Carta aberta às
pessoas interessadas na EXIT! na passagem de 2014 para 2015
Nos
dois anos após a morte de Robert Kurz, a crise do capital mundial por ele
analisada e prognosticada há já 28 anos (1) agudizou-se ainda mais, sendo assim
percebida por um público mais amplo, embora por regra de maneira equivocada,
ignorando as verdadeiras causas. Isso aconteceu em particular no ano de 2014,
não só pela lembrança dos desastres, 100 anos após a eclosão da I Guerra
Mundial, 75 anos após a eclosão da II Guerra Mundial e 25 anos após o colapso do
bloco de leste e o fim da chamada concorrência entre sistemas.
No
seu artigo de fundo sobre a passagem de ano, a redacção da SPIEGEL (2) mostra
preocupação com o facto de 2014 poder vir a revelar-se retrospectivamente – como
aconteceu com o ano de 1989, apenas de modo completamente diferente do que então
se pensava – como um "ano charneira" da história mundial, nomeadamente em que se
terá iniciado o fim "do Ocidente" e do seu "projecto normativo de democracia,
Estado de direito, direitos humanos e liberdade". O Ocidente, em 2014, terá sido
posto na defensiva: "Este ano as democracias foram tão desafiadas como há muito
não acontecia, por pensamentos e acções autoritários e intolerantes, tanto
externa como internamente."
Como prova são citados: a Rússia "que anexou a Crimeia" e atiça uma guerra civil
no leste da Ucrânia; o advento do "Estado Islâmico" e a humilhação do Ocidente
pela decapitação de reféns americanos e britânicos na frente da câmara; a China,
que pela primeira vez ascendeu a economia mais forte do mundo, se se considerar
o poder de compra, e cuja "liderança comunista" pretenderia armar militarmente o
império gigante; a Turquia que agora se está a aproximar da Rússia em vez de da
UE; o fim da "Primavera Árabe", de que apenas a Tunísia terá ficado como
"exemplo positivo", enquanto "o autoritarismo" está em marcha nos outros
lugares; o sucesso de partidos populistas de direita nas eleições para o
Parlamento Europeu, o "movimento popular" Pegida em Dresden no mesmo sentido, o
sucesso da AfD nas eleições estaduais; a surpreendentemente elevada "aceitação
do nacionalismo agressivo de Putin" justamente na Alemanha e o financiamento da
Frente Nacional francesa por um banco russo.
Mais interessante do que esta listagem um pouco estranha e incoerente de
desenvolvimentos isolados, supostamente orientados contra os valores ocidentais,
é talvez o que não se diz. Em primeiro lugar, a lista poderia juntar ainda mais,
como a evidência de que o Ocidente há muito deixou de levar a sério os seus
próprios valores, na sua luta contra os "desafios feitos por pensamento e acção
autoritários e intolerantes". Em vez disso, fazem parte das armas nesta luta
tanto a tortura e morte deliberada de civis sem julgamento, como a vigilância
generalizada das telecomunicações e não só do seu próprio povo, razão pela qual
a política ocidental se torna simplesmente ridícula ao exigir direitos humanos
noutros lugares. Segundo, nem sequer se põe a questão de saber de onde vem de
repente este alegado movimento contra o "Ocidente e os seus valores", se afinal
a "concorrência entre sistemas" acabou há 25 anos. A tentativa de responder a
esta questão colocaria certamente a SPIEGEL perante problemas insolúveis.
