"Masculinidade" e
"feminilidade" como pilares da modernidade
É frequentemente admitido por
muitos críticos do capitalismo que este tende a eliminar todas as diferenças,
sejam elas culturais, geracionais ou sexuais. A relação social mediada pela
mercadoria não saberia fazer senão arcaísmos, que é o que representam para ela
os costumes, as relações hierárquicas e as instituições estranhas à produção e
circulação de mercadorias.
O patriarcado seria, para esses
críticos, um resíduo pré-capitalista (como o racismo e o anti-semitismo)
condenado a desaparecer porque inadaptado ao capitalismo plenamente
desenvolvido. A prova disso seria o surgimento da business-woman, da
mulher política, etc. Além disso – com a desagregação da família e a
redistribuição de tarefas sexuais, a igualdade progressiva de homens e mulheres
e a maior tolerância para com outras formas de relação de género para além da
heterossexualidade forçada – parece que a questão da relação de género se
anularia por si mesma. O capitalismo poderia, pois, existir sem a supremacia do
macho branco, ocidental e heterossexual, supremacia que não constituiria o seu
centro.
O marxismo tradicional, tal como
o movimento operário e a esquerda em geral, nunca consideraram – pelo menos até
à década de 1970 – que a relação de género fosse fundamental. Quando a levavam
em consideração, a opressão das mulheres era para eles um derivado da opressão
em geral – uma "contradição secundária", nas palavras do marxismo tradicional –
que estava condenado a desaparecer com ela.
Outros, como certas correntes
feministas, vêem o patriarcado como um sistema quase ontológico de exploração,
de que o capitalismo seria apenas a mais recente adaptação.
Na Alemanha, Roswitha Scholz
desenvolveu a partir da década de 1990 – primeiro na revista Krisis e
hoje na revista Exit! – uma concepção do capitalismo como um sistema
baseado fundamentalmente na relação social assimétrica entre os sexos. Sem
pretender que as sociedades pré-capitalistas ou não capitalistas tenham
conhecido (ou conheçam) relações igualitárias entre homens e mulheres, ela
define o capitalismo como uma forma social determinada pela divisão sexual entre
"masculino" e "feminino", o que ela chama de "dissociação-valor".
"Do ponto de vista teórico, a
relação hierárquica entre os sexos deve ser examinada dentro dos limites da
modernidade. Não podemos fazer projecções para sociedades não modernas. Isso não
significa que a relação moderna entre os sexos não tenha tido uma génese, que
também pode ser rastreada até à Grécia Antiga. Mas na modernidade, com a
generalização da produção de mercadorias, ela assume em todo o caso uma
qualidade completamente diferente. Perante o cenário do "trabalho abstracto que
se torna um fim em si tautológico", a "banalidade do dinheiro expande-se" (Robert
Kurz) e os domínios da produção e da reprodução são separados. O homem torna-se
responsável pelo sector da produção e pela esfera pública em geral e a mulheres
sobretudo pelo sector subvalorizado da reprodução " (1)
No presente artigo vou tentar
apresentar uma visão geral desta teoria crítica, que não se entende como uma
construção acabada, mas como um processo. Para lá das aproximações deste artigo,
de que sou o único responsável, esta elaboração foi principalmente de Roswitha
Scholz, de Robert Kurz e de alguns outros que se encontram hoje em torno da
revista Exit! (2) na Alemanha.
Modernidade: o doloroso
nascimento do sujeito masculino, branco e ocidental
A modernidade afirma ter
libertado o indivíduo das cangas da família, do clã, da religião e da
dependência directa, tendo-o colocado no terreno da liberdade e da igualdade. De
algum modo, ainda se orgulha de o ter criado a partir de um ser submetido a uma
existência limitada e supersticiosa, perdido no anonimato da manada humana.
Esta afirmação é, naturalmente,
de natureza ideológica e apologética, pois todas as sociedades humanas
conheceram formas de individualidade, mesmo muito diferentes; na verdade a
tensão entre indivíduo e sociedade a esta luz é uma constante de toda a
humanização. Pelo contrário, a sociedade das mercadorias criou efectivamente
para si um indivíduo que lhe corresponde, o indivíduo abstracto, atomizado,
prensado numa forma a priori.
Desviando a famosa declaração de
Karl Marx que dizia que toda a história da humanidade teria sido a história da
"luta de classes", poderia dizer-se que ela foi uma "história de relações
fetichistas", onde os seres humanos objectivaram, em planos sempre novos, a sua
própria força, para se lhe submeterem. Em vez da "primeira natureza" feita de
instintos imediatos, teria sido instaurada uma "segunda natureza", substituindo
os instintos herdados da natureza por reflexos sociais. Sociedades, culturas e
religiões nunca foram experimentadas como escolhas, mas sempre como
constrangimentos quase naturais.
