RESUMOS
Daniel Cunha:
O ANTROPOCENO COMO FETICHISMO
Em ciência chama-se antropoceno ao
período da história da Terra dominado pelo Homem, onde o Homem exerce um
controle cada vez maior sobre os ciclos naturais. DANIEL CUNHA, no ensaio O
antropoceno como fetichismo, mostra a insustentabilidade deste conceito: não
é o Homem em si, mas o capitalismo, na sua dinâmica destrutiva, que leva à
destruição do meio ambiente à escala planetária. De modo nenhum se pode falar
aqui de controle, pois a dinâmica cega da valorização capitalista é exactamente
o contrário de um controle social consciente. Na "geo-engenharia" torna-se
particularmente clara a insanidade da "racionalidade" capitalista, ou dominação
moderna da natureza, que conhece a natureza sempre apenas como substracto para a
valorização do capital (pelo menos no sentido da ciência aplicada na economia
empresarial) e consegue cobrar um ambiente habitável de amanhã aos interesses
lucrativos de hoje. O autor mostra as perturbações dos ciclos globais pelo
capitalismo e esboça diversas "contramedidas" já apodrecidas (como o regime de
comércio de emissões) que, de facto, fracassaram completamente, porque não
enfrentam o problema real nem as suas causas. É justamente este fim em si mesmo
da valorização do capital que é preciso rebentar, se a humanidade quiser viver
um futuro digno de ser vivido em termos de ambiente natural. O tradutor aborda
criticamente o texto e os seus aspectos problemáticos num posfácio.
Roswitha Scholz
CRISTÓVÃO COLOMBO FOREVER?
Para uma crítica das actuais
teorias da colonização no contexto do "Colapso da modernização"
ROSWITHA SCHOLZ no artigo
Cristóvão Colombo forever? discute as recentes teorias da colonização no
contexto do "Colapso da modernização". Tais teorias ganharam ímpeto no debate da
esquerda, pelo menos desde o crash de 2007/2008. Segundo Klaus Dörre, o
pressuposto básico, apesar de todas as diferenças em cada abordagem, é que o
capitalismo precisa de um exterior para continuar a existir. Frequentemente
pressupõe-se uma "acumulação primitiva" sucessivamente repetida. Esta não é
considerada limitada aos primórdios do capitalismo, mas é declarada a lei
central eterna do capitalismo.
Scholz, neste ensaio, contrapõe ao teorema da
colonização e correspondentes hipóteses de uma permanente "acumulação primitiva"
a dinâmica nuclear do capital como “contradição em processo". Para evidenciar as
diferenças relativamente à crítica da dissociação-valor, Scholz foca-se nas
concepções de colonização de Klaus Dörre e Silvia Federici, proeminentes não só
na Alemanha, sendo que se pode atribuir Dörre uma orientação mais sindical e a
Silvia Federici uma orientação mais feminista-operaista. Neste contexto, o
artigo prossegue também com a dimensão negligenciada por Dörre e Federici das
guerras civis mundiais hoje. Mas Scholz também mostra que não é suficiente
colocar no centro a "contradição em processo", pelo contrário, a
dissociação-valor tem de ser ser entendida como contexto dinâmico de base. Para,
entre outras coisas, fazer justiça às diferentes disparidades sociais
(económicas, racistas, anti-semitas, etc.) com as suas qualidades próprias, ela
tem em conta a dialéctica negativa de Adorno, que sem formalismos está em
conformidade com a lógica do não idêntico da crítica da dissociação-valor.
Gerd Bedszent
NIGÉRIA - DE PARAÍSO DO
PETRÓLEO A ESTADO QUE SE DESFAZ
GERD BEDSZENT, com o artigo sobre
a Nigéria, continua a descrição, já iniciada com a antologia
Zusammenbruch der Peripherie [O colapso da periferia], dos horríveis
cenários de dissolução nas zonas periféricas da modernidade capitalista. Este
país da África Ocidental é de facto extremamente rico em recursos naturais,
especialmente petróleo. No entanto, as receitas das exportações de
matérias-primas não beneficiaram qualquer programa de modernização do
Estado-nação, mas desapareceram completamente nos bolsos de uma elite que se
enriquece agindo criminosamente. O que ainda restava dos projectos de
modernização surgidos do dia para a noite na década de 1970 seria cada vez mais
desmantelado sob a pressão das reformas estruturais neoliberais. Bedszent
constata, em resultado deste desenvolvimento e do simultâneo declínio da
produção agrícola tradicional, uma base crescente e já não redutível de pobreza
estrutural e de desemprego em massa. Como consequências, ele menciona os
sangrentos conflitos entre as elites de diferentes grupos étnicos pela
distribuição da maior parte possível dos lucros de exportação, bem como a
ascensão de grupos e movimentos ideológicos obscuros. A furiosa guerra civil
actual no norte da Nigéria e nas regiões vizinhas entre o exército e militantes
islâmicos será em última análise uma luta entre gangues de saqueadores armados
que esquartejam com proveito os restos do projeto de modernização falhado. À
população resta apenas a fuga da região tornada inabitável.