Como já foi apontado por Marx, os valores ocidentais, os "direitos inalienáveis"
à vida, à liberdade e à busca da felicidade, referem-se centralmente à liberdade
e igualdade de direitos dos sujeitos do mercado, à garantia da propriedade
privada e à segurança garantida pelo Estado das transações comerciais, pelo que
então escravos, mulheres e negros livres não estavam (ainda) previstos na
declaração destes chamados direitos humanos, como seus titulares. Ao seu gozo
acedem apenas seres produtores de mercadorias e ganhadores de dinheiro. "Um ser
humano só é titular de direitos, ou seja, titular de direitos humanos, se puder
funcionar na legalidade capitalista, que foi declarada como lei natural da
sociedade. O chamado Iluminismo burguês apenas entendeu como ‘existência humana’
a existência dos sujeitos do ‘trabalho’ abstracto nos espaços funcionais da
economia empresarial e do comércio de mercadorias nos mercados (ou seja: na
esfera de realização da valorização do capital). É subentendido que o ‘ser
humano’ já surge nesta forma social à saída do útero materno, porque só pode ser
concebido, quer física quer espiritualmente, sob a forma de um tal ser
‘económico’." (3)
A
ascensão do modo de produção capitalista e a consequente inclusão de segmentos
cada vez maiores da sociedade na valorização do capital trouxe consigo que cada
vez mais pessoas passaram a ter o estatuto de sujeitos do mercado com capacidade
jurídica, sendo por isso titulares de direitos humanos. Mas esse movimento
inverteu-se entretanto. Na medida em que, na senda da crise final, as pessoas se
tornam supérfluas para a valorização do capital, deixa de existir para elas "o
pressuposto da definição iluminista de Homem. Os ‘supérfluos’ do capitalismo,
segundo essa definição, não são seres humanos, mas apenas objectos naturais,
como um seixo, uma barata ou um escaravelho da batata (o marquês de Sade já
tinha chegado a esta conclusão, com apurado cinismo, no século XVIII).
Daqui decorre que os modernos direitos humanos não são uma promessa, mas uma
ameaça: se uma pessoa já não é economicamente utilizável e funcional também já
não é, em princípio, sujeito de direito e, se já não é sujeito de direito, não é
já um ser humano. A potencial desumanização dos ‘supérfluos’ está contida na
concepção burguesa do Iluminismo, na medida em que o ser humano capitalistamente
coisificado, na forma ‘anti-natural’ de excluído, ainda é menos que uma coisa.
Esta última consequência é o princípio secreto de toda a economia política e,
com ela, da moderna política democrática em geral. Ele é a essência daquele
‘realismo’ impertinente que há muito inquinou a própria esquerda política. Toda
a Realpolitik [política do realismo] traz consigo a ‘marca de Caim’ desta
lógica implacável." (4)
O
"projecto precário do Ocidente", do qual se vangloria a SPIEGEL, não foi posto
na defensiva nos últimos anos por um contramovimento vindo de fora. Em vez
disso, este movimento pretensamente contrário resulta das contradições internas
desse mesmo projecto e das do modo de produção capitalista no qual ele se
baseia. Na fase de declínio desta formação social, em que a concorrência das
economias nacionais, das empresas e dos sujeitos do trabalho e da mercadoria se
agudizam cada vez mais, a democracia e os direitos humanos tornam-se um luxo; de
qualquer maneira eles nunca foram pensados para os já excluídos nem para os
futuramente excluídos.
O
que é necessário é um verdadeiro contramovimento contra esta dinâmica destrutiva
onde, certamente, não se pode tratar do resgate do projecto ocidental, mas sim
de suplantá-lo, no sentido de um natural "reconhecimento do ser humano, ou seja,
de todos os seres humanos, na sua existência corporal, espiritual e social” que
só pode “ocorrer para além da definição capitalista-iluminista de ser humano”.
(5)
A
insustentabilidade das condições prevalecentes já levou pelo menos a uma
pluralidade de movimentos de busca de alternativas que, no entanto, acreditam
normalmente que passam bem sem a crítica do capitalismo. Isto tem como
consequência que os chamados conceitos alternativos permanecem quase
inevitavelmente presos nas categorias capitalistas que pretendem ultrapassar.