A modernidade, longe de abolir
esta relação fetichista, intensificou-a de forma inaudita. Sem querer fazer aqui
uma história do capitalismo, lembre-se que para a "crítica do valor" é esta
relação fetichista que está no cerne da sociedade capitalista e não a "dominação
de classe". No capitalismo, todos os membros da sociedade são dominados por um
mecanismo autonomizado: a valorização do valor. Trata-se do aumento sem fim do
capital através do processo de produção, isto é, do trabalho. Este é uma
invenção puramente moderna e capitalista. Longe de representar a actividade
(produtiva) em geral, o trabalho é a actividade alienada dos homens produtores
de mercadorias. Ele distingue-se pela absoluta indiferença face ao conteúdo
sensível da sua produção.
"Na verdade, todo o trabalho na
sociedade capitalista é o que podemos chamar trabalho abstracto, no sentido de
Karl Marx. Não se trata de trabalho imaterial, informático. No primeiro capítulo
de O Capital, que não começa com as classes, nem com a luta de classes,
nem com a propriedade dos meios de produção, nem com o proletariado, Karl Marx
começa por analisar as categorias que são, segundo ele, as mais fundamentais da
sociedade capitalista e que pertencem apenas a ela: a mercadoria, o valor, o
dinheiro e o trabalho abstracto. Para Karl Marx, todo o trabalho num sistema
capitalista tem dois lados, ele é simultaneamente trabalho abstracto e trabalho
concreto. Não são dois tipos diferentes de trabalho, mas as duas faces de uma
mesma actividade. Para dar alguns exemplos muito simples: o trabalho do
carpinteiro e o do alfaiate são, no aspecto concreto, actividades muito
diferentes, não podemos compará-los, porque um usa tecido, outro usa madeira.
Mas ambos são "dispêndio de músculo, nervo ou cérebro." [...] Se qualquer
actividade pode ser naturalmente reduzida a um simples dispêndio de energia é um
simples dispêndio que se desenrola no tempo. Nesta perspectiva, o trabalho do
carpinteiro e o do alfaiate são completamente diferentes do lado concreto, mas
do lado abstracto – o lado da energia despendida – eles são absolutamente iguais
e a única diferença reside na sua duração e, portanto, na sua quantidade. [...]
O que define o valor das mercadorias no mercado capitalista é o trabalho
despendido. É por ser igual para todas as mercadorias que o trabalho permite a
comparação destas. Em termos simplificados, a lógica básica de Karl Marx é esta:
o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário para
criar essa mercadoria, o que permite a abstracção do lado concreto da
mercadoria: uma mesa vale duas horas, uma camisa vale uma hora..." (3).
O valor representa-se no
dinheiro, que é a sua forma de aparição. O valor não é uma medida aplicada num
segundo tempo aos bens já produzidos, a fim de poder trocá-los; ele constitui,
pelo contrário, o verdadeiro motor da produção de mercadorias. Ele constitui o
capital que, através do trabalho, torna-se uma maior quantidade de capital. Esse
movimento autónomo do valor constitui o "sujeito automático" (4), o soberano
absoluto ao qual todos os indivíduos da sociedade moderna estão sujeitos. "Ele
não o sabem, mas fazem-no..." dizia Karl Marx dos homens que vivem numa
sociedade fetichista.
Aqui temos de clarificar
rapidamente um equívoco, que consiste em pensar o capitalismo como um simples
sistema económico, para enfatizar que se trata de uma relação social. A política
(o Estado), assim como outras instituições modernas (ciência, direito, etc.),
não lhe são estranhas, mas fazem parte do seu universo. "A unidade na separação"
divide funções aparentemente contrárias em esferas que se apresentam separadas,
mas que não representam senão as duas faces da mesma coisa. Política e economia,
Estado e mercado, o poder e dinheiro, planificação e concorrência, trabalho e
capital, teoria e prática constituem um sistema de polaridades dinâmicas: "Não
se trata de polaridades estáveis e complementares, como as que existem, por
exemplo, nas formas míticas das culturas pré-modernas, mas de polaridades
inimigas até ao sangue, conduzindo a uma luta permanente de destruição, quando
não formam senão os dois lados da mesma identidade" (5).
Este sistema fetichista produziu
uma forma da individualidade que já não se baseia na submissão directa que
caracterizava os sistemas de dominação pessoal, mas na internalização das
coacções pelos indivíduos. Liberdade e igualdade são princípios abstractos e
antes de aí aceder o sujeito deve passar por um sistema de selecção e
reconhecimento. Os procedimentos de reconhecimento, obrigatórios para os
imigrantes e para os que procuram asilo, são apenas um exemplo evidente. "A
alusão à rampa de selecção de Auschwitz não é de má fé, mas toca o coração do
problema. Auschwitz foi o último extremo dos "procedimentos de reconhecimento"
dos direitos humanos ocidentais" (6). O universalismo ocidental (sic) é um
universalismo exclusivo que requer primeiro a solvabilidade e depois a
internalização dos imperativos modernos. Estes imperativos são principalmente os
do confronto permanente na guerra económica e os da dupla identidade como
homo œconomicus e homo politicus.
