SUMÁRIO E EDITORIAL
Sumário
Editorial
Elmar Flatschart
PARA A CRÍTICA DA ECONOMIA
(POLÍTICA) GRATUITA
1. Prólogo sobre teoria e
práxis
2. Para a definição de economia
gratuita
3. Crítica da economia gratuita
3.1. Crítica da economia
(política) e da economia (política) gratuita
3.1.1. Preliminares da crítica
da economia
3.1.2. Política e economia –
localização e crítica da separação de esferas
3.2. Forma e efeito político
3.2.1. A falta de perspectivas
políticas
3.2.2. Possíveis efeitos
político-sociais
3.3. Práxis da economia
gratuita e cargas (sexuais) simbólicas
4. Conclusão: potenciais da
economia gratuita
Robert Kurz
A INDÚSTRIA CULTURAL NO
SÉCULO XXI
Sobre a actualidade da
concepção de Adorno e Horkheimer
Da crítica aparente da
burguesia intelectual ao culto pós-moderno da superficialidade
Crítica cultural elitista ou
emancipatória?
Reducionismo tecnológico
A publicidade como percepção
cultural do mundo e de si mesmo
A continuação do "trabalho
abstracto" e da concorrência por outros meios
A Internet como novo meio
central da indústria cultural
A virtualização do mundo da
vida
Interatividade da Web 2.0 e
individualização
Uma cultura grátis paga cara
O limite interno do capital e a
crise económica da indústria cultural
A caminho do esgotamento dos
recursos culturais
O mundo não é um acessório. Por
que é impossível uma "revolução cultural" separada
Georg Gangl
DIFERENÇAS ILUMINADAS
Um ensaio-recensão sobre o
pós-estruturalismo através da sua crítica anti-alemã
Introdução: modernidade, pós-modernidade e pós-estruturalismo
Para
a reconstrução do pós-estruturalismo
… e
a sua crítica anti-alemã
Karina Korecky
CABE-VOS MANTER SEMPRE O
AMOR ÀS LEIS NO ESTADO
Sobre a relação entre
feminilidade e nação
I. Lógica do direito e ilógica
da mulher
II Ama-te a ti mesmo
III. A natureza particular da
nação
IV A reprodução do eu cívico
Daniel Späth
A MISÉRIA DO ILUMINISMO
Sexismo em Immanuel Kant
1. A Crítica da Faculdade do
Juízo e a sua posição específica dentro da filosofia transcendental
2. Digressão sobre as
Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime
3. Dominação da natureza e
feminilidade (Elvira Scheich): As diferentes dimensões do conceito kantiano
de natureza e a sua mediação com especificação de género
4. O "belo" e o "sublime" na
Crítica da Faculdade do Juízo
5. A “dissociação-valor"
(Roswitha Scholz) como princípio constitutivo da forma para a relação entre
teoria e práxis e a sua posição na reflexão estética
6. “Dissociação-valor" como
forma de pensamento negativo: A relação fetichista entre sujeito e objecto e a
questão da contextualização da feminilidade
Carsten Weber
VOCÊS NÃO PODEM ENTRAR AQUI
A classe média precarizada e
os respectivos sujeitos como cães de guarda receosos do seu capital humano
Udo Winkel
NEM ALY NEM WEHLER
A
disputa entre historiadores como duelo
Gerd
Bedszent
MALTHUS
RELOADED
Udo Winkel
PARIS – CIDADE DE REBELDES
EDITORIAL
Nos últimos meses, as imagens
sobre "movimentos sociais" têm tido uma presença incomumente forte nos média.