Uma vez que sem uma análise e crítica aprofundadas da socialização da
dissociação-valor não é possível a sua suplantação consciente, a tarefa do
projecto EXIT consiste mais num "programa de abolições" e em mostrar as
deficiências do artesanato entretanto abundantemente disponível de conceitos
supostamente pós-capitalistas do que em participar nos mesmos. Aqui ficam
algumas referências para as áreas problemáticas correspondentes:
Entre todos as respostas percebidas nos média-mainstream para a crise ecológica,
o movimento pós-crescimento é considerado o mais radical: uma vez que não pode
haver crescimento económico sem destruir as bases naturais, nós só poderemos
sobreviver no futuro sem crescimento. Mas, enquanto permanecer sem resposta a
questão sobre o que tem realmente de crescer tão obsessivamente, por falta de
suficiente análise crítica do capitalismo, surge a partir da crítica do
crescimento imediatamente uma crítica do consumo e daí, subitamente, uma
concepção neoliberal:
"Quem se acomodou ao acolchoado
serviço completo non-stop, não pode, ao mesmo tempo, preservar a soberania dum
indivíduo que liga as suas exigências apenas às possibilidades que podem ser
reproduzidas se necessário pelos seus próprios esforços."
Saborear a pobreza material como suposta condição de libertação individual até
pode revelar-se mesmo bastante útil como instrumento da administração da crise.
Mas a recaída na economia de subsistência, em última análise aqui propagada,
dificilmente pode ser parte da suplantação a que se aspira do crescimento
capitalista coercivo. (6)
Também uma crítica que se pretende fundamental do capitalismo e do fetichismo
não está livre do perigo de fazer parte da administração da crise e de um novo
empreendedorismo, por assim dizer baseado na Sociedade Unipessoal Lda, logo que
ponha o pé nas instituições da sociedade burguesa. O capitalismo até hoje sempre
soube assumir os rigores da crítica que lhe é feita e adaptá-los às suas
próprias formas, acabando por incorporá-los. Isso pode acontecer também com a
crítica social, mesmo radical, assim que entra nos moinhos da ciência
institucionalizada, porque as pessoas que aí lidam com ela também têm de estar
preocupadas com o seu próprio sucesso e, portanto, têm de levar em conta as
peculiaridades do contexto de rede oportunista em que se movem. A selecção das
questões, bem como a direcção em que se procuram as respostas, podem aqui
tornar-se rapidamente um mero meio para um propósito completamente diferente,
como seja o perfil do seu próprio "eu empresarial" ou o bem profano apossar-se
de um financiamento externo para o próximo projecto. Os resultados de uma
crítica social surgida em tais contextos deveriam ser encarados com certa
desconfiança, e com certeza que todo o ambiente em que ocorrem deve ser objecto
de reflexão com eles. (7)
Por
muito agradável que possa parecer à primeira vista o surgimento noutros
contextos de partes ou até apenas ideias soltas das teorias desenvolvidas no
contexto da EXIT, portanto, com tanto mais rigor se deve ver como elas aí são
empregues. Isso é verdade, de uma forma diferente das ciências humanas e
sociais, também para os domínios que lidam com as consequências sociais do
desenvolvimento das tecnologias da informação. Não é por acaso que aí se
encontram explicações da crise que não enfatizam o capital financeiro
supostamente tornado selvagem, mas vêem as causas no desenvolvimento das forças
produtivas e no desaparecimento que lhe está associado do trabalho na produção.