A forma do valor, como
"abstracção real" (7), é indiferente ao seu conteúdo, e também a forma do
indivíduo moderno, do sujeito, está separada do mundo dos objectos, dos quais
faz parte o indivíduo real. O sujeito confronta-se com o mundo dos objectos
inertes, que ele examina e transforma à sua própria maneira, equipado com a sua
razão e o seu "livre arbítrio". A consciência, a razão e este famoso livre
arbítrio não podem ter o próprio sujeito em seu campo de visão. A própria forma
da consciência permanece inconsciente. A modernidade produtora de mercadorias
levou esta separação entre sujeito e objecto, que constitui o fetichismo, até ao
paroxismo, e justamente no próprio corpo dos indivíduos: por um lado, há o
sujeito, como forma abstracta daquele que age e pensa e, por outro, há o
objecto inerte, oferecido ao estudo e à valorização. Este dualismo deve ser
entendido como constitutivo do "patriarcado produtor de mercadorias” (Roswitha
Scholz) e a sua abolição não é uma das "promessas não cumpridas" da modernidade,
pelo contrário, ele deve ser atacado como o próprio fundamento desta forma
social, que densificou e sistematizou a submissão do ser humano e o fetichismo.
O que fora opressão pessoal tornou-se "servidão voluntária" dos homens e o pior
adestramento da história humana conseguiu a proeza de ser chamado de liberdade.
"A humanidade teve que se
submeter a terríveis provações até que se formasse o eu, o carácter idêntico,
determinado e viril do homem, e toda infância ainda é de certa forma a repetição
disso" (8).
Mas os indivíduos reais que
encontramos todos os dias, como nós, nunca realmente se encaixam nessa definição
da forma de sujeito, à qual eles se submetem durante um longo e doloroso
processo de socialização e de interiorização.
Há uma tensão entre o modelo e a
cópia particular, entre a essência e a aparência, tensão que se trata de
compreender hoje sem pretender encontrar soluções simples, seja do lado dum
monismo ou determinismo absoluto, seja do lado dum relativismo absoluto. Pois se
uma teoria totalizante não pode senão descartar o que é diferente, não idêntico,
isto é, o que lhe escapa e não pode ser apreendido pelas suas categorias, o
pensamento pós-moderno, que conhece apenas particularidades, renuncia à partida
a toda a possibilidade real de crítica e acaba por criar uma "ontologia da
diferença".
Dissociação-valor, uma
totalidade quebrada
O processo de formação do
capitalismo (9) é intrinsecamente o processo da dissociação sexual. Enquanto a
máquina de valorização do capital e suas categorias se formam, as actividades de
reprodução doméstica, assim como os sentimentos, traços de carácter e atitudes
com ela relacionadas (por exemplo, sensualidade, emotividade, solicitude) são
estruturalmente dissociados do valor, do trabalho abstracto, do sujeito e são
projectados na "feminilidade". "As actividades de reprodução atribuídas às
mulheres, tanto pelo seu conteúdo qualitativo como pela sua forma, têm um
carácter diferente do trabalho abstracto. É por isso que não podem ser
simplesmente subsumidas no conceito de trabalho" (10).
Para adoptar a forma de sujeito,
o indivíduo masculino foi obrigado (e continua a sê-lo sempre, em cada geração)
a passar pelo leito de Procrusto da dissociação e da repressão. O sujeito da
racionalidade instrumental, de "liberdade, igualdade, fraternidade" abstractas,
deve ser amputado de tudo o que não corresponda a esses imperativos. O menino em
vias de assujeitamento deve, através do processo de Édipo freudiano,
desidentificar-se da mãe para se tornar homem, enquanto a menina, para
desenvolver uma identidade feminina e estar pronta a tomar o seu lugar –
subordinado – passa pelo processo inverso de identificação com a mãe.
O sujeito, estruturalmente
masculino, branco e ocidental, para atender às necessidades da concorrência e da
guerra de todos contra todos, deve dissociar os traços de carácter e os
sentimentos não correspondentes à racionalidade abstracta e classificados como
fracos, irracionais, etc. De seguida, estes são relegados à "feminilidade", à
esfera privada da família, à " mulher".
É importante salientar que estes
traços de carácter e estes sentimentos dissociados não representam uma natureza
“verdadeira” ou “boa”, susceptível de ser oposta ao monstro frio, mas são
construções culturais: eles constituem a "feminilidade" moderna, o reverso da
"masculinidade". São constitutivos da totalidade negativa do patriarcado
produtor de mercadorias e não representam o que lhe escapa ou um ponto de apoio
arquimediano através do qual seria possível levantar o mundo da mercadoria. Não
é pelo facto de ser oprimida e desclassificada que a "feminilidade" pode ser o
ponto de apoio ou princípio positivo de uma revolução social; esta não é
concebível senão como a eliminação simultânea das duas cangas que são a
"masculinidade" e a "feminilidade".