Desde o fim dos grandes “sujeitos do movimento" do século XX – o movimento dos
trabalhadores, o movimento feminista, o movimento anticolonial – a percepção de
revoltas e levantamentos parece nunca ter sido tão grande. Para a teoria crítica
coloca-se agora a questão de saber como essa mudança se justifica. Enquanto na
década de 1990 foram demolidos os restos dos antigos grandes sujeitos – o que
não interessou a ninguém – os movimentos antiglobalização dos anos 2000 foram
tratados na esfera pública burguesa mais esporadicamente, sendo considerados "um
tema como os outros". A novidade qualitativa de fenómenos tão diversos como as
revoltas da "Primavera árabe", o activismo on-line de uma comunidade de Internet
pluralizada simbolicamente representada pelo "anonymous" ou, para terminar,
também o movimento “occupy” parecem assentar em dois factos: por um lado, estes
novos movimentos colocam radicalmente em causa uma certa parte da socialização
capitalista, pelo menos nominalmente; por outro lado, os seus defensores não só
vêm do "centro da sociedade" entretanto globalizado, mas também se distanciam
dos restos dispersos da esquerda organizada mais ou menos estabelecida. As
práxis, é claro, mantiveram-se reduzidas ao pormenor e não transcendem o sistema
de modo significativo nas suas reivindicações. Assim, as revoltas no mundo árabe
têm sido sempre orientadas para uma nova regulamentação política, mas não
questionam outros aspectos sociais nem o pressuposto básico da economia
capitalista. O movimento de Internet respondeu às tendências autoritárias e à
crescente securitização da vida quotidiana com uma espécie de anarquismo
vale-tudo ingénuo, que não se confronta com os aspectos "materiais" das relações
sociais. O movimento “occupy”, finalmente, focou-se unilateralmente no
questionamento de alguns princípios capitalistas, mas é cego para outros
mecanismos de opressão e ideologias sociais.
Mas por que não compartilham
todos esses fenómenos o destino de revoltas anteriores de uma "esquerda em
mosaico" pós-moderna? A resposta deve ser procurada não só nas práxis concretas
propriamente ditas, mas também no seu contexto histórico. A crise há muito
latente do patriarcado produtor de mercadorias chegou finalmente ao plano
superfícial das manifestações e transformações evidentes com a "crise económica"
mundial a partir de 2007. Agora já não é só a lógica da dissociação-valor
que atingiu os seus limites; a empiria e com ela a vida quotidiana das
pessoas estão agora a acentuar os limites incontornáveis dessa forma de
socialização. Embora não haja consciência disto para quase ninguém, pois
ironicamente foi a "pós-modernidade" cultural e teórica – ela própria uma
reacção à crise iminente e, portanto, em certa medida um prólogo social para as
verdadeiras erupções – que apagou da memória colectiva a noção de qualquer
teleologia e finalidade; no entanto espalha-se um mal-estar que está associado
ao desespero oculto e à descrença na oferta de soluções prevalecente. Este
mal-estar quase sempre completamente inconsciente manifesta-se agora de muitas
maneiras. Na maioria dos casos – devido à constituição imanente e não reflectida
– é claro que em formas de digestão ideológica, que geralmente causam entre
outras coisas a propensão (populista) para insistir em tendências regressivas de
direita reacionária há muito ultrapassadas e alheias à realidade. Em qualquer
caso, já não se acredita (pelo menos implicitamente) que a política dominante
consiga “endireitar” novamente as coisas. Esta falta de fé na política é
dirigida agora não só contra os decisores institucionais reais, mas também
contra a esquerda. Não é por acaso e representa uma mudança qualitativa o facto
de até mesmo as partes mais radicais dos movimentos de crise se distanciarem
claramente das forças politicamente organizadas. Isto está associado a uma nova
participação de massas que a esquerda mais radical por sua vez rejeita.
Finalmente esta última conseguiu agora sentir que já dura há tempo suficiente o
seu gueto social e já não sabe muito bem o que fazer com os não-socializados em
subculturas. As reações foram, portanto, desde o perplexo ficar de lado,
passando pela intervenção obsessiva (e sem sucesso) de acordo com o "velho
modelo", até à rejeição malévola. Todas essas reações – e especialmente a última
– não significam realmente que existam efectivas diferenças de conteúdo: grande
parte da esquerda ainda simpatiza com as reivindicações reduzidas desses
movimentos ou apresenta outras pouco mais elaboradas. Mas também um
posicionamento político defensivo na aparência crítico da ideologia acaba por se
envergonhar a si mesmo, visto que se limita a ruminar e a transformar na própria
auto-segurança o que estava claro desde o início: a reprodução de ideologias (do
quotidiano) e as exigências muito pouco radicais dos movimentos de massa
espontâneos. As reacções, por conseguinte, são marcadas decisivamente sobretudo
pelo facto de a esquerda já não saber definitivamente o que fazer com estes
fenómenos novos. A incompatibilidade entre códigos tradicionais, subculturas,
formas de agitação e de comportamento político e os novos protestos é uma
incompatibilidade categorial, pois surge a partir da própria constituição
política da esquerda. A esquerda no seu conjunto basicamente nunca recuperou do
choque do fim dos grandes "sujeitos do movimento" políticos e continua a manter
consistentemente padrões políticos que são meros produtos decadentes da crise do
antigo. Isto está intrinsecamente ligado com a pluralização teórica
"pós-moderna", que na realidade se limita a substituir a própria impotência na
análise crítica: a complexidade da fragmentação da sociedade em crise faz
desaparecer as regularidades estruturais empiricamente apreensíveis e "simples".
