Não há
saída da crise da dívida
É cada vez mais claro que as medidas de
austeridade prescritas para zona euro apenas agravam ainda mais a crise que
pretendem combater. Em todas as economias nacionais caídas sob o controlo da
"troika" do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão
Europeia as medidas de poupança levaram à queda da procura interna. A recessão
assim desencadeada ou agravada leva ao aumento do desemprego, o que exige
maiores encargos sociais, diminuindo ao mesmo tempo o PIB e a receita fiscal.
Como resultado agravam-se os indicadores da dívida nacional, tanto do stock de
dívida como do novo endividamento, em percentagem do PIB mais reduzido. O que
por sua vez é invocado pela "troika", que pelos seus critérios outra coisa não
pode fazer senão apertar o torniquete e agravar as exigências de poupança, o que
volta diminuir a procura interna e assim sucessivamente.
Esta espiral de poupança, recessão, mais
poupança e recessão ainda mais acentuada já é conhecida desde a década de 1930,
na Alemanha desde o caso dos decretos de emergência de Brüning [último chanceler
de República de Weimar (N.T.)], mas também nos EUA, onde o governo do presidente
Hoover seguiu um percurso semelhante. O resultado então obtido pode agora ser
observado de novo nos países do sul da Europa em crise: uma taxa de desemprego
de cerca de 25 por cento, com o desemprego juvenil a rondar os 50 por cento. Mas
há uma diferença: enquanto na década de trinta os governos arruinaram as suas
próprias economias, na zona euro esse trabalho é feito pelo governo alemão, com
o resultado de que quase só a economia alemã cresce (ainda) um pouco, enquanto a
zona do euro como um todo encolhe economicamente.
O keynesianismo, como se sabe, surgiu na
década de trinta, como reacção à crise económica mundial de então e à política
económica desse tempo que agravava a crise. Correspondentemente perplexos, os
seus representantes, em particular o prémio Nobel Paul Krugman, estão contra a
austeridade preconizada pela política alemã (ver o
artigo de JustIn Monday
em Konkret 8/12). A crescente "cegueira ideológica" dos políticos alemães parece
a Krugman só poder ser explicada por sua fé “em que tempos difíceis têm de ser a
punição necessária pelos excessos anteriores", ignorando ele, no entanto, que os
tempos difíceis e os excessos aqui não dizem respeito necessariamente às mesmas
pessoas. Como alternativa à política de austeridade são promovidos programas de
estímulo económico: "Hoje, os governos precisam de gastar mais dinheiro e não
menos, e durante o tempo necessário até que o sector privado esteja novamente em
condições de aguentar a retoma". Fora da Europa, na verdade, está actualmente a
ser prosseguida tal política económica, como é o caso do governo e da Reserva
Federal dos EUA, assim como da China.
Mas a coisa não é tão simples como Krugman a
apresenta: a política económica keynesiana pressupõe, na verdade, que o sector
privado de algum modo será capaz de suportar a retoma, caso contrário seria
abrir o famigerado poço sem fundo. Tal pressuposto, porém, há muito tempo que
não existe: há mais de 30 anos que a economia mundial só é mantida em actividade
através do endividamento (tanto público como privado). Por isso é que o
keynesianismo falhou já na década de setenta, sendo que já então os programas de
estímulo económico agora de novo exigidos, foram incapazes de dar o pontapé de
saída para uma acumulação de capital auto-sustentável, levando apenas, pelo
contrário, a uma taxa de inflação por vezes de dois dígitos.
Ele foi então substituído pelo neoliberalismo
que, contra a sua própria doutrina monetarista, desenvolveu uma política tudo
menos de massa monetária estável. Pelo contrário, a dívida pública continuou a
aumentar (por exemplo, através dos excessos do keynesianismo armamentista do
presidente Reagan dos EUA) e a desregulamentação do sector financeiro ampliou as
possibilidades de criação de moeda creditícia. A deslocação de grandes
quantidades de dinheiro do consumo de massas e da economia real para o sector
financeiro também fez desaparecer a inflação, ou, mais precisamente, esta
deslocou-se dos mercados de consumo para os mercados de acções e imobiliário (asset
inflation: inflação de activos), com um efeito bastante oportuno: o índice
Dow Jones, por exemplo, entre 1982 e 2000, deduzida a inflação, subiu para
valores 7 vezes superiores, sem por isso representar valores reais
correspondentemente maiores. Fenómenos semelhantes se verificaram nos mercados
imobiliários, em que os aumentos dos preços das casas compradas a crédito foram
tais que financiaram o consumo dos seus proprietários, até a bolha finalmente
rebentar.
A conversa sobre o "capitalismo
financeiramente induzido", que por um tempo dominou os discursos como um "novo
modelo de regulação", vista à luz do dia significa apenas que a economia real
tem sido financiada e mantida em actividade através do endividamento. Uma
construção aqui ainda não vinda à baila é o circuito do deficit que, explicado
de forma simplificada, funciona assim: A concede um empréstimo a B, que o
utiliza para comprar bens produzidos por A, voltando assim o dinheiro a A, que o
pode emprestar novamente a B. Tais operações há décadas que impulsionam a
economia mundial, por exemplo, com a China no papel de A e os Estados Unidos no
papel de B (circuito do deficit do Pacífico), ou – após a introdução do euro –
com a Alemanha no papel de A e da parte sul da zona euro no papel de B
(circuito do deficit da Europa).