Historicamente, a introdução
desta separação foi de par com o ódio ao aspecto "irracional" dos conhecimentos
populares pré-capitalistas. A Inquisição e a caça às bruxas são certamente o
primeiro grande acto violento contra a "natureza", para erradicar o que era
designado como irracional. Elas atingiram o paroxismo num ódio (e medo) à mulher
que foi designada como sua versão demoníaca, e de que a "mulher moderna" deveria
tornar-se a versão domesticada. O amor e a admiração do feminino, como por
exemplo da mãe idealizada, são apenas a expressão invertida disso, tal como o
culto do "bom selvagem" é apenas um racismo invertido.
Na modernidade, o ser humano
está repartido entre uma esfera pública, caracterizada pela confrontação
permanente entre os concorrentes, e uma esfera privada, doméstica e limitada que
"reproduz", cuida, repara, e fornece o repouso do "guerreiro". O macho é chamado
a ocupar-se da comunidade, do universal, do abstracto, e a mulher do particular
e do sensível. Nos domínios estruturalmente masculinos da ciência, da economia e
da política prevalece um pensamento de classificação que não pode ter em
consideração a qualidade particular; a preocupação com esta é relegada para o
"privado", ou mesmo para a "natureza" e não acede às honras da Razão.
"Na ordem simbólica do
patriarcado produtor de mercadorias, a política e a economia estão atribuídas ao
homem; a sexualidade masculina, por exemplo, é definida como individualista,
agressiva, violenta; as mulheres, pelo contrário, são definidas como objectos,
ou mesmo simples corpos. O homem é assim visto como ser humano, como pessoa de
espírito, que domina e submete o corpo; a mulher, pelo contrário, como não
humana, como corpo. A guerra tem conotação masculina; as mulheres, inversamente,
são tidas como disponíveis para a paz, passivas, sem vontade, estúpidas. Os
homens devem aspirar à fama, à coragem, às ‘obras imortais’.
A questão fulcral é sempre a
dominação da morte. Às mulheres cabem os cuidados tanto com os indivíduos como
com a humanidade. Os seus actos são sempre socialmente desvalorizados e
esquecidos na elaboração teórica, pelo que no processo de sexualização da mulher
fica decidida a sua subordinação ao homem e está inscrita a sua marginalização
social. O homem é pensado como herói e como trabalhador. Isso implica a
exploração e a dominação produtivas da natureza. O homem está constantemente em
concorrência com os outros” (11).
Enquanto na esfera pública reina
uma "economia de tempo", na esfera privada prevalece a "lógica de esbanjar
tempo". Afecto, amor, educação das crianças etc. nunca podem ser racionalizados
como o processo de produção e valorização, porque aí subsiste sempre uma
prioridade ao sensível que na economia, pelo contrário, é reduzida ao mínimo
Certas correntes feministas
reivindicaram durante muito tempo o reconhecimento do trabalho das donas de casa
como "verdadeiro trabalho". Mas, pela sua natureza, essas actividades estão em
contradição com a natureza do trabalho na produção de mercadorias. Esta
reivindicação não pode senão falhar perante a diferença fundamental entre estas
actividades, que no entanto se condicionam e são mutuamente necessárias. Além
disso, convém notar que falta aqui uma noção crítica de trabalho. Este (como
trabalho abstracto e concreto) não pode deixar-se ir na "lógica de esbanjar
tempo". Sob pena de desclassificação imediata, ele exige uma certa força (física
ou de carácter) – "Nada de sentimentalismos!" – adaptada ao processo produtivo e
ao cálculo racional. A actividade doméstica nunca é possível na lógica da
"economia de tempo", ela pede doçura, compreensão e não pode ser organizada
exclusivamente com base em imperativos racionais ou económicos – nem, de resto,
de acordo com os princípios abstractos da política.
O outro lado do valor e do seu
mundo, que é dissociado e projectado na feminilidade, não pode continuar a ser
considerado um derivado – um subproduto – da relação de valor e das suas
categorias. Impõe-se, portanto, um novo conceito da sociedade moderna para poder
explicá-la na sua “totalidade quebrada”. O homem, preso em sua forma de sujeito,
não é concebível sem esta parte separada, que é criada com ele, que o produz, o
reproduz e é reproduzida por ele e está encarnada na mulher. A "feminilidade"
não é um subproduto da "masculinidade", mas ambas se condicionam e determinam
reciprocamente. O reino absoluto do valor, como abstracção, não é possível e ele
precisa sempre do seu contrário, desprezado, mas necessário, que constitui a sua
face escondida, o seu lado obscuro.