No entanto, dado que deixa de ser atingido o nível da crítica categorial
abrangente da totalidade, a surpresa é grande e o efeito da reflexão recai sobre
o parcelar, o contingente. Mas esta pluralização pós-moderna desvia
simultaneamente a atenção do facto de os modos de agir e as formas de reacção se
terem mantido basicamente as antigas, agora simplesmente imprecisas e
perdidas/confusas. De tal como que a esquerda há muito está incapaz de agir,
pelo menos quando se trata do plano da transformação de toda a sociedade. Na sua
falta de auto-contextualização ela difere pouco dos outros artistas do circo
político, sendo mesmo realmente intercambiável com posições políticas.
Por isso não há que censurar os
mais recentes movimentos sociais por se afastarem da esquerda, pois tal
constitui uma reação necessária (embora inconsciente) à obsolescência histórica
de grande parte dessa esquerda. Em particular, e especialmente em termos de
conteúdo, é claro que os protestos não podem ser causalmente reduzidos a meras
manifestações de crise. Dependendo do nível de abstracção, há também diferentes
áreas de contingência e de encadeamentos reais de uma práxis não mais puramente
redutível ao sujeito automático. Esta impossibilidade de relações causais
simples, no entanto, não deve conduzir a que se ignore simplesmente o contexto
histórico ou, pior ainda, a que se afirme, numa inversão projectiva, que a
própria crise é resultado da luta. Uma análise detalhada teria de considerar em
conjunto e em sua contraditoriedade os desenvolvimentos da lógica
histórico-sistémica síncrona do valor e as suas rupturas diacrónicas nas
situações de crise da política e da práxis quotidiana. Tal como em situações de
crise anteriores, abrem-se assim áreas de possibilidade inteiramente novas; mas,
ao contrário de anteriores crises cíclicas, é improvável o regresso às formas
existentes ou a um impulso renovado de aplicação dentro do espartilho da forma
capitalista. Assim, não sendo de prever mais qualquer "recuperação do sistema",
a versão mais realista é a do asselvajamento e barbarização crescentes das
condições, se não for lançada nenhuma mudança significativa.
Por isso, da parte da teoria
crítica é necessário continuar a intervir, não temendo interpretações ousadas.
Em relação aos movimentos mais recentes, a rejeição da política em maior escala
é interessante. Penso que isso pode ser considerado como resultado da
socialização de crise (que naturalmente dura há muito tempo e agora simplesmente
se torna evidente). A política é de certo modo rejeitada em sua limitação e
remissão fetichistas para o "sujeito automático" de valor e dissociação. A
rejeição aqui já não é de conteúdo (pois nesse caso teria a esquerda muitas
vezes razão), mas é uma rejeição que se relaciona com a própria forma. A
subsunção sob a forma da política, como símbolo da representação, na sua lógica
imanente de hegemonia e distanciamento abstracto do mundo quotidiano, é
percebida aqui como uma afronta. Reflexos semelhantes já houve certamente antes,
mas de modo assim concertado e determinado eles são sem dúvida novos e só podem
ser entendidos no contexto de uma crise da forma social total. O problema está
naturalmente em que todas as reacções dos mais recentes movimentos simplesmente
nunca aconteceram de maneira ponderada nem perto disso e nem sequer são
entendidas em suas próprias contradições. Elas baseiam-se numa defesa
"instintiva" contra uma incongruência que se torna cada vez mais intolerável
entre a realidade e a imagem da realidade. A esquerda terá de enfrentar isso,
terá de ousar intervenções críticas que não rejeitem justamente o questionar da
própria forma, mas que o admitam criticamente. Isso pode acontecer
esporadicamente, mas naquele nível agregado que atinge a forma social da
"política" de esquerda não se nota nada. Aqui continuam a predominar sobretudo
ilusões de maleabilidade e ilusões de luta, que de forma alguma questionam a
forma política. Mas há simplesmente cada vez menos para moldar. A esquerda, com
a sua ignorância da incontornabilidade da crise, em última análise apenas está
ela própria a eliminar o seu próprio contexto.
