Feminismo e crítica do fetichismo
As tendências identificadas anteriormente movem-se
todas no contexto de uma crítica do fetichismo androcêntrica. Quando em 2000
publiquei pela primeira vez o meu livro O sexo do capitalismo (Scholz,
2011), eu era única em campo com o tema "crítica do fetichismo e relações de
género", embora Ilona Ostner já tivesse pré-formulado uma espécie de forma
primitiva da crítica da dissociação-valor com o livro Beruf und Hausarbeit
[Profissão e trabalho doméstico] (1978). Aos poucos, foi subindo o apelo
para pensar a crítica do fetichismo também em conjunto com a crítica do trabalho
e com o feminismo (ver, por exemplo, Soiland, 2003, crítica em Scholz, 2011, p.
220 e sg.; Dolling 2011, crítica em Scholz, 2013, p. 36 sg.; Kurz-Scherf, 2012,
crítica em Scholz, 2013, p. 46). A crítica do valor ou da dissociação-valor foi
ignorada ou até mesmo cortada por estas durante muito tempo, embora tivesse
antecipado muitos elementos dessas mesmas críticas.
Recentemente, a situação parece começar a mudar.
Beatrice Müller pretende tomar a teoria da dissociação-valor como ponto de
partida e transferi-la para uma "abjecção do valor": "Parece necessária uma
reconceptualização teórica porque Scholz, por um lado, representa uma variante
de Marx que não permite repensar os actores e as relações de poder e, por outro
lado, não teoriza suficientemente o contexto psicanalítico. Como resultado do
deslocamento por mim efectuado, o contexto das relações de género patriarcais e
do modo de produção capitalista surge na minha visão como forma de
abjecção-valor (abjecção significando rejeição) (Müller, 2013, p. 33). E ela
escreve ainda: "A teoria de Scholz é, no entanto, instrutiva na medida em que
tenta analisar a estrutura entrelaçada de capitalismo e relação de género e,
portanto, fornece uma explicação estrutural para a desvalorização do trabalho de
care [assistência, em inglês no original, Nt. trad.]" (ibid, p. 35). Para
melhor entrar no plano psicanalítico Müller agarra-se principalmente a Julia
Kristeva e vira-a em termos de “rejeição-valor” para explicar a inferioridade
das actividades de care: "O que é abjecto é o signo persistente da
relação necessária do sujeito com a animalidade, com a materialidade e
finalmente com a morte. ... Estas ameaças têm de ser negadas e descartadas", diz
Müller, com base em Grosz (ibid., 36). Onde a "abjecção" é para ela um modus
fundamental da ordem simbólica.
Para Müller o care e o trabalho de care
constituem o pressuposto para a forma económica do capitalismo. Ela baseia-se
principalmente em Marx e no entendimento de fetichismo de Joachim Hirsch que ela
contrapõe à "crítica fundamental do valor": "Um entendimento do valor como uma
forma social... proporcionada por uma abordagem analítica da forma, no entanto,
permite a análise dos limites estruturais, por um lado, e das lutas e actores
sociais, por outro. Além disso, com tal perspectiva pode ser concebida muito
claramente a limitação do alcance da abordagem teórica. Esta reside na
‘determinação geral das formas sociais'... e não na análise das condições
históricas concretas. No entanto, a análise das formas sociais pode servir como
base e pré-requisito para análises concretas. Segundo Joachim Hirsch... ‘as
formas sociais são formas reificadas e fetichizadas, a serem decifradas apenas
através da sua crítica teórica, assumidas pela relação recíproca entre
indivíduos sociais, de uma maneira independente da sua vontade e acção
conscientes, e que moldam as suas percepções imediatas e orientações de
comportamento: mercadoria, dinheiro, capital, direito, Estado." (ibid., p. 38).
(7) Central para Müller é a troca de mercadorias com base em Brentel e Heinrich
e as pessoas interagindo no mercado. O valor surge, no entanto, apenas dentro de
uma relação social. Com recurso a Brentel escreve ela: "As categorias da
economia burguesa, assim, ‘contrariamente à aparência de relações DE COISAS
pré-dadas, devem ser decifradas como DETERMINAÇÃO DA RELAÇÃO ESPECIFICAMENTE
SOCIAL e HISTÓRICA DOS SERES HUMANOS ATRAVÉS DOS SEUS TRABALHOS'" (ibid., p. 38,
destaque no original). Ela refere-se aqui nomeadamente a Kannankulam, quando põe
em agenda as relações de classe como uma relação central: "Marx analisou as
relações sociais por trás da solidificação de formas naturais rígidas. Numa
formulação mais concreta analisou as relações de classe que podem ser descritas
como "combustível" e "conteúdo" da produção de mais-valia" (ibid., p. 39).
É crucial para Müller que o processo de valorização
do valor não só ignora as relações de classe, mas também o care. A
abjecção do trabalho de care para Müller, portanto, é um pressuposto para
a produção de mais-valia, sendo ela própria concretizada pelas relações
patriarcais capitalistas. Müller escreve: "Sendo assumida a abjecção permanente
do care e do trabalho de care para fora da produção de valor,
então há também – e isso parece-me ser central – uma estrutura fundamental da
sociedade decididamente concebível de modo diferente. Porque, como consequência
deste deslocamento pode ser assumido como combustível para a forma
patriarcal-económica não apenas um antagonismo com base nas classes, mas sim um
antagonismo de classes E um antagonismo entre os Outros abjectos e os
não-abjectos" (ibid., p. 39, destaque no original). E ainda: "Esta forma (do
capitalismo patriarcal, R. S.) em última análise apenas pode ser rompida pelas
lutas comuns das classes e dos Outros abjectos." (ibid, p. 41). (8).
Aqui apenas posso esboçar a traços largos a crítica
às ideias de Müller da parte da crítica da dissociação-valor, sem entrar numa
discussão detalhada. O decisivo é que Müller efectua uma usurpação por parte da
teoria da regulação, uma "colonização" da crítica da dissociação-valor que
parece diferente da implícita em Dörre & Cª relativamente às existências de
bastidores dos críticos do fetichismo. Os limites internos do patriarcado
capitalista, que constituem uma afirmação central da crítica fundamental do
valor / da dissociação-valor, são rejeitados com referência a Michael Heinrich,
sendo assumida uma processualidade no sentido da teoria da regulação que não
conhece qualquer colapso do capitalismo, mas que assume por princípio que sempre
pode ser encontrada de algum modo uma possibilidade de acumulação, que o
capitalismo no fundo não tem fim. Assim se procura retirar à crítica da
dissociação-valor o aguilhão radical, transplantado-a para um contexto de
análise da forma do valor em termos de teoria da regulação, a que também será
inerente o antagonismo de classes. Assim, a crítica da dissociação-valor é
transferida para um contexto teórico contra o qual ela se demarca há anos, para
não dizer há décadas, e na realidade em discussões aprofundadas e em muitos
lugares (ver, por exemplo, Kurz em relação à teoria da regulação, 2005, p. 423
sg.; Kurz, 2012, em relação a determinados entendimentos da análise da forma do
valor à la Michael Henrich e Kurz/Lohoff, já em 1989, em relação a um
"fetiche da luta de classes" de esquerda, cf., no entanto, a crítica em Scholz,
2008). (Mesmo que em Henrich a contradição de classe desempenhe em todo o caso
um papel de menor importância). Assim o trabalho abstracto como combustível e
conteúdo da produção de mais-valia é por ela referido às relações de classe,
para Müller ele depende em última análise de um contexto de "luta" (ver sobre
isso Kurz, que também afirma uma "substância material-abstracta do fetiche do
capital", no entanto, a partir de uma perspectiva da crítica da
dissociação-valor – Kurz, 2012, p. 192). A crítica efectuada pela crítica
radical do valor a outras abordagens marxistas é intencionalmente ignorada por
Muller. Ignorado é também que uma despropositada confusão entre psicanálise e
teoria social crítica é problemática e que é descartada pela crítica da
dissociação-valor na tradição da crítica da identidade de Adorno. Uma vez que
psicanálise e teoria social crítica pertencem a dois planos diferentes, têm de
ser separadas como tais e simultaneamente pensadas em conjunto em termos de
dialéctica negativa no metaplano da dissociação-valor, como princípio formal
social, no entanto sem que as premissas (epistemológicas) sejam equiparadas (ver
Scholz, 2012, espec. p. 124 sg.). A este respeito, pode ser constatada em Müller
uma "fobia da lacuna" (Christine Kirchhoff). Basicamente, a relação entre os
sexos é psicologizada e mais uma vez deslocada para dentro do sujeito. Corre-se
aqui o risco, portanto, não só de uma psicologização gritante da teoria / da
crítica social em geral, mas especialmente mais uma vez da relação entre os
sexos assimétrica.