"Em vez disso trata-se de, num
plano muito mais fundamental, ver a dissociação-valor como princípio formal, no
sentido de essência social que estrutura fundamentalmente a sociedade como um
todo, e como tal tem de ser criticado e posto em causa nos seus próprios
fundamentos." (12)
Mas este princípio formal
indica, por conseguinte, a unidade fundamental da forma com o seu contrário, com
o que não está na forma, mas que não deixa de lhe ser essencial. Roswitha Scholz
fala do paradoxo da forma da não-forma. Essa "necessidade vergonhosa" pode ser
entendida como a razão do ódio e do desprezo que pode mobilizar a "razão
instrumental" contra o feminino e tudo o que lhe está associado e, claro,
concretamente contra aquela que é a sua portadora. O universo masculino,
económico, político, e científico tende, evidentemente, à dominação absoluta, e
não sabe que fazer com o que está fora dele. No entanto, a sua realização
completa seria imediatamente idêntica ao nada. Se a "abstracção real" se
tornasse a única realidade ocorreria uma "realidade abstracta". Esta dependência
do seu contrário e da vergonha que ele inspira, que facilmente se transforma em
desprezo e ódio, articula-se em actos violentos contra mulheres reais, sob a
forma de assédio, violência doméstica, violação etc., e condiciona também a
identidade feminina na submissão, na passividade, na sensibilidade etc.
"Esta
relação entre esfera privada e esfera pública explica também a existência de
‘associações masculinas’ fundadas no ressentimento contra o ‘feminino’. Também o
Estado e a política no seu conjunto são constituídos desde o século XVIII à
maneira de ‘associações masculinas’, através dos princípios de ‘liberdade,
igualdade, fraternidade’” (13).
Assim entendido, o sexismo,
longe de ser um reflexo arcaico contrário à civilização, pode ser definido, nas
suas múltiplas formas de aparência, como consubstancial ao modo de vida e ao
psiquismo modernos.
É a constituição dupla deste
modelo de civilização, com, por um lado, o reino da racionalidade da mercadoria
e das suas categorias como "masculinidade" e, por outro, o lado obscuro e
"envergonhado" da feminilidade que Roswitha Scholz designou como a
"dissociação-valor". O que é importante para entender este conceito é que ele é
analisado justamente como princípio formal, como essência da relação social
moderna, que não existe “em si”, mas deve aparecer sob aspectos históricos
sempre novos, os quais por sua vez transformam este princípio continuamente. Ele
não existe como verdade a priori, mas já sempre como construção social.
A crítica da dissociação-valor
refere-se à concepção da dialéctica entre o indivíduo e a sociedade proposta por
Adorno. "Em Theodor W. Adorno, a sociedade é definida como uma relação de
coerção que se estabelece nas costas, mas também através das cabeças e dos
corpos dos indivíduos. Isto significa que a sociedade não é um conglomerado de
todas as pessoas que vivem no seu seio, nem qualquer coisa que lhes seja
simplesmente exterior. Assim, a sociedade atravessa todas as esferas da vida do
indivíduo. Cada indivíduo é determinado pelas leis objectivas do movimento da
sociedade em que ele infelizmente se encontra. Os indivíduos reproduzem essas
leis, assim as alterando. Porque criam algo de que eles mesmos não sabem nada, o
contexto global tem de permanecer-lhes velado. Mas eles não o fazem senão em
pequenos segmentos, enquanto o processo global se torna independente deles, para
de seguida se executar sobre eles" (14). Roswitha Scholz define três níveis de
análise:
1) O nível “meta”, que designa a
dissociação-valor como essência da sociedade moderna, ou seja, do patriarcado
mercantil.
2) O nível “meso” (meio),
composto de diferentes culturas, grupos sociais, géneros, etc., atravessados
pela dissociação-valor, sem nunca a reproduzir da mesma maneira. É importante
considerar estas diferenças para evitar o determinismo que faz decorrer todos os
fenómenos e todas as diferenças de um único princípio, o qual, no resultado
final, não poderia ser compreendido senão como um dado ontológico, metafísico ou
divino.
3) Finalmente, o nível micro, do
indivíduo, com a sua constituição peculiar, que nunca se conforma completamente
às exigências e imperativos do princípio formal da dissociação-valor nem aos da
sua pertença social, cultural ou sexual.
Estes três níveis devem ser
considerados cada um na sua diferença e na sua relação de dependência. Eles
produzem-se e reproduzem-se continuamente uns aos outros em novos planos
históricos. A dissociação-valor é concebida à partida como produto de uma certa
relação social – na verdade, ela não tem nada da "natural". Os grupos sociais e
culturais, assim como os géneros, são atravessados por esta "totalidade
quebrada", dando-lhe corpo de maneiras diversas, mas também contraditórias. Os
indivíduos nascidos nesta constelação adoptam a forma prevista para a sua
existência, mas sem nunca se conformarem totalmente com ela. É também por isso
que a dissociação-valor não coincide com a divisão entre as esferas pública e
privada, como veremos mais abaixo, mas participa historicamente na sua criação e
dissolução.