Mas o facto de o contexto da
maleabilidade política imanente se tornar cada vez mais estreito e de isso ser
percebido pelos movimentos mais recentes está longe de condicionar qualquer
solução alternativa, e muito menos um questionamento radical e sistemático do
todo sistémico em sua união contraditória. Para chegar mais perto de soluções
reais também não é suficiente, naturalmente, o "impulso espontâneo" das erupções
de massas; continua a ser necessária a organização, e até mesmo a acção sob a
forma da política, não sendo aqui despropositadas as críticas de esquerda e a
insistência nos antecedentes da experiência. Mas, para que estas experiências em
geral ainda sejam levadas a sério, é preciso que o auto-questionamento radical e
a crítica da forma da política mesmo de esquerda entrem finalmente no repertório
dos actores e das actrizes da emancipação. Um tal processo de auto-transformação
não pode naturalmente avançar sem rupturas e é mais fácil de dizer do que de
fazer. Mas ele pressupõe, além do mais, um trato com as contradições novo e
radical. Estas devem ser entendidas e tratadas na sua composição sistémica e não
resolvidas obsessivamente na lógica da identidade, como era e continua a ser
prática comum na esquerda política. Pois este tipo de solução é o ponto fulcral
das ideologias sociais que atravessam a esquerda bem como os protestos mais
recentes (no entanto de maneiras diferentes). A crítica da ideologia é então a
principal tarefa da teoria crítica quando se trata de lidar com discursos,
movimentos e práticas mais concretas de esquerda. Ela tem de decifrar
implacavelmente tanto a necessidade como a falsidade da consciência (ou, na
verdade, os motivos inconscientes por trás de práxis e intervenções discursivas
mais ou menos conscientes), mesmo e sobretudo quando isso se torna
desconfortável. Como "práxis teórica", portanto, ela é em si um dos mais
importantes imperativos da emancipação. No entanto, isto não deve ser entendido
como rejeição da acção emancipatória em sentido estrito, pois nem o mundo vai
mudar através de um trabalho puramente teórico, nem a teoria crítica pode em
geral fazer declarações "positivas" sobre práxis concretas. Se o fizesse,
tomando uma posição ("política") evidente e organizando-se em uníssono com o
cânon de esquerda, ela própria degeneraria em ideologia, pois esqueceria o seu
próprio posicionamento como práxis específica, suspendendo unilateralmente as
contradições subjacentes.
O difícil equilíbrio da teoria
crítica entre o seu próprio posicionamento (de esquerda) e a crítica radical da
ideologia é o cerne da actividade de uma associação como a EXIT. Neste sentido,
não é só o desenvolvimento de um corpus de teoria social que é de relevância
central; ao mesmo tempo também têm de ser penetrantemente criticadas as formas
de digestão ideológica nos diferentes níveis de abstração e em toda a
estratificação das relações sociais. O presente número da revista põe
consequentemente a ênfase na crítica da ideologia, que é prosseguida a partir de
diversas perspectivas.
No início da revista está a
carta aberta da redação da EXIT na passagem de 2011 para 2012 redigida por
Robert Kurz. Além de uma informação geral e do obrigatório pedido de continuação
do apoio (material) para a elaboração da teoria crítica, a carta toma posição de
forma polémica sobre o staus quo da digestão (ideológica) dos protestos e
revoltas principalmente na esquerda.
O primeiro texto, PARA A
CRÍTICA DA ECONOMIA (POLÍTICA) GRATUITA, de Elmar Flatschart, vê-se
como uma revisão teórica de abordagens práticas e de “teorias da práxis” no
contexto das tentativas da economia alternativa para criar uma economia sem
dinheiro. Depois de um prólogo sobre a relação entre teoria e práxis examina-se
primeiramente uma definição conceptual do conteúdo da ideia de “economia
gratuita”. Com base nisso desenvolve-se uma crítica imanente da economia
gratuita, que no essencial se apoia na crítica da economia política de Marx e na
sua recepção pelos debates mais recentes da crítica da dissociação e do valor.
Aqui são objecto de discussão os pontos fracos centrais das práticas existentes,
bem como as omissões e unilateralidades que já são inerentes à ideia. Essencial
parece ser a fixação na reprodução ou na “economia” em sentido lato, o que
implica uma menor consideração do aspecto político da práxis emancipatória e da
sua teoria. Seguem-se algumas reflexões sobre a carga sexual simbólica das
práticas da economia gratuita. Finalmente abandona-se o plano da crítica
metateórica para expor possíveis pontos fortes e perspectivas da economia
gratuita como práxis do movimento emancipatório.