O "capitalismo financeiramente induzido" tem
de começar a falhar ou parar completamente quando os credores têm razão fundada
para suspeitar que os devedores poderão não pagar as dívidas. Há 30 anos que
isso se vem passando a nível local e, graças à extensão das cadeias de crédito
entretanto construídas, assumiu pela primeira vez proporções globais com a queda
de 2008. Para salvar o sistema financeiro do colapso total, os Estados, como
devedores aparentemente infalíveis, tiveram e têm de assumir os custos. Além
disso, só no ano seguinte de 2009, foram lançados programas públicos de estímulo
da economia totalizando aproximadamente 3 biliões de dólares em todo o mundo.
Assim se impediu uma depressão como a dos anos trinta (excepções, ver acima),
mas não é possível iniciar assim uma acumulação real auto-sustentável, tal como
já não era nas décadas anteriores.
A resposta que a revolução neoliberal deu à
crise dos anos setenta consistiu no "mais gigantesco programa de estímulo
económico financiado a crédito que já existiu", como constata o cientista social
conservador Meinhard Miegel. Quem agora, como verdadeiro conservador, exige o
fim dos "excessos" ignora ou esconde que foram esses "excessos" que mantiveram a
economia mundial à tona durante mais de trinta anos. E quem inversamente apela a
mais programas públicos de estímulo económico prefere ignorar que assim se
mitigam de facto os efeitos da crise, mas a crise em si não pode ser vencida,
pelo contrário, apenas se aumenta a dívida pública até ao dia em que nada mais
funcione.
A pretensa alternativa entre política de
austeridade, por um lado, e programas de estímulo económico, por outro,
constitui na realidade uma situação-dilema, uma escolha entre peste e cólera,
entre poupança ruinosa e falência estatal. Um olhar mais atento mostra que não
se trata de uma escolha, dado que uma doença implica a outra, porque o Estado
está dependente da valorização do capital com sucesso, para a qual por sua vez
tem de criar as condições.
O capitalismo global não consegue livrar-se
da crise de sobreacumulação que dura desde os anos setenta, pois, com o advento
da microeletrónica e sua aplicação na produção, uma parte cada vez menor da
força de trabalho global é suficiente para produzir para todos. Ora o "fim da
sociedade do trabalho" a isso associado, ou seja, o desaparecimento do trabalho
do processo de produção em si não seria nenhuma desgraça, pois a maioria de nós
poderia finalmente imaginar algo melhor do que trabalhar no duro toda a vida. O
problema deste desenvolvimento só surge porque o capitalismo, como é bem sabido,
se baseia na exploração do trabalho, sendo que os lucros sérios do ponto de
vista capitalista e continuados só podem ser gerados através da utilização do
trabalho humano. E os lucros são, afinal de contas, o sentido e a finalidade da
economia capitalista.
Nenhuma política económica de qualquer tipo
se aproxima desta essência da crise. Elas teriam de privar-se da sua própria
base e abolir o capitalismo. Uma vez que isso não parece constituir uma
perspectiva realista, resta aos sujeitos do dinheiro apenas a opção de manter os
efeitos negativos da crise o mais longe possível de si mesmos e fazê-los recair
sobre os outros. O que isso significa, numa situação em que cada vez menos
pessoas ainda podem ser utilizadas pelo capital e a população de regiões
inteiras se torna supérflua deste ponto de vista, é o que demonstrou
exemplarmente a política alemã da última década:
A história de sucesso com que foi recuperada
a "competitividade internacional" supostamente perdida começa com o sector de
baixos salários construído no decurso da Agenda 2010 e com a pressão que lhe
está associada também sobre os salários dos níveis superiores. Na UE, a Alemanha
foi o único país em que os salários reais caíram entre 2000 e 2008, em que o
elevado aumento da produtividade já não foi repercutido nos empregados
assalariados, tendo sido, pelo contrário, promovido o
dumping salarial.
Além disso, a participação da produção industrial no PIB é significativamente
maior na Alemanha do que nos outros países e essa relação, justamente por causa
dos custos de trabalho mais baixos, continuamente se desloca a favor da
indústria alemã, porque as indústrias de muitos outros países e particularmente
dos do sul da zona do euro não são competitivas nestas condições. Assim foi
construído o circuito do deficit europeu já acima delineado. O desequilíbrio das
balanças comerciais na zona monetária comum constitui a problemática da zona
euro que vai para lá da crise económica mundial geral, até ao seu colapso, que
continua a ser possível.
Tudo visto, é pouco provável que a política
alemã seja alterada, pois com ela o capital nacional ganhou bastante bem no
euro, e também o "modelo alemão de sucesso" naturalmente não deverá ser
abandonado. Em vez disso, toda a UE tem agora de seguir este modelo. Isso é
loucura, mesmo pelos critérios da lógica maluca do sistema, porque o modelo está
baseado numa assimetria, ou seja, os deficits comerciais dos países do Sul da
Europa em crise são o reverso da medalha dos excedentes da balança comercial
alemã. Isto só tem sentido se o objectivo for tornar a zona euro
"internacionalmente competitiva" na concorrência com a Índia e a China, o que
naturalmente significaria rebaixá-la ao correspondente nível em termos de
condições de vida e de trabalho. Na Grécia mostrou-se justamente o que isso
significa.
Se todos seguem aqueles que ultimamente foram
bem sucedidos, o curso subsequente da crise já está claro: uma vez que sucesso
significa concorrência pela localização do investimento e estar entre os poucos
que conseguem exportar os seus produtos, nesse local os custos têm de baixar,
especialmente os custos destinados a luxos tais como cuidar dos doentes, dos
idosos e de outros que não contribuem para o sucesso económico. A luta pela
competitividade, portanto, só pode levar a uma espiral descendente que de resto
há muito está em marcha.
É de pouco consolo saber que também os
vencedores temporários desta concorrência dificilmente se poderão regozijar com
a vitória: afinal quem comprará ainda os produtos às cada vez menos e menores
ilhas de prosperidade capitalista?