A dissociação sexual atravessa,
portanto, a sociedade no seu conjunto e a todos os níveis, mesmo não o fazendo
de modo petrificado. É muito mais do que uma organização social, afectando
também os níveis psicossociais, simbólicos e culturais, até à constituição
psíquica dos indivíduos.
O conceito de dissociação-valor
não representa, nestas transformações, a totalidade conceptual da qual os
fenómenos seriam apenas uma encarnação, mas representa, pelo contrário, uma
conceptualização da totalidade – uma conceptualização que aceita à partida os
seus limites. Ao incorporar o facto de que o conceito faz abstracção por
natureza, o crítica da dissociação-valor quer pensar essas diferenças, sabendo
que a abordagem conceptual por si não é suficiente.
Hoje, quando o modelo da
civilização moderna está em crise e se desconjunta nos seus diferentes planos,
tanto no individual, como no da pertença identitária, económica, política e
ideológica, o meta-nível da dissociação-valor passa novamente por transformações
importantes.
Pós-modernidade: Decomposição
sem abolição
O patriarcado moderno é uma
forma social instável. Ele transforma-se sem cessar, transformando o mundo. É
impossível compreendê-lo com conceitos petrificados que simplesmente nunca dão
conta desta "natureza" em movimento do "progresso" capitalista.
"Uma inovação fundamental no
sentido da crítica da dissociação-valor estaria a este respeito na tradição da
Escola de Frankfurt que, como teoria dialéctica, per se parte do ponto de
vista de que a teoria também deve mudar quando as relações sociais se
transformam; a "teoria crítica" tem portanto sempre um "núcleo temporal" (mesmo
no interior da história patriarcal-capitalista), como se diz por exemplo na
Dialética do Esclarecimento" (15) (16).
Hoje, no tempo da
pós-modernidade, pode não só observar-se o declínio da família tradicional e dos
papéis atribuídos aos dois sexos, mas também ver diluir-se a separação entre
"esfera pública" e "esfera privada".
Aqui, não estão em questão
apenas as sociedades ocidentais: no processo de globalização, das
destabilizações que provoca e da flexibilidade que exige, criam-se por todo o
mundo cenários de crise que, obviamente, se apresentam de muitas maneiras.
Maiores movimentos de migração, por exemplo, estão associados a mudanças
significativas nas estruturas familiares e nos papéis atribuídos a cada um dos
sexos nos países de emigração.
Tanto em África, como na Ásia,
na América Latina ou na Europa se pode observar uma gradual "dupla socialização"
das mulheres, cada vez mais responsáveis tanto pela (sobre)vivência no lar como
pelos recursos financeiros. Escusado será dizer que esta "dupla socialização" se
apresenta, segundo os países e regiões, de maneiras muito diferentes e até mesmo
opostas. Nos países industrializados e democratizados, por exemplo, podem
observar-se "duplas socializações" de luxo e outras de miséria. E é também aqui
que devemos levar em conta as diferenças culturais e históricas e não
classificá-las muito esquematicamente em metacategorias. A história da
colonização, por exemplo em África, teve certamente consequências particulares a
nível social, comunitário e individual, que não são a mera repetição da história
europeia. A rapidez da integração no mundo capitalista-patriarcal certamente
depende da profundidade da assimilação e da hibridação com formas de
socialização anteriores. E se tivermos presente que a forma moderna de sujeito é
substancialmente masculina, branca e ocidental, a integração desta forma por
africanos deve produzir formas específicas de recalcamento, já notadas por
Frantz Fanon, em seu livro Peau noir, masques blanches [Pele negra, máscaras
brancas]. A mulher africana, por sua vez, sofre certamente uma "dupla
dissociação". As consequências do racismo, da escravidão e da colonização não
podem ser metidas à força em grelhas de interpretação gerais, mas devem ser
vistas na sua particularidade e na sua dinâmica próprias – sem por essa razão as
"dissociar" de uma teorização geral. Uma teoria crítica eurocentrista
simplesmente prolonga os erros e horrores que são alvo da sua crítica, nada
menos que uma visão que apenas conhece diferenças e relativizações.
O mesmo se passa com uma
explicação materialista e utilitarista do anti-semitismo que não consegue
apreender o irracionalismo consubstancial ao racionalismo ocidental e a estas
consequências. A história do Holocausto, como sabemos, não pode ser analisada
apenas com as ferramentas da crítica da economia política, embora ele pertença
fundamentalmente à história do capitalismo.
Ao compreender a história
capitalista como um desdobramento lógico, quase planificado, passa-se
forçosamente ao lado do essencial. Vou avançar aqui a ideia de que essa história
é a história da aceleração de situações de urgência e de um "progresso"
incessante, que continua como uma corrida infernal, uma eterna fuga para a
frente. Como "nova segunda natureza", a forma social fetichista e patriarcal
representa um quadro no interior do qual os indivíduos fazem suas escolhas, mas
que como quadro lhes permanece inacessível. Eles sofrem a sua própria forma –
social ou individual – como uma lei natural.
