Resumos
Johannes Bareuther
O ANDROCENTRISMO DA
RAZÃO DOMINADORA DA NATUREZA
Quando, no século XVII,
figuras como Francis Bacon, Galileu e Descartes formularam o programa e as
primeiras versões dum novo conhecimento da natureza na forma de leis e da
correspondente filosofia mecanicista, as atrocidades patriarcais da caça às
bruxas atingiam o seu auge na Europa. O presente texto trata desta coincidência
histórica marcante. Revela-se que, na realidade, a ciência mecânica da natureza
fica a dever-se essencialmente à socialização do valor que se impôs ao mesmo
tempo, como já Eske Bockelmann demonstrou. Além disso, porém, também podem ser
apontados os vestígios do crime fundador do patriarcado produtor de mercadorias,
por assim dizer da “dissociação sexual original”, nas categorias e figuras da
nova concepção da natureza. Vestígios que serão apresentados ao longo do texto,
em conexão conceptual com a dialéctica entre a dominação interna e externa da
natureza e a correspondente dinâmica do sujeito burguês masculino, podendo a
dissociação sexual ser assim reconhecida como condição constitutiva da ciência
moderna.
Robert Kurz
A LUTA PELA VERDADE
Fragmento
póstumo, dirigido
contra o mandamento pós-moderno de relativismo na teoria crítica da sociedade.
Este mandamento é identificado como resultado da incerteza transitória, no final
da época burguesa, em que também o campo de crítica do capitalismo legitimado
com as ideias de Marx se apresenta muitas vezes como uma espécie de labirinto
para quem está de fora. A resposta pós-moderna a esta situação consiste agora em
viver a "perda de todas as certezas" não porventura como problemática, mas em
elevá-la a dogma, a nova garantia de salvação, cuja promessa de felicidade
consiste em já não ter de se comprometer com nada e deixar tudo em aberto.
Qualquer posição determinada, que desde logo não reconheça também o seu
contrário, é acerbamente criticada por este dogma. Mas essa imprecisão e
ambiguidade não podem ser mantidas por tempo ilimitado porque a própria
gravidade da situação de crise está a obrigar a uma definição. O pensamento
pós-moderno, ao rejeitar uma nova clareza ou definição de conteúdo e pretendendo
ver justamente nessa rejeição o novo em geral, está apenas a apelar ao potencial
de barbárie nele adormecido, sendo apanhado de surpresa pela sua própria decisão
infundamentada.
Roswitha Scholz
VIVA O FETICHE!
O texto, com o subtítulo
"Sobre a dialéctica da crítica do fetichismo no actual processo de ‘Colapso da
modernização’. Ou: quanto establishment pode suportar a crítica social
radical?", examina em que medida a crítica do fetichismo no actual capitalismo
em colapso não constitui ela própria o pano de fundo da ideologia de crise.
Se outrora a crítica do fetichismo foi
determinada por existências de bastidores, hoje ela existe nas mais diversas
cores e formas. Não apenas está infiltrada no discurso da esquerda, mas ocupa
mesmo círculos burgueses. E corre cada vez mais o risco de se tornar parte da
administração da crise e dum novo
entrepreneurship (empreendedorismo). O/a crítico/a do fetiche há muito se move
num novo contexto de rede oportunista no declínio do capitalismo, o que ele/ela
no fundo também sabe. Em vez disso,
será bom ganhar distância em relação à própria história teórica, insistir numa
dialéctica de crítica do fetiche e continuar “loucamente” a intervir no sentido
do reconhecimento intransigente de uma necessária "ruptura categorial ou
ontológica" (Robert Kurz).
Por isso é preciso olhar com
desconfiança as soluções simples, em termos de uma crítica da dissociação-valor
rebaixada, tanto no contexto do seu tratamento científico como também na forma
de pseudo-concepções práticas.
Daniel Späth
CRÍTICA DA FORMA E DA
IDEOLOGIA DOS PRIMEIROS SISTEMAS DE HEGEL – II
A segunda parte do exame
dos textos iniciais de Hegel expõe o “System des Sittlichkeit” [Sistema
da eticidade] no qual Hegel dá testemunho detalhado da sua compreensão da
dialéctica. O presente texto trata do primeiro sistema deste escrito hegeliano,
o “Natursystem” [sistema da natureza]. Depois da relação entre intuição e
conceito, desenvolvida por Kant na sua "filosofia transcendental", trata-se de
elaborar as ligações epistemológicas entre Kant e Hegel, a fim de classificar
tanto a “filosofia transcendental" como a "filosofia do espírito" no que
respeita à ruptura categorial entre filosofia do sujeito e crítica do fetiche,
entre dialéctica positiva e negativa. Perante este pano de fundo torna-se depois
possível uma reflexão detalhada sobre a dialéctica hegeliana, que não em último
lugar examina o seu ponto de referência social, assim se evidenciando já nesta
primeira parte a parcialidade categorial de Hegel, no interior duma filosofia do
sujeito baseada na lógica da identidade.
Roswitha Scholz
APÓS POSTONE
No texto, com o subtítulo
"Sobre a necessidade de transformação da ‘crítica do valor fundamental'. Moishe
Postone e Robert Kurz em comparação
– e a crítica da dissociação-valor", são
postas em destaque as diferenças entre Kurz e Postone do ponto de vista do
“individualismo metodológico" (incriminado por Kurz). Expressas em termos
esquemáticos, essas diferenças funcionam assim: enquanto Kurz insiste em ler “O
Capital” como um todo e só depois observar a forma da mercadoria, situação em
que o terceiro volume de “O Capital” assume importância, justamente para o
processo das categorias reais de um colapso/decadência do capitalismo hoje
observável também empiricamente, Postone agarra-se às primeiras 150 páginas de
“O Capital” e desenvolve a partir daí o curso do capitalismo, sem consequências
em termos de teoria da crise. Postone recorre basicamente à forma da mercadoria,
Kurz à forma do capital. Ao mesmo tempo, Postone defende implicitamente um ponto
de vista que tende a ser ideologicamente complacente com a classe média, não em
último lugar porque coloca em primeiro plano sobretudo a ecologia, enquanto
Kurz, bem consciente da questão ecológica, desmascara simultaneamente os
interesses de classe média como ideologia; em Postone, no fundo, existe um
"limite interno" apenas no plano da ecologia, mas não no da economia. Posto
isto, Postone e Kurz (pelo menos no seu último livro "Dinheiro sem Valor")
movem-se ambos no plano do capital como processo total. O plano da "dissociação
do feminino" em relação ao valor (mais-valia), entendido em termos de dialéctica
negativa, não surge em nenhum deles ou surge apenas secundariamente. Da
perspectiva da crítica da dissociação-valor, no entanto, os diferentes planos, o
plano material, o cultural-simbólico e
– last, but not least –
o psicanalítico terão de ser relacionados entre
si, em seu entrelaçamento dialéctico e simultânea separação, no seu
desenvolvimento processual. Só assim poderá ser suplantada a totalidade
negativa, para além do individualismo metodológico androcêntrico, bem como do
universalismo androcêntrico, o qual, afinal, apenas ele constitui essencialmente
a decadência de crise do patriarcado capitalista.