No que respeita à relação entre psicanálise e teoria
social e não só, a teoria da dissocação-valor, que Müller pretende que é
hermética, parte, como a própria Müller, de contradições que não são fáceis de
suavizar. Já a adopção de uma contradição em processo, que tem de ser mais uma
vez reformulada na sua contraditoriedade em termos de crítica da
dissociação-valor, deixa claro que a crítica de Müller não tem fundamento; no
entanto, a crítica da dissociação-valor demarca-se da hipostasiação pós-moderna
das diferenças, contradições, ambiguidades e desigualdades, que foge do esforço
do conceito como o diabo da cruz. Essa contradição pode na actual situação
histórica conduzir a uma dialéctica da crítica do fetichismo, também na medida
em que as "contradições" constituem a crítica da dissociação-valor
ESSENCIALMENTE.
Para Müller, no entanto, segundo sugerem as suas
observações quando ela parte de "contradições", sobretudo orientada em termos de
teoria da regulação e gramscianos, trata-se sobretudo de "lutas" e "forças e
contra-forças" contra o fundo de uma determinação relacional vazia, de que o
valor seria uma relação social, à qual depois se subordinaria exteriormente uma
existência corporal. Tais teorias foram e são sempre aduzidas para evitar a
possibilidade de colapso no contexto do "sujeito automático". Assim a forma,
como entendida por Müller (ou Hirsch), na verdade significa “estrutura", que é
separada dos processos sociais concretos, mesmo que, em seguida, estes sejam
reconduzidos a esta forma/estrutura. Assim as categorias marxianas não são
categorias reais, que tentam perceber um processo real e, assim,
conceptualizá-lo como processo, mas primeiro está a estrutura, sobre cujo pano
de fundo então a história real se pode reproduzir. Por outras palavras, não se
vê que esta "forma"/estrutura pela sua própria natureza já existe como tal EM
PROCESSO. Poder-se-ia dizer, na formulação antiquada do velho marxismo: em
Müller há uma reformulação conservadora-regressiva "revisionista" da crítica da
dissociação-valor que se pretende evitar a todo o custo que vá além das
abordagens marxistas existentes. Fica claro, portanto, que a crítica da
dissociação-valor, como "ideologia hostil ao capitalismo", para usar as palavras
de Boltanski/Chiapello, nem sequer pretende entrar em abordagens neo-marxistas
pós-modernas, que não se atrevem a agitar a hipótese da saída do patriarcado
capitalista, mas na verdade se preocupam com a sua manutenção, para assim
poderem continuar a civilizar melhor o "sistema" de modo reformista até à sua
suposta irreconhecibilidade, não obstante este "sistema" em decaimento realmente
objectivo lhes gorar os planos. Assim entram eles próprios plenamente neste
sistema hoje, o qual, não saindo do sítio, se recusa a admitir o seu declínio,
que assim “continua a ser ajudado” ideológica e ilusoriamente por essa recusa.
Tais ideias ficam assim até atrás de um Dörre que, pelo menos, ainda contava com
a possibilidade do colapso. Nas palavras de Bröckling: a crítica da
dissociação-valor é aqui incorporada na "carteira de projectos" do "Eu de
projectos", no contexto de um arranjo de rede neo-marxista.
Mas que acontece à crítica da
dissociação-valor se ela permanece teimosamente na sua radicalidade? Na paisagem
discursiva da actual crítica do fetichismo ela corre o risco de exclusão da rede
do feminismo de esquerda, se não mesmo de banimento. Assim escreve na mesma
edição de Femina Politica Kathrin Volk, partindo de um ponto de vista
diferente do de Müller, numa recensão do meu livro O sexo do capitalismo:
"A sua crítica fundamental (ou seja, a minha, R. S.) refere-se... à ausência das
categorias fetichistas fundamentais do capitalismo, bem como da determinação da
sua relação com as relações de género. Apenas em Tove Soiland parece Scholz
encontrar uma interlocutora adequada, com a qual possa (e queira) promover o
debate sobre ‘a conexão interna’ entre fetichismo e relação de género. No
entanto, é questionável a abertura de Scholz para tal debate, quando ela afinal
considera a relação de dissociação-valor como ‘princípio fundamental que
penetra’ todos os domínios” (Volk, 2013, p. 164). Scholz está totalmente
disponível para todo o tipo de debates; pelo contrário, tem a impressão de que
se pretende aqui submetê-la a uma pressão de rede de esquerda, se ela não anuir
aos “frames” [quadros, em inglês no original, Nt. trad.] do feminismo de
esquerda, teórica e conteudisticamente existentes no contexto de um "reactor de
enriquecimento rápido", e se não assumir desde logo que o discurso se desenvolve
com harmonia de modo pós-modernamente indiferente, segundo o dito banal "ainda
bem que nós já falámos sobre isso", não se contando portanto com o facto de ela
concordar desde logo que este dito seja virado ao contrário; ou seja, de ela não
deixar que lhe ponham um colete-de-forças. Como era o caso também mais acima: "Pretensões
radicais correm sempre o risco de serem consideradas loucas, porque não se
encaixam na realidade existente."
6. A vontade de viver o mais possível “de modo não fetichista”…
No discurso de esquerda e feminista, há bastante
tempo que o termo fetiche também surge aos montes, súbita e inesperadamente nos
textos. De acordo com o lema: um pouquinho de fetiche fica sempre bem num texto
hoje em dia... Se os primeiros capítulos de O Capital foram por muito
tempo considerados capítulos obscuros, que até se podiam saltar, entretanto
conta-se agora com a auto-evidência do conceito de fetiche (da mercadoria). Ele
já não precisa de ser clarificado e desenvolvido. Esta auto-evidência surge
expressa não em último lugar no slogan da Attac "O mundo não é uma mercadoria";
sente-se o fetiche por assim dizer na própria pele.