O capitalismo patriarcal
pós-moderno agrava enormemente esta inconsciência e as suas consequências.
Embora esteja em vias de destruir o mundo e sejam conhecidas as consequências
sociais desastrosas do seu desenvolvimento, nunca o capitalismo como forma
social pareceu tão insuperável aos seus súbditos. A uma velocidade exponencial,
ele continua a atomizar os indivíduos e a embrutecê-los, a ponto de torná-los
imprestáveis, mesmo para os seus próprios fins. Basta uma observação um pouco
mais lúcida para saber que os políticos, no seu agir, já não têm nenhuma outra
opção senão a do espectáculo. Os decisores económicos estão de tal modo presos
por mecanismos que as suas escolhas já não têm grande coisa de estratégico.
Assim, com a dissolução da política e a autodestruição da economia (a
concorrência obriga a reduzir cada vez mais a própria substância da valorização:
o trabalho), sem nenhuma perspectiva de sair dos seus imperativos, o sujeito
moderno "barbariza-se" (17) na sua forma, em vez de a romper. E, nesta
tendência, todas as categorias e esferas sociais (público/privado,
trabalho/lazer, jovem/velho, homem/mulher) se decompõem, permanecendo em
constrangimentos intransponíveis.
Claro que a relegação das
mulheres para esfera privada nunca correspondeu inteiramente à realidade. As
mulheres sempre trabalharam, houve mulheres políticas, revolucionárias,
cientistas, militares, escritoras, etc. (18). Na actual desintegração dessas
esferas, quando o privado se torna um assunto público e o público está sendo
privatizado, o dissociação-valor não é abolida, mas desloca-se e aparece em
formas cada vez mais complexas: no interior das instituições, dos grupos
sociais, dos indivíduos. Assim, vemos surgir cada vez mais "identidades
múltiplas e flexíveis" que poderiam sugerir que a relação assimétrica entre os
sexos se teria tornado agora um problema ultrapassado. Alguns vêem aí a
emancipação já realizada, ou pelo menos o surgir de "chances" ou "possíveis".
Mas, por trás desta aparente
libertação das cangas da identidade, um olhar sobre as realidades sociais
permite descobrir a nova flexibilidade forçada e decifrar os "possíveis" da
globalização como a decomposição anómica das categorias capitalistas. A crise do
capitalismo está longe de representar a sua abolição e não promete nada senão
destruição. Não é a "redução do papel do Estado" face à concorrência globalizada
que nos faz acreditar na sua ultrapassagem; e o sujeito, como forma de
colete-de-forças do indivíduo, não desaparece, mas realiza-se na sua
barbarização, enquanto masculino, branco e ocidental.
É já evidente – a nível mundial
– que são em primeiro lugar as mulheres as vítimas do desenvolvimento actual,
tanto enquanto alvo do ódio e da violência desencadeados pela barbárie avançada,
como enquanto gestoras da crise em sua "dupla socialização".
Quem se atreveria a afirmar com
seriedade que sob a bandeira do neocapitalismo pós-moderno desaparecerão a
submissão das mulheres, a inferiorização da “feminilidade” e o conflito entre
uma sexualidade agressiva do sexo masculino (violações, mas também formas
quotidianas mais soft, tais como imagens mediáticas, publicidade,
pornografia) e uma sexualidade feminina passiva? Acabou o papel subvalorizado
das mulheres na economia e na política graças a Ségolène Royal e a algumas
business-women? Acreditar-se-á ter chegado o fim do modelo da
heterossexualidade forçada devido a alguma flexibilização perante outras
categorias sexuais, ou por causa de jogo espectacular com identidades
perturbadas? De resto não é a flexibilidade pós-moderna das identidades que
impede o "rearmamento moral e repressivo" de surgir, apesar dos divertidos jogos
de sociedade em que se trata de assumir papéis. Tal flexibilidade tão pouco
impede que o cuidado com os enfermos e com as crianças seja de novo
"privatizado" e entregue à terna solicitude das mulheres, nem que as profissões
"femininas" na área social sejam hoje as primeiras a ser afectadas pelas
"reformas" nas sociedades “mais avançadas”. Além disso, pode-se observar a nível
mundial um ódio renovado contra as mulheres, duma virulência feroz e incomum,
seja no caso dos muitos focos da "guerra civil mundial" que por toda a parte se
apresentam como uma espécie de guerra bandos pela apropriação dos fragmentos e
ruínas da sociedade mercantil, ou no caso das explosões de desespero
hiperviolento nos velhos centros da modernidade.