No artigo seguinte, A
INDÚSTRIA CULTURAL NO SÉCULO XXI, parte-se de práxis imediatas para
fenómenos ideológicos no contexto do fenómeno mais amplo da "pós-modernidade". O
texto baseia-se numa apresentação feita por Robert Kurz em 2010 num
congresso sobre o tema no Brasil. A versão alargada para ensaio crítico procura
caracterizar a oposição imanente entre o pessimismo cultural da burguesia
intelectual e o optimismo cultural tecnológico pós-moderno como as duas faces da
mesma moeda. O culto da superficialidade é complementar ao culto da
interioridade. Ambos os lados negam igualmente que fazem a afirmação monótona da
constituição capitalista da cultura. Para compreender este contexto, a velha
análise de Adorno e Horkheimer, apesar de suas deficiências político-económicas,
ainda continua a servir melhor do que está disposta a admitir a esquerda pop,
ela própria entretanto envelhecida. Isso se aplica mesmo à transformação da
indústria cultural da Internet na “realização escarninha do sonho wagneriano da
obra de arte total”, justamente na natureza tecnologicamente “interactiva” da
Web 2.0. Para lá de Adorno e Horkheimer, a crítica da economia virtualizada como
exame do limite interno do capital consegue mostrar também os limites da
indústria cultural digital totalitária do século XXI. O texto pretende ser um
contributo preliminar para uma crítica abrangente ainda por realizar do
culturalismo pós-moderno, da sua episteme e das suas condições socioeconómicas.
O ensaio-recensão "DIFERENÇAS
ILUMINADAS", de Georg Gangl, mantém-se na área temática da
pós-modernidade, tendo como alvo críticas (falsas) do pós-estruturalismo vindas
do cantinho "anti-alemão". Mostra-se como nesse discurso se pode encontrar muita
escória ideológica, apesar (ou talvez por causa) da suposta proximidade com a
elaboração teórica da crítica da dissociação e do valor. A colectânea
“Gegenaufklärung. Der postmoderne Beitrag zur Barbarisierung der Gesellschaft
[Contra-iluminismo. A contribuição pós-moderna para a barbarização da
sociedade]”, que apareceu recentemente na editora ça-ira, oferece a ocasião e
quase o filme negativo dessa análise teórica. A antologia, de proveniência
anti-alemã, não faz justiça à teoria pós-estruturalista, como diz o autor, pelo
contrário, tende a truncá-la de duas maneiras na lógica da identidade: por um
lado, o pós-estruturalismo é reduzido à sua problemática epistemológica e, em
última instância, à ideologia alemã e à apologia do islamismo. Por outro lado,
apenas a filosofia de Jacques Derrida figura epistemologicamente no
pós-estruturalismo. Nestas circunstâncias, no entanto, já não se conseguem
perceber os méritos da teoria pós-estruturalista. Por isso o ensaio opta por uma
abordagem historicamente contextualizada da teoria pós-estruturalista e enfatiza
elementarmente que certos conhecimentos teóricos do pós-estruturalismo podem
perfeitamente ser reconhecidos, mesmo que tivessem de ser conceptualizados de
forma diferente num quadro de teoria crítica dialéctica. Poderiam mencionar-se
aqui aspectos do linguistic
turn e a focagem nos momentos
performativos e semióticos da interacção social. Finalmente, o texto argumenta
que as truncagens da colectânea na lógica da identidade resultam principalmente
de um posicionamento fundamental da ideologia do iluminismo, que pretende salvar
de si mesmo uma espécie de iluminismo ideal e, portanto, também uma espécie de
capitalismo ideal.