Isto também já levou à reanimação do antes chamado
movimento alternativo, que por si só já tem uma história. Mesmo para o/a
crítico/a do fetichismo orientado/a para a práxis imediata – para além de
qualquer teoria do fetichismo "louca" actual – há algo no "catálogo" que, ainda
assim, se adapta perfeitamente ao cenário de um capitalismo decadente. Bröckling
escreve: "A superação alternativa do capitalismo desembocou na exigência de cada
indivíduo e cada grupo de projecto como um todo terem de se comportar como
capitalistas na sua própria especialidade. Tal como para as seitas protestantes
de Max Weber, os ideais e ideologias alternativos empalideceram, enquanto a
ética alternativa do trabalho e os modelos organizacionais dela resultantes se
desenvolveram e geraram um novo espírito do capitalismo" (Bröckling,
2007, p. 260). E mais escreve ele: "Dada a situação económica precária, marcada
pela subcapitalização e auto-exploração, os projectos alternativos só podiam
escolher entre profissionalizar-se ou remeter-se a uma existência marginal de
nicho. Não poucas empresas autogestionárias floresceram como empresas
inovadoras, e este passo correu-lhes tanto melhor quanto mais elas foram capazes
de utilizar as energias comunitárias, as competências de comunicação e as
estratégias de auto-envolvimento do seu projecto passado" (ibid., 259). É a
regra de que projectos alternativos entram gradualmente no caminho da
profissionalização, da burocratização, da institucionalização e da
economificação, mas com uma nova estrutura em rede, que do ponto de vista do
conjunto da sociedade foram eles próprios que puseram em marcha.
Em movimentos e projectos de economia solidária, de
commons, do movimento de open source, lojas gratuitas etc.
continuam a viver tais ideologias, agora muitas vezes com uma fundamentação de
crítica do fetichismo, como se a "forma embrionária" de tais movimentos, a sua
semente não crescesse já há muito tempo no capitalismo contemporâneo. Antes,
eles ainda estavam alicerçados na teoria da subsistência, ainda considerando a
troca de mercadorias impraticável numa sociedade livre. Agora na década de 2000
ocorreu uma reformulação da crítica do valor. Mais ou menos de acordo com o
lema: O que poderia ser melhor do que a crítica do valor para se tornar prática
nos respectivos projectos? John Holloway no início dos anos 2000 já dera o
beneplácito teórico sob a forma de uma crítica do valor e do fetichismo
operaística-vitalista (Holloway, 2002).
Quando se fala de commons, economia solidária,
open source trata-se de conceitos difusos que poderiam quando muito ser
vagamente esboçados: "Nas últimas décadas tem havido em diversos domínios da
vida círculos de commons que trazem consigo novas resistências. Em muitas
destas iniciativas de oposição recorre-se aos termos ‘commons’ e
‘economia solidária'. Sob este lema os activistas contrapõem às experiências de
impotência e de expropriação momentos de reapropriação e autodeterminação.
Muitos perderam a confiança na política do Estado, bem como no mercado. Já não
acreditam que estes possam ser a resposta certa para os actuais problemas
globais e em vez disso tomam os assuntos nas suas próprias mãos – quer se trate
de abastecimento de alimentação, meios de comunicação, conhecimento, sistema de
saúde ou de educação ou do abandono da energia fóssil. Todos eles compartilham
uma preocupação comum: o que as pessoas precisam na sua vida diária não deve
tornar-se propriedade privada, mas deve ser acessível a todos. Todos devem ter
uma palavra a dizer na produção e uso de coisas ou serviços vitais" (Kratzwald,
2012). No caso dos commons desempenha um papel o modelo dos baldios
medievais; peer-economy refere-se a acesso livre à Internet e software
livre. A crítica do trabalho num emprego também desempenha um papel, mas ainda
mais a crítica do dinheiro. Voltam assim novamente orientações comunitárias
antigas (ver Tönnies, 2005/1881) que acompanham o capitalismo desde
desencadeamento da contradição em processo, mas agora elevadas ao nível
high-tech. Os teóricos de fundo são muitas vezes teóricos mais orientados
para a superfície social, como Erich Fromm e André Gorz, mas também novidades
teóricas pós-modernas.
Assim fala também, por exemplo, Friederike Habermann
de Halbinseln gegen den Strom [Penínsulas contra a corrente]. Ela sabe
que não pode haver uma vida verdadeira na falsa; no entanto, contra melhor
juízo, coloca-se enfaticamente numa política de pequenas redes no aqui e agora;
apesar de todas as afirmações diferentes, para ela o plano imediato do dia-a-dia
é o decisivo. Entretanto esta crítica aterrou em Gibson-Graham, que partem de
uma lógica centrada no capital, segundo a qual também há um reverso do
capitalismo e "práticas económicas" em parte contrárias ao capitalismo. Essa
"práticas económicas" teriam de ser percebidas e mais generalizadas de forma
prática. Crítica do valor, pós-estruturalismo, teoria queer entre outras
são por assim dizer tratadas por tu (Habermann, 2009, p. 9 e segs.). A crítica
do valor – apenas sugerindo mediação – torna-se crítica do valor de pé-descalço.
Com tais críticas, por outro lado, já se aprendeu, e as pessoas blindam-se
contra os ataques ao bem-estar para enfatizar uma atitude de luta nessa visão
tacanha (ver, por exemplo, Voss, 2012). Nas feiras de trocas da década de 1990
"apenas" se trocavam coisas próprias por outras. Depois, na década de 2000, uma
pessoa já se “presenteava” com alguma coisa no contexto da economia gratuita.
Aos poucos, porém, as (repetidas) procuras de receita
através do mercado e do Estado tornaram-se cada vez mais evidentes, de modo que
se tenta cada vez mais a demarcação delas, bem como de obscuras abordagens do
mercado livre. Assim escreve Kratzwald: "Dinheiro sem juros deve evitar a
‘riqueza sem trabalho’, sem pôr em questão a relação de capital como tal nem
ajudar uma economia de mercado supostamente boa a voltar à plena vigência. Em
todas essas ideias, as estruturas centrais do sistema capitalista permanecem
intocadas, nomeadamente o trabalho assalariado, a produção de mercadorias e a
troca de equivalentes, sendo asseguradas por meio da autoridade do Estado. Mas
são exactamente essas estruturas que provocam a predisposição fundamental do
capitalismo para a crise e incorporam as suas relações de dominação.
Alternativas genuínas que levem a uma transformação social para além do
capitalismo têm, portanto, de romper com elas. Commons e economia
solidária podem atender a essa exigência por meio de modos cooperativos de
produção, relações de reciprocidade e estruturas de tomada de decisão
não-hierárquicas – se fazem parte dos movimentos sociais militantes que não
querem contentar-se em amortecer a crise do capitalismo" (Kratzwald, 2012).
Neste contexto, eles também se demarcam da apropriação por "social business
ou empreendedorismo social", bem como do "apelo à força da comunidade para
salvar a segurança social, como faz o primeiro-ministro britânico David Cameron
que, sob a capa da Big Society, pretende transferir para o sector
do voluntariado áreas até agora organizadas pelo Estado na educação, saúde e
assistência. Uma abordagem que provavelmente entrará na agenda também em outros
países da União Europeia, na esteira dos programas de redução de custos em
curso" (Kratzwald, 2012).