Robert Kurz
IMPERIALISMO DE EXCLUSÃO E
ESTADO DE EXCEPÇÃO
Uma vez que a crise fundamental se
tem agudizado cada vez mais, em crashes financeiros, bancarrotas nacionais,
conflitos armados, movimentos de refugiados, fome e miséria e não só, vamos
publicar de novo nesta edição certas partes do livro esgotado
Weltordnungskrieg [A guerra de ordenamento mundial]
de ROBERT KURZ. Dada a miséria dos refugiados, no contexto de um ser supérfluo
generalizado no decurso do tornar-se obsoleto do trabalho abstrato, a que
corresponde o terror da exclusão e uma expansão global cada vez mais visível do
estado de excepção, queremos combater também uma (nova) ausência de ideias, que
se exprime bem, na sua forma mais aberta, mais brutal e mais imediata, na
construção de muros e em actos de violência racista, mas pode assumir formas
muito mais subtis e mais hipócritas (por exemplo, na restrição do direito de
asilo) e exprimir-se numa suspeita e demasiado "amigável" cultura de
boas-vindas. É preciso mostrar aqui que o estado de excepção tem uma longa
história, que é mesmo decididamente constitutivo para o capitalismo desde o seu
surgimento, e que é necessária uma crítica radical e categorial para abolir as
respectivas estruturas. Neste sentido, selecionámos do livro de Kurz capítulos e
passagens que têm por temas "imperialismo de exclusão" e "estado de excepção".
Já está em andamento uma reedição do livro.
Richard Aabromeit
VALOR SEM CRISE - CRISE SEM
VALOR?
Sobre a ausência de uma teoria
da crise em Moishe Postone
O círculo de leitura da crítica da
dissociação-valor de Dresden organizou em Maio de 2014 um seminário sobre o tema
"Moishe Postone entre a crítica do valor e o marxismo tradicional". Como síntese
dos resultados devem aparecer na EXIT! ao todo três artigos: Roswitha Scholz
começou na EXIT! 12 (Após
Postone); na edição
actual RICHARD AABROMEIT continua esta série com o texto Valor sem crise -
crise sem valor? e no próximo número está previsto um artigo de Bernd Czorny
sobre o conceito de tempo em Postone. Richard Aabromeit debate-se com a questão
de saber porque não formula Postone nenhuma teoria da crise nem apresenta
qualquer esboço dela, nem sua obra principal Tempo, trabalho e dominação
social nem em textos posteriores. Aabromeit tenta encontrar uma explicação
na base de quatro causas possíveis. Primeiro, faz notar que para Postone a
dialética de transformação (isto é, a transformação dos meios de produção,
forçada pela concorrência, para uma cada vez maior produtividade) e
reconstituição (ou seja, a forma de valor reconstruída em conclusão disso), na
nossa formação social, representa uma forma de movimento contínuo, retornando
quase sem fim, o que é de facto inadequado como fundamento para uma teoria da
crise. Em segundo lugar, de acordo com Aabromeit, o conceito de "trabalho" em
Postone não é percebido com suficiente clareza, o que também traz problemas ao
conceito de valor, sem o qual, por sua vez, não pode funcionar uma teoria da
crise. Em terceiro lugar, é preciso ver no facto de Postone abandonar quase
completamente o diagnóstico socialmente crítico do presente e a mediação entre
teoria e empiria histórica bem assente nesse diagnóstico outro obstáculo para o
acesso a uma teoria da crise. Um quarto problema é a posição de Postone de que o
valor é apenas uma relação de mediação social e, portanto, sem substância.
Apesar dessas observações críticas, os méritos de Postone em relação à
reconstrução do conceito de valor em Marx não devem ser negados; no entanto, ele
não pode ser poupado à crítica por não ter ousado levar a sua reconstrução de
Marx até à reformulação de uma teoria radical da crise.