Até aí, tudo bem. Nestes contextos orientados pela técnica, no entanto, parece
estar muito generalizada a ideia de que o desenvolvimento tecnológico por si só
conduz quase automaticamente para fora do capitalismo e abre caminho para uma
sociedade livre. Um representante típico dessas ideias e também dos mais
proeminentes é Jeremy Rifkin:
"Com todo o entusiasmo com as perspectivas da
Internet das coisas, passa completamente despercebido que a fusão de todos e de
tudo numa rede de âmbito mundial e movida por um motor de ‘extrema
produtividade’ nos está a oferecer mais depressa do que nunca uma era de bens e
serviços quase gratuitos. O que, por sua vez, levará no meio século seguinte ao
desaparecimento do capitalismo e ao aumento dos commons em colaboração,
como modelo dominante de organização da vida económica." (8)
Uma
técnica particular (a "Internet das coisas") levará, portanto, ao
desaparecimento do capitalismo e ao surgimento de uma nova organização da
actividade económica. Não se fala das pessoas, como suportes de tal
transformação a ser moldada conscientemente, tudo vai por si só. Essa visão pode
provavelmente ser designada como simples fetichismo da tecnologia. (9)
Um
segundo ponto a criticar refere-se à ideia conexa e muito generalizada nos
círculos relacionados de uma propagação gradual da nova sociedade na antiga, com
a redução simultânea do "sector" capitalista, que Rifkin entende mesmo que não
desaparecerá totalmente. Este conceito de "forma embrionária" orienta-se por uma
determinada imagem do surgimento da formação capitalista na sociedade feudal, em
que aquela começou pequena, espalhou-se e foi substituindo gradualmente a velha
formação. Independentemente de saber se essa imagem corresponde realmente à
verdade, é preciso ter em conta que na dissolução do capitalismo não é possível
substitui-lo por uma nova sociedade, seja ela qual for, e por uma razão simples:
o capitalismo não pode encolher. Ele ou cresce, ou entra em colapso. Um sector
capitalista cada vez menor, que combine harmoniosamente com a nova formação, é
uma impossibilidade.
Sem
dúvida que as evoluções técnicas descritas por Rifkin e outros irão exacerbar a
crise e acelerar o declínio do modo de produção capitalista ainda mais. Mas o
que se segue não é uma questão de técnica. O capital, como relação social, não
desaparece da face da Terra simplesmente porque se tornou obsoleto. É necessário
aqui um movimento para a suplantação consciente – não automática – da formação
social vigente e a configuração – igualmente consciente – de uma nova, da qual
presentemente ninguém pode dizer como vai ser. O simples facto da decadência do
capitalismo não dará vida a tal movimento, antes pelo contrário: as experiências
dos países que já entraram em colapso na periferia, (10) bem como das margens
dos centros capitalistas, mostram que a maioria dos indivíduos realmente
existentes reage de maneira diferente ao facto de se tornarem supérfluos, ou
seja, com construções ideológicas reacionárias, com a organização dos sujeitos
da concorrência sobretudo do sexo masculino em bandos criminosos mafiosos ou
fascistóides e com a transformação da guerra civil de todos contra todos até
agora contida pela forma jurídica em violência nua e crua.
E,
mesmo na Alemanha, que conseguiu até hoje, em grande parte, manter a crise longe
de si, por um lado, pelo encerramento da Europa contra o afluxo de refugiados
das zonas de crise vizinhas, e, por outro, através do seu campeonato mundial de
exportação e da conexa exportação também do desemprego, mesmo na Alemanha se
mostra gradualmente o que se pode esperar logo que este estatuto especial deixe
de poder ser mantido:
"O aguardado levantamento das massas está agora a
mover-se lentamente e este movimento é para a direita. Ao contrário da histeria
nazi, generalizada e presunçosa, isso não significa radicalismo e violência, mas
simplesmente o regresso ao senso comum. É normal a amar o seu país, apreciar a
sua cultura e ter o desejo de que o seu próprio povo continue a existir e não
seja substituído. Os alemães querem que a Alemanha volte a ser alemã. Eles
simplesmente estão fartos da islamização, que não pode continuar a ser ignorada,
e do desprezo do seu próprio governo. Querem de volta a verdadeira Alemanha em
que as suas famílias possam viver felizes." (11)
Estas declarações, retiradas da edição on-line do jornaleco da campanha
nacionalista alemã "Blue Narzisse", mas ainda assim paradigmáticas, já não se
baseiam entretanto em meras esperanças vãs. Para a questão, agitada na política
e nos média, de saber se o Pegida e movimentos semelhantes são de
extrema-direita e racistas, ou se neles apenas se expressam as preocupações e os
receios legítimos do centro da sociedade, há uma resposta simples: ambas a
hipóteses são verdadeiras, a famosa "maioria silenciosa" pensa racista – e
também anti-semita e sexista. Os temores da pequena burguesia, até bem
fundamentados na crise, contra o rebaixamento, a precarização e a superfluidade
articulam-se com o anseio por uma identidade colectiva nacional não afectada
pela crise, cuja pertença no entanto só pode ser determinada negativamente,
sendo excluídos aqueles que de qualquer modo são considerados estranhos. Uma
"Alemanha alemã" não pode ser muito bem definida de outra maneira, e para isso o
"Islão" é actualmente o instrumento que está à mão, e até mesmo justamente nas
regiões da República onde os muçulmanos só aparecem muito esporadicamente.