Com slogans como "modo de produção cooperativo",
"relação de reciprocidade" e "estruturas de tomada de decisão não-hierárquicas",
no entanto, tais tendências não se aproximam de "alternativas genuínas". Para já
não falar das dúvidas suscitadas por estas estruturas de tomada de decisão
supostamente não-hierárquicas. Assim, já na década de 1980 os cientistas sociais
constatavam o perigo da "pressão do grupo", das estruturas de direcção
"autoritárias" e do "culpar a vítima" em projectos de auto-ajuda no sector
social (Olk/Heinze, 1985, p. 248 sg.).
Para manter esses projectos em andamento é preciso
dinheiro e assim é inevitável a associação com o mercado e o Estado (Estado-social,
fundações etc.). Aqui, a administração da crise pouco se importa com as sublimes
intenções dos actores do movimento. A formulação apodíctica da senadora social
social-democrata de Berlim, Ingrid Mielenz, em 1981, para os círculos
alternativos e o movimento de ocupações de então, por maioria de razão pode ser
válida para a administração da crise no estádio de decadência avançada do
capitalismo e das suas estruturas e instituições: "Não está aqui em questão
entrar nos conflitos internos, possibilidades e limitações do movimento
alternativo (‘auto-exploração’, ‘massa do Estado'), nos problemas de
financiamento (divisão do dinheiro) e conflitos de organização (‘constituição de
redes'). A auto-ajuda e a política local são componentes necessárias,
indispensáveis (sic!) do trabalho social e não estão em contradição" (Mielenz,
1981, p. 60). Neste contexto, é simplesmente ingénuo acreditar que hoje se
possam manter o "empreendedorismo social" e o social business afastados
da administração da crise.
Aqui também se pode expressar uma crítica feminista
do trabalho problemática, pois ela põe em questão o próprio trabalho abstracto /
trabalho como emprego de modo meramente abstracto, apenas focaliza e critica uma
ideia androcêntrica de trabalho, perante a qual o feminismo tem de fazer-se
valer, na medida em que se concentra já sempre nas actividades de assistência
"informais". Isto teria agora de ser generalizado de tal forma que o
voluntariado, os commons etc. seriam colocados no centro da perspectiva
de uma "grande transformação" – assim diz Dolling baseada em Polanyi (9) –
quando as instituições capitalistas-patriarcais ameaçam entrar em colapso (ver
Dolling, 2012.). Mas o mais provável antes de mais é que a Big Society de
Cameron (já) não seja nada.
Neste contexto, os fundamentos da crítica do valor e
a crítica do fetichismo, como eu sei a partir de discussões orais com defensores
da "economia solidária", há muito tempo que se vêm transformando às escondidas
numa ideia de alienação. O termo fetiche é como que derretido no plano do
quotidiano. A compreensão abrangente da totalidade desaparece assim
tendencialmente ou torna-se uma questão secundária.
Enquanto a revista Streifzüge porventura ainda
se contenta com uma exposição essencial do fetichismo, o que no fundo vai dar na
crítica da alienação, para poder explicar mesmo ao último zé-ninguém imaginável
a sua existência fetichista (ver Streifzüge, 58, 2013), tais críticas há
muito estão presentes no quotidiano, na teoria e na ciência. Esta queda numa
crítica do valor imediatista e a vontade de em primeiro lugar divulgar a crítica
do valor sem a localização histórico-social de si mesmos foi de resto uma das
principais razões para a cisão da Krisis há dez anos, que levou à
fundação da revista Exit!. As críticas sobre isso, especialmente a Robert
Kurz, são muitas vezes levadas a cabo apenas ao nível de imprensa
sensacionalista. Tratar-se-ia de problemas de dinâmica de grupo e no plano do
relacionamento, a teoria e o conteúdo seriam os mesmos que os da Krisis
residual. No entanto, Robert Kurz, entre outros, viu muito claramente como a
crítica do valor fundamental relevante por ele co-fundada regride e se mete num
canto revisionista e de administração da crise. A crítica do fetichismo não
apenas ficou no espírito do tempo superficial, mas pôde tornar-se um elemento
fundamental da administração da crise. Assim, nessa ocasião terão sido tidas em
conta pela Krisis as múltiplas referências de crítica do valor, e as
abordagens subsistencialistas, de economia solidária etc. não só foram
apreciadas, como simultaneamente também foram criticamente ao encontro de um
anti-semitismo estrutural. Diferentes críticas do valor puderam assim ser postas
debaixo do mesmo chapéu e ao mesmo tempo subsistirem desvinculadas com o seu
auto-empreendedorismo no "mundo conexionista". Supunha-se que a crítica do valor
estava fundamentalmente formulada e que apenas teria de ser anunciada em todo o
mundo (ver para a crítica também Scholz, 2005b). Assim se tornaram a Krisis
e a Streifzüge pioneiras de diferentes críticas do fetiche em minha
opinião apenas pseudo-radicais.
7. Resumo: crítica do fetichismo como processamento da contradição ou crítica
radical?
Desde o início que ficou reservado à crítica
fundamental do valor / da dissociação-valor colocar em agenda valor/mais-valia,
mercadoria, dinheiro, capital, fetichismo fundamental, e isto em relação com a
contradição em processo e com o limite interno. Esta é a diferença mais
significativa para com uma análise da forma do valor praticada desde meados da
década de 1960 pela Nova Leitura de Marx, que estava voltada principalmente para
a estrutura e negligenciava "problemas sociais concretos e localizações da sua
própria posição social" (Kurz, 2012, p. 22). Agora, em face da muito "concreta"
crise fundamental, chegou-se não só a um renascimento de Marx em geral, mas a
uma promoção do fetichismo, em que também os processos históricos reais devem
ser cabalmente incluídos, como é o caso nas perspectivas fenomenológicas de
colonização, aceleração, activação etc. (ver Dörre/Lessenich/Rosa, 2009). Mesmo
as tendências de colapso já não são categoricamente excluídas.
Talvez se pudesse dizer, à boa maneira hegeliana: as
relações sociais têm agora uma maturidade de crise tal que até atinge homem e
mulher na rua – tanto o fetiche e o valor agora vieram a si; a sua percepção
impõe-se francamente. A crítica do fetichismo está assim no ar. Não se poderia
fazer talvez mesmo algo como uma mesa redonda sobre crítica do fetichismo?
Vendo melhor, no entanto, não está prevista uma
"ruptura categorial" nem um programa de abolições; em vez disso pretende-se que
haja uma grande transformação somente dentro das relações capitalistas e não
contra elas. Tanto na ciência como nos milieus de subculturas, trata-se
de democracia económica e economia solidária, tal como nos velhos tempos (das
cooperativas) social-democratas/capitalistas. A mesma zurrapa é agora
apresentada em novas embalagens bag-in-box (críticas do fetichismo).
Centrando-se na crítica do fetichismo uma pessoa pode agora não apenas estar em
harmonia com o entendimento burguês da ciência (Elbe, Henrich & Cª) e propagar
uma furtiva hipostasiação da ética habermasiana, mas também operar com hipóteses
de acumulação eterna em termos de teoria da regulação, exercer a gramscianização,
ou mesmo novamente a luta de classes. Basicamente, o que se está a espalhar é
uma crítica do fetichismo positivista.