O texto de Karina Korecky
CABE-VOS MANTER SEMPRE O AMOR ÀS LEIS NO ESTADO apresenta-se como
decifração crítica da ideologia do olhar androcêntrico de muitas críticas da
nação. Pois a crítica de esquerda do Estado e da nação pensa geralmente poder
passar sem a crítica do género, sem que a relação de género desempenhe qualquer
papel na crítica do Estado-nação. Do lado da teoria feminista as coisas não se
passam de maneira muito diferente: Onde o Estado em geral é o assunto,
feminilidade e nação são algo como “categorias estruturais” ou “discursos”, que
já só exteriormente poderiam ser relacionadas uma com a outra, em análise
separada. Contra isso, o artigo parte da consideração da sociedade civil como um
todo. A sociedade de livres e iguais produziu ao desenvolver-se o seu
contraditório: as mulheres como diferentes, as nações como determinadas. Através
da dialéctica do iluminismo elas reproduzem-se constantemente de novo. Na teoria
política de Jean-Jacques Rousseau e outros, cabe às mulheres “manter sempre o
amor às leis no Estado”. Transformadas em segunda natureza, as mulheres devem
mediar entre o homem-ser humano burguês e aquilo que o faz assim. Elas mandam
amar as leis no Estado, fazem a submissão forçada parecer um prazer e a
necessidade parecer um desejo. No contexto da nação é na feminilidade que a sua
união dá provas.
O texto SEXISMO EM IMMANUEL
KANT, de Daniel Späth, pode ser considerado como crítica da ideologia
no contexto da história das ideias da meta-ideologia iluminista. Na segunda
parte do seu trabalho A MISÉRIA DO ILUMINISMO, o autor tenta reconstruir
criticamente a imagem da feminilidade em Kant. Enquanto o primeiro capítulo, com
a terceira “crítica” de Kant, a “Crítica da faculdade do juízo”, completa a
passagem através do seu sistema de filosofia transcendental, os capítulos
seguintes têm em vista entrar na pista do mecanismo genuíno da misoginia
kantiana. Mediado pela categoria do “belo”, constata-se aí um movimento duplo
que se completa: O “sexismo da diferença projectiva” coincide com o “sexismo da
igualdade sonegada”. A relação entre teoria e práxis, já mencionada na primeira
parte do trabalho, é objecto de uma apresentação crítica renovada, que se prende
com a questão da contextualização da feminilidade sob o predomínio da
“dissociação-valor” (Roswitha Scholz) na filosofia de Kant. Como elemento
unificador destas reflexões evidencia-se a categoria natureza, cuja coerência,
bem como suas diferenciações internas, dão a chave para a compreensão do sexismo
kantiano.
O artigo seguinte, VOCÊS NÃO
PODEM ENTRAR AQUI, de Carsten Weber, opera ao nível das ideologias
quotidianas de estratificação social e reflete sobre o facto de a classificação
social com base nos estilos de vida vir experimentando há anos um crescimento
enorme. Por um lado, estabeleceu-se recentemente uma noção esvaziada de
“condição burguesa”, por outro, descobriu-se a classe inferior como filme
negativo ideal para efeitos de conseguir a própria distinção e a demarcação
desdenhosa para com “os lá de baixo”. Em contradição aparente com isto está a
discussão sobre a forte dependência das oportunidades individuais de educação
relativamente à origem social, como vem sendo feita por jornalistas burgueses
com verve crítica irritante pelo menos desde o fracasso da reforma escolar de
Hamburgo. Claro que os mesmos média acompanhavam antes com igual sanha
persecutória o desmascaramento público da classe mais baixa. Essa hipocrisia
constitui o núcleo temático do texto. O autor conclui referindo o seu artigo
“Entre o martelo e a bigorna” da EXIT nº 6, na medida em que mostra como também
no início do século XXI a afirmação de uma diferença qualitativa entre as
pessoas se mantém. Trata-se de um ideologema de crise, com o qual os membros da
classe média precarizada reagem à ameaça económica crescente na crise da
economia mundial.
A revista termina com três
textos mais pequenos: o comentário de Udo Winkel
NEM ALY NEM WEHLER
sobre A disputa entre historiadores como duelo
novamente desencadeada entre os dois; a recensão de Gerd Bedszent
MALTHUS RELOADED sobre a ideologia malthusiana na obra de Norbert Nicoll
"O futuro terá uma economia?"; e finalmente a recensão de
Udo Winkel PARIS - A CIDADE DE REBELDES
sobre o guia de viagem muito especial com o mesmo nome de Rámon Chao e
Ignacio Ramonet.
A terceira parte das teses de
crítica do Estado de Robert Kurz "Não há Leviatã que vos salve", de que alguns
leitores certamente estavam à espera, teve de ser adiada para a EXIT nº 10 que
vai sair ainda este ano
Mais uma vez agradecemos a
Angela Aey o seu trabalho de grande envergadura no layout desta edição. E
finalmente informa-se que Frank Rentschler se demitiu da redacção em setembro de
2011.
Elmar Flatschart pela redacção
da EXIT!
Fevereiro de 2012