Que
isso seja assim para a clientela alemã da normalidade banal, que já se agita nas
ruas, embora por enquanto ainda apenas em algumas regiões, torna-se um problema
também para os partidos que se reclamam do "centro político". Paciência, têm de
estar com a sua própria gente, que desfila de braço dado e se junta com figuras
reconhecidamente de direita. Não faltam as reações correspondentemente
ambivalentes. Perante as manifestações de compreensão das preocupações e
necessidades da própria clientela, que está a ficar fora de controlo, prevalecem
as demarcações mais ou menos claras do novo movimento racista. Mas isso não muda
o facto de que há mais de vinte anos que a Realpolitik se aproximou dele,
em obediência antecipada, ou seja, desde a abolição de facto do direito
fundamental de asilo pelo "compromisso de asilo" de 1993. Desde então, trata-se
apenas da questão de saber se a lei de asilo em geral deve ser ainda mais
apertada, ou se deve ser reformulada, de tal modo que possam ser admitidos os/as
imigrantes úteis para a valorização do capital – e na medida em que sejam
portadores de direitos humanos (ver acima) – e os supérfluos possam ser mantidos
fora. A Realpolitik não se opôs nunca, a não ser simbolicamente na forma
de mensagem de Ano Novo, aos que agora se manifestam de modo xenófobo e até
racista pelo "regresso ao senso comum", cujos pressupostos fundamentais
partilha, na verdade, há mais de vinte anos.
Ora, também na perspectiva da crítica social tem pouco sentido pretender abordar
o desenvolvimento em curso argumentando ou recorrendo a factos, por exemplo, de
que não se pode falar realmente de islamização iminente, mesmo se de acordo com
uma pesquisa 34 por cento dos cidadãos alemães acreditam nisso. (12)
Estamos a lidar com um sistema completamente delirante e não adianta nada
envolver-se com ele. Só podemos tentar explicar como isso aconteceu. Do ponto de
vista da posição desenvolvida no projecto EXIT é claro que se trata de uma
manifestação de crise, de uma mistura de ideologias de crise que em momentos de
prosperidade económica eram mantidas encobertas, mas agora se tornam socialmente
aceitáveis: "Na mesma medida em que a biologização e a naturalização da
sociedade começam a afogar novamente a consciência de crise do capitalismo e a
flanquear a selecção social neoliberal, esta tendência assassina vira-se de novo
para uma pseudocrítica de direita, fascistóide do liberalismo e da
“economificação” capitalista “do mundo”. A nação "étnica" e a "raça" estão de
volta, numa repetida compulsão patológica, como contra-imagem fantasmática, no
lugar de uma crítica radical da economia que o marxismo do movimento operário
não conseguiu efectuar." (13)
Robert Kurz já há 15 anos descreveu o que agora se apresenta cada vez mais
claro: "Tendo por fundo uma darwinização geral do pensamento e um asselvajamento
das relações sociais, ‘economia de mercado e democracia’ decompõem-se em
estruturas particularizadas de luta ‘pela sobrevivência’. Sejam corporações
transnacionais com exércitos privados e serviços secretos próprios, sejam
mercenários e esquadrões da morte comerciais, sejam milícias ‘étnicas’, seitas
apocalípticas ou bandos neonazis: o mapa da descivilização toma forma, enquanto
o circo mediático prossegue fantasmaticamente e o plástico discurso democrático