Há muito tempo que se constituiu um establishment
de crítica do fetichismo no contexto académico de esquerda, bem como no
contexto alternativo no sentido mais amplo. A crítica do fetichismo há muito que
é parte de um contexto de "oportunismo em rede". São organizados conferências,
congressos, workshops de todos os tipos e em todo o mundo e publicadas as
respectivas colectâneas com artigos prontos-a-ler.
Tais eventos degeneram cada vez mais em festivais,
festas e campos de férias. Se antigamente a diversão de esquerda era delimitada
pelos teóricos racionais “masturbadores cerebrais”, agora a festa agrupa-se
francamente em torno desses eventos “masturbadores cerebrais”; pessoas de todos
os tipos vêm de longe para viver tais "eventos". Não em último lugar há aqui o
sentido de que se podem juntar da melhor forma um pós-estruturalismo queer
e da pluralidade com a crítica do fetichismo! Dignitários académicos burgueses
de esquerda, um difuso corpo de assistentes de círculos (universitários) de
qualquer tipo e uma "colorida tribo (de subculturas)" (Elmar Flatschart) fazem
aqui um rendez-vous. Não falta muito para se poder comprar nas bancas
desses congressos e festivais pins de uma moeda com a legenda "Fetiche? Não,
obrigado", que um membro da esquerda alternativa pode juntar ao lado de outras
na lapela (para uma crítica do trabalho superficial isto já é verosímil, para já
não falar da mensagem "O mundo não é uma mercadoria", há muito existente). A
crítica do fetichismo hoje é cool, tornou-se parte do "espectáculo". Isso
já Guy Debord sabia, mas provavelmente não poderia imaginar a dimensão que pode
assumir. A crítica do fetichismo há muito tempo que chegou a um mundo como
vontade e design no contexto de pós-modernidade, esquerda chique e a
estetização da crise (Kurz, 2013 a). O/a crítico/a do fetiche torna-se
"anfíbio", no sentido da mera "autoconservação" (Horkheimer/Adorno, 1997, p.
53).
Mas a afirmação de uma crítica do fetichismo como
"crítica impiedosa do existente" (Marx), contra a crítica do fetichismo
afirmativa, resulta ela própria das gritantes contradições da actual
socialização de fetiche, situação em que decorre da dialéctica sujeito-objecto
do fetiche que também existem opções de decisão e de acção, e que ninguém tem de
ceder oportunisticamente aos dogmas de uma aparente – já quase se pode dizer –
igreja da crítica do fetichismo, na sua imanência, que ainda tem de remontar as
suas origens ao status das seitas e dos "hobbies subacadémicos". Por outras
palavras: uma crítica actual das críticas correntes do fetichismo é
provavelmente o que permite justamente o desenvolvimento histórico real das
relações de fetiche, que necessariamente traz consigo contradições. Na
circunstância será bom abster-se de instruções práticas para a acção, se elas
neste momento simplesmente não podem objectivamente ser dadas. Isto significa
suportar tais contradições e não as aplanar, pois só assim será possível um
"movimento real" para além da actual situação de desaforo (10). "Mil críticas do
fetichismo", portanto, não podem simplesmente ser saudadas hoje só porque aqui,
pelo menos, sempre se exerce alguma crítica do "fetichismo". Em vez disso, as
supostas "pequenas diferenças" têm de ser identificadas e tem de proceder-se ao
debate correspondente, a fim de encarar de frente o feitio de uma crítica do
fetichismo no declínio do capitalismo.
Não se trata aqui, se se vai para uma briga, de lutas
e contestações no sentido de Gramsci; pelo contrário, tais conceitos e plágios
tornaram-se eles próprios hoje afirmativos e mesmo slogans, para não dizer
ideologemas, quando não ocorre mais nada e a política parece continuar a ser
como sempre o porto mais seguro da crítica de esquerda, após o fim da
política (Kurz, 1993). A luta é assim absolutamente proclamada, mas no além
de frases politicistas convencionais, especialmente quando se trata realmente
"do todo", uma formulação que também há muito tempo se tornou uma frase. Para a
crítica da dissociação-valor radicalmente lutadora trata-se fundamentalmente,
justamente se ela intervém, de suplantar a ilusão política, quando o
desenvolvimento social objectivo coloca manifestamente essa suplantação na ordem
do dia. Para ela também não se trata de salvar a sociologia, a ciência política
e outras disciplinas sociais e de história das ideias enquanto domínios
parciais, pelo contrário, ela sabe que ela própria se expressa na sua
reificação.
Decisivo em todo o caso, para uma crítica
emancipatória do fetichismo que fala a sério da suplantação do capitalismo
patriarcal e pretende fazer frente à administração repressiva da crise, é
subtrair-se tanto quanto possível à participação institucional e respectivos
mecanismos e regras. Claro que uma tal crítica radical do fetichismo depende de
todos os recursos possíveis e não pretende estagnar isolada; no entanto é
necessária uma intransigência absoluta no conteúdo, apesar de uma inevitável
"política de projecto". Por exemplo, não tem de se estar presente no maior
número possível de antologias, no contexto das questionáveis políticas
universitárias e de subcultura, nem de pular a todos os tipos de reuniões e
congressos, que servem principalmente para a criação de perfis e onde
basicamente um perfil pode ser trocado por outro, donde resulta de modo
aparentemente paradoxal que a crítica da dissociação-valor tem de decidir o seu
perfil e afirmar o respectivo temperamento, mesmo à custa de ficar de fora,
quando se move em tais contextos.
A crítica do fetichismo, hoje, não pode estar ansiosa
por se amalgamar com tudo o que for possível só porque, aparentemente, o que ela
sempre disse pode agora ser encontrado nas mais diversas formas e cores. Pelo
contrário, ela tem de reflectir sobre si mesma e isso também significa que ela
não pode em nenhuma circunstância renunciar a compreender coisa alguma, e
especialmente a si mesma, caso contrário ela irá se ajustar à forma e trabalhar
talvez para tendências autoritárias no capitalismo em decomposição. Ou seja, ela
não só deve continuar a permitir "elevar-se" a si mesma, mas também é o seu
principal mandamento “perceber”, especialmente ainda hoje, a situação de
(pseudo-)crítica do fetichismo, o que também inclui análises mais concretas como
as de Boltanski/Chiapello e Bröckling, como mediação para a "totalidade
concreta". Neste aspecto a crítica do fetichismo deve, no entanto, conservar a
sua "inutilidade" – Ulrich Bröckling fala de "jogos de inutilidade", que ele no
entanto dissolve em meros constructos desorientados de uma actividade partidária
no sentido de Foucault (Bröckling, 2007, p. 286) – e arrogância, não no sentido
de l'art pour l'art ou de um malabarismo fetichista, pensado como ciência
de conceitos como mercadoria, valor, trabalho abstracto, fetiche etc.; pelo
contrário, trata-se de uma crítica no sentido de Adorno, que não se deslumbra
nem se associa com o existente. Isso não pode significar querer envolver-se com
uma crítica do fetichismo hoje muito generalizada, de muitas maneiras chata e
tornada positivista, mas sim entendê-la como tal e levá-la a sério. O que não
pode acontecer é atrelar-se a um palavreado geral sobre o fetiche, comum no
declínio do capitalismo, pelo contrário, é preciso perguntar qual a função da
promoção de Marx e do fetichismo na actual época de decadência.