A fé numa ultrapassagem quase
automática do patriarcado capitalista e das suas categorias em última análise
não é senão o antigo "materialismo histórico" revisto. O que hoje é aplaudido
pelos progressistas como emancipação e lamentado pelos conservadores como
revolução antropológica por baixo (em relação aos benefícios da modernidade)
nada tem realmente de mudança radical (isto é, categorial). Não representa senão
a barbarização das próprias categorias capitalistas. Esta transformação não
ocorre num sentido único; hoje, quando os cofres estão vazios e as preocupações
voltam a ser cada vez mais materiais, vêem-se as antigas cangas autoritárias a
reaparecer, sob formas talvez ainda mais coercivas.
Isso não significa que uma
crítica radical possa repetir exactamente os velhos esquemas, dizendo que "no
fundo nada mudou". As transformações do capital-patriarcado não podem ser
consideradas nem como o eterno retorno do mesmo nem como a sua abolição.
NOTAS
1. Roswitha Scholz, Das
Geschlecht de Kapitalismus [O sexo do capitalismo], Bad Honnef, Horlemann,
2000, p. 108.
2. As teses desta corrente da
teoria crítica alemã, conhecida como "crítica do valor", começam a ser
parcialmente acessíveis em francês. Ver, entre outros, sobre este assunto,
Anselm Jappe, Les Aventures de la marchandise. Pour une nouvelle critique de
la valeur, Paris, Denoël, 2003 [As aventuras da mercadoria. Para uma nova
crítica do valor, Lisboa, Antígona, 2006].
3. Anselm Jappe, Conferência
2005 no Fórum Social Basco", acedido em 01 de maio de 2007 em:
www.forumsocialpaysbasque.org.
4. Ver sobre este assunto Karl
Marx, O Capital, Livro 1, Tomo 1, Paris, Éditions Sociales, p. 157: "Na
circulação D-M-D’, dinheiro e mercadoria funcionam apenas como diferentes formas
do valor em si, de modo que um é a forma geral e a outra é a forma especial e,
por assim dizer, dissimulada. O valor passa constantemente de uma forma para
outra sem se perder nesse movimento." Isto é o que Marx chama a transformação do
valor em “sujeito automático" (o termo não aparece na tradução de Joseph Roy,
que cortou o final da frase).
5. Robert Kurz, Blutige Vernunft [Razão
Sangrenta], Bad Honnef, Horlemann,
2004, p. 70. [Razão sangrenta, S. Paulo, Hedra, 2010]
6. Ibid, p. 64.
7. O conceito de "abstracção
real" foi introduzido por Alfred Sohn-Rethel, um filósofo alemão
escandalosamente ignorado em França, num ensaio de 1961 intitulado Forma de
mercadoria e forma do pensamento. [Foi entretanto editado em França, deste
autor, La pensée-marchandise, éditions Le Croquant, 2010 (Nt. Trad.)]
8. Max Horkheimer e Theodor W.
Adorno, La Dialectique de la raison. Fragments philosophiques, Paris,
Gallimard, 1974, p. 49. [Dialética do esclarecimento. Fragmentos filosóficos,
Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985]
9. Dado o seu carácter dinâmico,
é difícil distinguir o processo de formação do capitalismo da sua instauração
definitiva. Poder-se-ia até ser tentado a descrevê-lo como um processo contínuo
do seu próprio estabelecimento, até no período actual de dissolução. O
estabelecimento definitivo do capitalismo corresponderia então à sua crise
final. Acrescente-se que a crise final do capitalismo não é sinónimo de
emancipação e há um elevado risco de que corresponda à crise final e ao
desaparecimento da humanidade e do seu mundo. A emancipação exige um esforço
muito mais importante do que a execução dum mecanismo capitalista.
10. Roswitha Scholz, Das
Geschlecht de Kapitalismus, op. cit., p. 109.
11. Ibidem, p. 110.
12. Idem. p. 108.
13. Ibid., p. 114.
14. Micha Böhme, O conceito
de sociedade de Adorno, conferência inédita.
15. "Não nos agarramos sem
modificações a tudo o que está dito no livro. Isso seria incompatível com uma
teoria que atribui à verdade um núcleo temporal, em vez de opô-la ao movimento
histórico como algo de imutável." Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, op. cit.,
p. 9.
16. Roswitha Scholz, Das
Geschlecht de Kapitalismus, op. cit., p. 181.
17. Os termos barbárie,
barbarização e bárbaro relevam certamente de uma visão eurocêntrica. Eles são
usados aqui com conhecimento da sua ambiguidade. No entanto, é interessante
fazer notar que a recusa, o medo e o ódio ao "outro" que estão contidos neste
conceito, nada mais são afinal do que a recusa, o medo e o ódio que o Ocidente
incuba em relação a si mesmo, incluindo o pressentimento e o medo da sua própria
destrutividade, projectado em alguém designado como exterior.
18. Mas será preciso lembrar
aqui que isso nunca aconteceu senão como homens de segunda classe e que
geralmente elas mantinham ao mesmo tempo o seu papel de mulher?
Original Le côté obscur du capital. «Masculinité»
et «féminité» comme piliers de la modernité in
www.exit-online.org
.Publicado na revista francesa
Illusio,
nº 4