se torna dia a dia mais ignorante e mais oco. Tal como para a democracia o
‘quarto poder’ da máquina capitalista estava sempre a montante, assim agora,
como resultado da disfunção irreversível desta máquina na Terceira Revolução
Industrial, o ‘quinto poder’ dos bandos está a jusante. Não há qualquer
levantamento emancipatório, mas toda a gente começa a armar-se." (14)
Perante esta experiência de destruição e autodestruição, confirmada
empiricamente todos os dias na fase final do capitalismo em decomposição, a
questão crucial é saber se e como um contramovimento para suplantar
emancipatoriamente o capitalismo conseguirá constituir-se, sem reprimir logo de
início até mesmo os seus próprios membros com os cunhos do capitalismo. Para um
grupo de teoria como o do contexto da EXIT, que não consegue pôr de pé tal
movimento, resulta daí a tarefa de que temos mais que nunca de nos virar para as
devastações infligidas pela sociedade burguesa no interior dos seus membros, e
que levam a que "tenha sido completamente recalcado na consciência social o que
é evidente e realmente nem precisa de ser dito, como se tivesse sido pronunciado
um feitiço." (15)
Com
relação ao problema de como o referido sortilégio fetichista foi formado e como
ele pode ser quebrado, a maioria das questões ainda está em aberto. Para seu
esclarecimento, portanto, para além das abordagens existentes, é preciso fazer a
tentativa de tornar as categorias psicanalíticas fecundas para a crítica da
dissociação-valor. Se isso será afinal bem-sucedido é o que ainda tem de ser
visto.
A
crítica da dissociação-valor tenta na verdade ganhar distância em relação ao seu
objecto, sem o que não seria possível qualquer crítica teórica. No entanto, ela
move-se – tal como as pessoas que a exercem – forçosamente no contexto da
sociedade por ela criticada e está, portanto, dependente não só de apoio, mas
também de recursos financeiros. Por isso pedimos às interessadas e interessados
na EXIT para apoiarem material e idealmente o nosso projecto de acordo com as
suas possibilidades, também no ano de 2015.
Claus Peter Ortlieb pela redacção da EXIT!, Janeiro de 2015
******
Os donativos para apoio do projecto EXIT são
fiscalmente dedutíveis e são solicitados pela:
Verein für kritische
Gesellschaftswissenschaften
Conta nº: 0446551466
IBAN DE13440100460446551466
Código do banco: 44010046
BIC PBNKDEFF440
Postbank Dortmund
Notas
(1) Robert
Kurz: Die Krise des Tauschwerts
[A crise do valor de troca], Marxistische Kritik 1, 1986, p. 7-48, http://www.exit-online.org/link.php?tabelle=autoren&posnr=98.
(2) DER
SPIEGEL, 29.12.2014, p. 16.
(3) Robert
Kurz: Politische Ökonomie der
Menschenrechte, http://www.exit-online.org/link.php?tabelle=schwerpunkte&posnr=105;
traduç. port.: Economia política dos
direitos humanos, http://obeco.planetaclix.pt/rkurz110.htm,
ver também os outros textos sobre o tema “Crítica
da ideologia do iluminismo e dos direitos humanos”, http://o-beco.planetaclix.pt/textostemas10.htm.
(4) Ibid.
(5) Ibid.
(6) A
citação é do spiritus rector do
movimento pós-crescimento Nico Paech e foi retirada do texto de Daniel Späth: Liberalismus
in der Fundamentalkrise: Eine Kritik der „Postwachstumsbewegung“ , http://www.exit-online.org/link.php?tabelle=aktuelles&posnr=629 .