Nas múltiplas críticas do fetichismo de hoje também
se encontram por vezes traços, elementos, ideias soltas e temas que coincidem
com a crítica da dissociação-valor fundamental, e podem ser encontradas análises
e estudos que também a podem concretizar, uma vez que os instrumentos
conceptuais de Marx não são suficientes para esclarecer detalhadamente a
totalidade concreta nos seus múltiplos aspectos. Isso aplica-se, por exemplo, a
Boltanski/Chiapello, Bröckling ou Banscherus entre outros (a que de resto também
Dörre pertence), quando se trata da análise de um mundo “conexionista”, de uma
estrutura e mentalidade em rede, do "trabalhador de projecto" e do "eu
empresarial" ou da funcionalidade da "universidade empresarial". Nessa medida
tais análises são muito valiosas e por isso foram aqui agarradas (11). Assim
também se pode esclarecer o lado afirmativo de uma dialéctica de crítica do
fetichismo. No entanto Boltanski/Chiapello acreditam, por exemplo, que a crítica
emancipatória somente pode ser imaginada com a finalidade de reformar o
capitalismo. Assim a crítica corre sempre o risco de ser incorporada no
capitalismo, que eles imaginam que se vai prolongar sem fim. Boltanski/Chiapello
recomendam a fusão da "crítica estética" com a "crítica social", também no
sentido de uma no fundo antiga justiça distributiva. Por vezes não se pode aqui
evitar a impressão de que se tem saudades do velho fato-macaco. Banscherus e
outros tornam-se conselheiros de política educacional; eles fazem recomendações
imanentes para uma melhor política educacional / universidade. Portanto, tais
considerações, no contexto de uma crítica radical do fetichismo, têm de ser
escovadas contra o próprio pelo e a sua própria situação dentro da actual
situação histórica concreta deve ser investigada com os meios e instrumentos que
lhe são próprios. No entanto, isso aplica-se ao cenário geral de toda a crítica
do fetiche e em certo sentido mesmo à anterior crítica da (dissociação-)valor,
que tem de ter a coragem de também "pensar contra si mesma" (Adorno).
Nas deslocações que tenho efectuado para a realização
de conferências, no entanto, também aprendi que hoje, mesmo que isso seja feito
no contexto de um renascimento de Marx e de uma crítica do fetichismo
problemáticos, alguns desenvolveram um contexto teórico marxiano de aprendizagem
para além do nível do animal amestrado. Eles não recaem, por exemplo, no ditame
da ética e estão abertos a uma crítica do fetiche crítica do fetichismo
justamente no meio da crítica do fetiche, não em último lugar porque vêem como
as coisas também se passam na universidade crítica do fetiche ou em projectos de
"economia solidária" com a sua dupla moral, que na realidade são tudo menos
anti-hierárquicos, e notam que não só a questão do financiamento, mas também a
questão da perfilagem leva a compromissos duvidosos. Por outras palavras: há
muito tempo que se fazem notar o tornar-se afirmativa e a maneira de falar
afectada de uma (pseudo-)crítica do fetichismo. Isto é verdade não só para os
críticos do fetichismo na "fase pré-doutoramento", onde uma pessoa ainda pode
dar-se ao luxo da leviandade. Impõe-se também quando já se leva muitos anos de
esforçada carreira científica e no fim não se vê grande coisa, o que realmente
sempre se soube, mesmo que não poucos obstinados insistam na ideia da toga. Isto
também mostra que tem de se partir de uma dialéctica da crítica do fetichismo.
Ela pode ir por caminhos diferentes dos da afirmação do capitalismo decadente,
provavelmente as contradições sociais objectivas forçam francamente essa
possibilidade. Por que não, se se tem a possibilidade de obter uma bolsa de
doutoramento, mas apesar disso não se cai na asneira de acreditar nos disparates que
aqui é preciso dizer?
Em todo o caso, é preciso em primeiro lugar
reconhecer esta situação de conflito em geral. Só no contexto de tais análises
será então possível a questão da constituição da rede e da mediação, que não tem
nada em comum com críticas do fetichismo carreiristas, do turismo dos congressos
e da imediatidade, as quais poderão caminhar com prováveis variantes bárbaras de
decomposição social. Assim também à crítica da dissociação-valor se aplica há
muito o que Friedericke Küster escreve no álbum de família da teoria e da
crítica feministas: "Ela (a crítica feminista, R. S.), apesar do impulso
dissidente, está dependente do espaço de reflexão alimentado pelo Estado e,
portanto, não deixa por isso de continuar prejudicada no acesso aos biótopos da
criatividade intelectual" (Küster, 2013, p. 117).
Uma das consequências de tal crítica do fetichismo
simplista e unidimensional no contexto do colapso da modernização poderia
ser não em último lugar que se chegasse a uma apreciação de um "ethos do
trabalho alternativo", não apenas no sentido do "auto-empreendedorismo" de que
fala Bröckling, mas agora no sentido do "não-trabalho", ou seja, do trabalho
voluntário, economia gratuita etc., com um rendimento mínimo que é muito pouco
para viver e muito para morrer. Dar as correspondentes pseudo-respostas poderia
ser em parte devido à constante importunação da crítica da dissociação-valor,
exigindo-lhe a resposta à pergunta "Que fazer?". (12)
As possibilidades de cada um aqui e agora conseguir
obter as necessidades básicas elementares a partir do processo de valorização
bem poderão ser instrumentalizadas pela administração da crise, com um forte
lance de fundamentação na crítica do fetichismo, tal como uma vez o governo
vermelho-verde assumiu as exigências dos novos movimentos sociais no programa
Hartz IV. O que eles tinham querido uma vez é agora imposto à força não só a
eles, mas a toda a sociedade. Há muito tempo já são visíveis actualmente
tendências autoritárias de Estado, não necessariamente à maneira marcial de Carl
Schmitt, pelo menos na Alemanha de Merkel. Criatividade, capacidade de invenção,
mobilização de recursos, capacidade de inovação em termos de pequenas redes
informais poderiam agora ser apoiadas pelo Estado, ainda que pouco. Este é já o
caso há muito em algumas sociedades em colapso dentro e fora da Europa. Enquanto
neste país a teoria e a prática da economia solidária, etc. são muitas vezes
dirigidas por rebentos da classe média, nos países do Sul, como o Brasil, a
Venezuela, mas também a Grécia, tais projectos tratam da sobrevivência – como
muitas vezes é enfatizado. O tratamento vistoso e o incensar do care, do
voluntariado, dos commons etc. no feminismo poderá sair bem caro às
mulheres. Elas poderão/podem agora ser obrigadas a assumir a responsabilidade
por "dinheiro e sobrevivência" (Irmgard Schultz), como administradoras da crise.
Em vez disso, será de persistir numa crítica categorial que insiste em que a
dissociação-valor, como princípio formal, atravessa todos os domínios da
sociedade. Pelo contrário, a transferência da crítica da dissociação-valor para
teorias marxistas convencionais, incluindo o pós-marxismo, facilmente pode ser
classificada como revisionista.
Se Robert Kurz, já na década de 1980, referindo-se
aos alternativos e aos verdes, falou de "Noskes (c) em sapatilhas" (Kurz, 1988),
o que foi confirmado na guerra do Kosovo até ao mais trivial, bem como nos
regulamentos de Hartz IV, também não é inconcebível que um Noske crítico do
fetichismo tente no declínio do capitalismo defendê-lo metralhando as
resistências.