Traduç. port.: O liberalismo na crise fundamental: Crítica ao "movimento
pós-crescimento”, http://o-beco.planetaclix.pt/daniel_spath4.htm O texto
debate-se precisamente com este movimento e aponta particularmente a afinidade
com a crítica dos juros de Silvio Gesell e com o anti-semitismo estrutural que
lhe está associado.
(7) Uma
discussão mais detalhada da problemática aqui referida é apresentada no texto de
Roswitha Scholz: Fetisch
Alaaf! Zur Dialektik der
Fetischismuskritik im heutigen Prozess des „Kollaps der Modernisierung“.
Oder:
Wieviel Establishment kann radikale Gesellschaftskritik ertragen?,
EXIT! Krise und Kritik der Warengesellschaft 12, 2014, p. 77-117; http://www.exit-online.org/link.php?tabelle=aktuelles&posnr=626.
Tradução port.: VIVA O FETICHE!
Sobre a dialéctica da crítica do fetichismo no actual processo de ‘Colapso da
modernização’. Ou: quanto establishment pode suportar a crítica social radical?
http://o-beco.planetaclix.pt/roswitha-scholz18.htm
(8) Jeremy
Rifkin: Die Null-Grenzkostengesellschaft.
Das Internet der Dinge, kollaboratives
Gemeingut und der Rückzug des Kapitalismus
[A sociedade do custo marginal zero. A
Internet das Coisas, commons em colaboração e o recuo do capitalismo],
Frankfurt 2014, S. 32.
(9) No
seminário da EXIT! de 17 a 19 de Outubro de 2014 em Mainz debatemos estas
ideias. Um bom resumo dos resultados da nossa discussão encontra-se no
texto de Tomasz Konicz: Die
wunderbare Welt des Jeremy Rifkin. Wie der Mainstream den Postkapitalismus
diskutiert, ohne auch nur eine Ahnung vom Begriff des Kapitals zu haben [O
maravilhoso mundo de Jeremy Rifkin. Como o mainstream discute o pós-capitalismo
sem ter a menor ideia do conceito de capital].
O texto integra a colectânea de Tomasz Konicz
/ Florian Rötzer (Hg.): Aufbruch
ins Ungewisse. Auf der Suche nach Alternativen zur kapitalistischen Dauerkrise
[Partida para o desconhecido. Em busca de alternativas para a crise
duradoura do capitalismo],
Telepolis-Ebook, Heise-Verlag 2014, em que se encontram tanto textos com
opiniões técnico-fetichistas como também textos críticos.
(10) Ver
o livro acabado de sair de Gerd Bedszent: Zusammenbruch
der Peripherie. Gescheiterte Staaten als Tummelplatz von Drogenbaronen, Warlords
und Weltordungskriegern [O colapso da periferia. Estados falhados
como viveiro de barões da droga, senhores da guerra e guerreiros do ordenamento
mundial], Horlemann
Verlag, Berlin 2014.
(11) Georg
Immanuel Nagel: Der Aufstand des
Volkes [O levantamento do povo], Blaue
Narzisse, 2014, http://www.blauenarzisse.de/index.php/anstoss/item/5044-der-aufstand-des-volkes.
(12) DER
SPIEGEL 20.12.2014, p. 30.
(13) Robert
Kurz, Schwarzbuch Kapitalismus. Ein
Abgesang auf die Marktwirtschaft [O livro
negro do capitalismo. Um canto de despedida da economia de mercado], Frankfurt
a. M. 1999, p. 765.
(14) Ibid.,
p. 780.
(15) Ibid.,
p. 782.
Original
KRISENWIRREN. Offener Brief
an die InteressentInnen von EXIT zum Jahreswechsel 2014/15
in
www.exit-online.org,
Janeiro de 2015