Não se trata aí meramente de uma "crítica categorial"
e de um programa de abolições, no sentido de um objectivo idealista sublime e de
um heroísmo da crítica social, que estabelece prescrições de dever, mas algumas
evidências sugerem que a crítica do fetichismo pode ser um importante componente
ideológico de uma administração da crise de chicote na mão, com – no mínimo –
consequências repressivas em relação aos sujeitos concretos, sendo esse
desenvolvimento porventura legitimado e justificado na teoria por uma crítica
verbalmente radical do fetichismo de orientação "ética" e também reformista.
Adenda: Depois da primeira versão deste artigo
verificou-se que o tema "Marx e graus académicos" é hoje amplamente discutido na
esquerda. Assim, por exemplo, houve uma edição da revista Phase 2 que
explicitamente se ocupou do tema (nº 46, 2013). Em Berlim, houve uma conferência
intitulada "Sobre a situação do marxismo", na qual a problemática da
universidade e do marxismo (ocidental) esteve no centro das atenções e onde se
pretendia que a referência a contextos não-académicos fosse um tema. É
significativo que apenas professores universitários / celebridades, estudantes e
doutorandos tenham sido convidados. Isso enfatiza mais uma vez que uma
scientific community (crítica do fetichismo) de orientação quase
"corporativista" quer ficar entre si, com vista ao auto-salvamento (disciplinar)
em qualquer caso, pretendendo que um potencial teórico de resistência
extra-académico seja no fundamental mantido decididamente longe (Assoziation für
kritische Gesellschaftsforschung, 2013). Mas, por outro lado, também se presta
estranhamente muita atenção actualmente à relação entre academia e debates
não-académicos de esquerda. No entanto, não se trata aqui propriamente da
relação entre verdade, conteúdo e fatal pôr-a-valorizar do seu próprio
conhecimento e das relações objectivas de dissociação-valor, pelo contrário, no
centro está o próprio status de lastimável preocupação como académicos/as
(potencialmente) precários/as, de resto ameaçados/as talvez permanentemente com
o destino de Hartz IV. Nessa medida há quem se imagine como "inimigo do Estado
na universidade", como Wolfgang Pohrt escreveu uma vez. Ocorre-nos
involuntariamente o adágio: "Quando o galo canta no esterco, o tempo muda ou
fica na mesma."
NOTAS
(1) Elmar Flaschart, no artigo Uma Epístola entre
cientificismo e do historicismo, na Exit! nº 10, discute com os
combatentes de uma – por assim dizer – nova disputa do positivismo na revista
Prodomo, aí havida entre Ingo Elbe e Joachim Bruhn entre outros (Flaschart,
2012). O pêndulo oscila aí mais a favor de Elbe e do seu entendimento da
ciência. De facto os traços quase religiosos de Bruhn devem ser realmente
criticados com dureza. No entanto, é preciso destacar a seu favor não só que a
sua polémica contra Elbe é divertida e refrescante, mas que se exprime nessa
postura uma atitude defensiva contra a reificação da crítica de Marx que é mais
que justificada. Mas não posso aqui entrar em detalhes. Uma discussão implícita
do artigo de Flaschart pode ser encontrada, no entanto, no meu texto A
importância de Adorno para o feminismo hoje, no nº da Exit! acima
mencionado (Scholz, 2012).
(2) Este processo pode hoje levar novamente a uma
produção de mais-valia absoluta, no entanto com base na mais-valia relativa, ou
seja, na desvalorização básica do valor que agora também atinge a força de
trabalho, por exemplo quando é feita pressão sobre os sindicatos, com a ameaça
de desemprego, para que o trabalho seja cada vez mais barato e haja dumping
salarial. Não posso entrar em detalhes. No entanto, isto não muda nada no
prognóstico de colapso (ver Kurz, 2012, esp. p. 305 sg.).
(3) A questão aqui não é saber se a definição de
capitalismo de Boltanski/Chiapello é acertada ou não – a partir da perspectiva
da crítica da dissociação-valor haveria diversas coisas a apontar. Outro
problema é que seja assumido um dualismo de economia e espírito de justificação
à maneira de Weber, que se acredita ser exterior ao capitalismo, sendo que
importaria notar, em vez disso, que este "espírito" actual deriva ele próprio de
contradições sociais. Marx não considerou as suas categorias fundamentais
simplesmente como económicas, mas entendeu-as como formas de pensamento, de
existência e de vida. No entanto, o corpus teórico assim entendido de
crítica do fetichismo não tem por si prontas quaisquer categorias para perceber
concretamente tais contextos. A este respeito, o recurso a Weber pode aqui
esclarecer algumas coisas. Particularmente, pode aqui ficar claro que até a
própria crítica do fetichismo pode ter a função de ser mais um batedor na
decadência do capitalismo.
(4) Boltanski/Chiapello distinguem ideal-tipicamente
várias formas de polis: a polis esclarecida, a polis do mundo familiar, a polis
da reputação, a polis do mundo burguês, a polis da economia de mercado, a polis
industrial na modernidade e a polis por projectos hoje. Por polis eles entendem
aqui, com Rousseau, "princípios comuns superiores", que legitimam os princípios
de valência, de precedência entre outros. Na polis industrial as pessoas são
avaliadas de acordo com a funcionalidade e eficiência do seu esforço de
trabalho, mas na polis por projectos elas precisam de ser flexíveis, capazes de
aprender, dispostos a adaptar-se, independentes etc. Eles estudam os princípios
do designado "mundo conexionista" principalmente na literatura de aconselhamento
de gestão (ibid., p. 61 sg. e p. 184). No contexto aqui tratado destaca-se
apenas a "polis por projectos" nas suas referências essenciais.
(5) Onde não é de excluir que Reichelt, com a sua
ontologia da validade, e uma esquerda de Habermas não poderiam juntar-se
amigavelmente (Reichelt, 2008). Sobre o que não posso entrar aqui em detalhes.
(6) Assim escrevem Dörre/Lessenich/Rosa: "A
sociologia de Jena – tendo em conta o quadro actual da ciência crítica –
proporciona as melhores condições institucionais e profissionais, intelectuais e
sociais para a tentativa de reposicionar a própria disciplina desde logo na
posição de crítica social e, a partir desta dinâmica, procurar possibilidades de
conectividade crítico-dialógica com outros locais do evento académico. A partir
daqui, no entanto, tratando-se de uma nova sociologia crítica, é e tem de ser
procurada a luz do universo não-académico (sic!), mediático e da prática
quotidiana" (Dörre/Lessenich/Rosa, 2009b., p.17). Está aqui à vista que para
eles só se trata do pensamento dentro da academia, da salvação da disciplina e
da toga, enquanto a fundação dos conteúdos essenciais das suas teorias foi
realizada fora ou ao lado da academia! Eles procuram aqui sublinhar a sua
"honestidade" demarcando-se perante “os representantes... de uma atitude (de
crítica do capitalismo) com a crítica lavada com amaciador", os quais “dizem que
teriam de assumir” tal crítica "como concessão passageira ao espírito do tempo
exigível em termos de carreira" (ibid. , p. 15). Para isso o instituto, com a
sua retórica verbalmente radical hoje bem aceite, oferece de facto as melhores
condições!
(7) Robert Kurz escreve em 2005 sobre os teóricos de
regulação, como Joachim Hirsch: "O conceito de crise... separou-se completamente
da forma do valor e da substância do valor e deslocou-se não apenas para o nível
da aparência superficial, mas também para o simples plano da acção dos sujeitos
sociais, a partir do qual, juntamente com o conceito de fetiche, se extingue
francamente qualquer lei interna" (Kurz, 2005, p. 433). Nas versões iniciais da
teoria da regulação, no entanto, a forma do valor ainda estava presente; agora,
em 2013, significativamente desaparece outra vez, como é o caso em Müller.
(8) Deve-se aqui simplesmente observar que a partir
da perspectiva da crítica da dissociação-valor há muito tempo que existe o livro
Krise der Differenzen – Differenzen der Krise [Crise das diferenças –
Diferenças da crise], em que a relação aparentemente igual entre valor e
dissociação, Outros e outros Outros, “Abjectivos" é analisada longa e
detalhadamente. Aí se pode ver que a questão é algo mais complexa do que sugere
Müller com a sua teoria global da "abjecção", devendo o CONTEÚDO da "abjecção"
ser examinado mais de perto e NESTE contexto serem levadas em conta as
diferenças (Scholz, 2005a).
(9) Neste tema há muito que Polanyi foi transformado
numa espécie estilita no discurso académico. Em A Grande Transformação,
dinheiro, terra, trabalho e natureza (interna) foram feitos economia de mercado,
o que no entanto supostamente contradiz a sua natureza interna (Polanyi, 1995,
para a crítica ver: Kurz, 2012 p. 112 sg.). Depois de um interlúdio keynesiano e
neo-liberal, parece estar-se em vias de uma "Nova Transformação" que
supostamente resulta do processo de decadência do capitalismo (quase sempre
acompanhado pelas palavras "tal como o conhecemos"). Assim se pode contar com um
processo de decadência do capitalismo, manter os planos de acção práticos em
termos keynesianos ou de teoria da regulação e de prática imediata (economia
solidária, etc.) e depois entregar-se a uma ontologia de dinheiro, terra,
propriedade privada etc., como factores naturais, dos quais se teria apenas sido
desapropriado. Assim se pode ter em conta um processo de decadência do
capitalismo sem ousar uma "ruptura categorial". Com as palavras tão apregoadas
de Erich Mühsam: trata-se de "como revolucionar e continuar a polir os
candeeiros".
(10) Isto não significa demitir-se de qualquer
envolvimento prático. Naturalmente que é preciso, por exemplo, exigir um salário
mínimo razoável (não menos importante em termos de serviços profissionais de
assistência), fazer da abolição do Hartz IV a medida mínima, promover a ocupação
de casas quando já não há dinheiro para a renda, lutar não em último lugar
também contra o racismo, o anti-semitismo e o anticiganismo, criticar a síndrome
de burnout, a dupla carga das mulheres, especialmente no contexto da
crítica de uma "pausa frenética" (Virilio), e ir às manifestações. No entanto, é
problemático se este protesto já é tomado pela totalidade e a partir daqui
directa e imediatamente encerrado num Diferente para além do capitalismo. Além
disso, é preciso ver as contradições das lutas sociais, que não evidenciam
necessariamente intenções emancipatórias. "Se as trabalhadoras e trabalhadores
assalariados se identificam com a sua própria função no capitalismo e exigem
aquilo que precisam apenas em nome dessa função, tornam-se eles próprios
“máscaras de carácter”… de um determinado componente do capital, nomeadamente a
força de trabalho. Assim, eles reconhecem que apenas têm direito à vida se
conseguirem produzir mais-valia. Daqui decorre uma concorrência acirrada entre
as diversas categorias de trabalhadoras e trabalhadores assalariados e uma
ideologia de exclusão social darwinista. "(Kurz, 2013b, p. 27). Dörre & Cª
debatem-se com algo assim quando muito de passagem.
(11) Um valioso recurso para a crítica do fetichismo
parece ser Eva Illouz, quando ela, baseada em literatura de auto-ajuda, examina
por exemplo os sentimentos no capitalismo, o amor e coisas do género; no
entanto, ela esboça uma crítica da alienação no contexto de uma vistosa crítica
do fetichismo, que perde a crítica da forma por concretizá-la apenas como
conceito de alienação. Sentimentos e amor funcionam aqui sempre, e não parece de
admirar que eles venham de uma mulher, como por vezes tem sido notado
positivamente na imprensa. Uma visão assim simplista já antes foi formulada por
Beck e Beck-Gernsheim, no contexto de uma "modernidade reflexiva"; também Illouz
não pretende ir até algo de diferente. Também o "amor" é assim parte integrante
do capitalismo, do qual não se deve sair (Illouz, 2006).
(12) Robert Kurz, com o seu artigo Anti-economia e
antipolítica, é visto frequentemente como teórico fundamental de tais
correntes, sendo que ele, também neste texto, viu as iniciativas para além do
mercado e do Estado simplesmente como momento da fase de transição numa
perspectiva de totalidade, momento que nunca estava separado da crítica da falsa
imediatidade nem de uma perspectiva global, o que entretanto corre o risco de
cair no esquecimento (Kurz, 1997). Por outro lado, este ensaio também mostra que
uma crítica radical da (dissociação-)valor não está imune a ceder de algum modo
um pouco, quando nas discussões continuamente lhe é posta na garganta a faca de
um repressivo e em última instância afirmativo "Que fazer?". Uma pessoa tem
então de se "arranjar" de algum modo.
NOTAS DO TRADUTOR
(a) A palavra alemã usada,
Studentenfutter,
significa “mistura de frutos secos”, mas diz literalmente “ração para
estudantes” (N.Tr.).
(b) “A Deutsche Forschungsgemeinschaft DFG (Sociedade
Alemã de Amparo à Pesquisa) é a principal organização com autonomia
administrativa na área científica alemã. A entidade serve aos interesses das
ciências em todas as suas ramificações por meio do fomento a projectos de
pesquisas em instituições de ensino superior e em outros órgãos de pesquisa”,
segundo a autoapresentação da entidade (N.Tr.).
(c) Referência a Gustav Noske, membro do Partido
Social-Democrata alemão que votou os créditos de guerra em 1914 e foi ministro
da defesa da República de Weimar, tendo ficado conhecido pelo seu papel central
no esmagamento do levantamento spartakista e no assassinato de Rosa Luxemburg e
Karl Liebknecht em 1919 (“Alguém tem de fazer de cão sanguinário. Não tenho medo
das responsabilidades”, assumiu).
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Original
FETISCH ALAAF! Zur Dialektik der
Fetischismuskritik im heutigen Prozess des „Kollaps der Modernisierung“. Oder:
Wieviel Establishment kann radikale Gesellschaftskritik ertragen?
em
www.exit-online.org. Publicado na revista
EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft,
12
(11/2014) [EXIT! Crise e
Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 12 (11/2014)], ISBN 978-3-89502-374-3,
192 p., 13 Euro, Editora: Horlemann Verlag, Heynstr.
28, 13187 Berlin,
Deutschland, Tel +49-(0)30 49307639, E-mail: info@horlemann-verlag.de,
http://www.horlemann.info/.
Tradução de Boaventura
Antunes (01/2015)